Tecnologia

Como Jeff Bezos fez fortuna com a Amazon

As revelações do livro “Um clique: Jeff Bezos e a ascensão da Amazon.com”, que mostra como Jeff Bezos revolucionou o comércio e a indústria editorial

O Kindle Fire, anunciado por Jeff Bezos em setembro, marca a entrada da Amazon no mercado de tablets (Spencer Platt / Getty Images)

O Kindle Fire, anunciado por Jeff Bezos em setembro, marca a entrada da Amazon no mercado de tablets (Spencer Platt / Getty Images)

Maurício Grego

Maurício Grego

Publicado em 9 de novembro de 2011 às 18h36.

São Paulo — Em 2000, quando a bolha da Internet estourou, a Amazon registrou prejuízo de 1,4 bilhão de dólares e foi apontada como a empresa que mais perdeu dinheiro. Mas ela sobreviveu à crise, cresceu ao longo da década e fechou 2010 com lucro também de 1,4 bilhão de dólares. Desde que foi fundada por Jeff Bezos, em 1994, a Amazon nunca deixou de expandir seus negócios para novas áreas.

A livraria virtual que começou junto com a web ampliou-se para vender uma variedade de bens de consumo, conteúdo multimídia e serviços de computação em nuvem. Ela revolucionou o comércio ao levá-lo para a internet e abalou o mercado de livros. Agora, com seu Kindle Fire, vendido por 200 dólares nos Estados Unidos, a empresa aparece como um dos principais desafiantes do domínio do iPad no mercado de tablets.

O veterano jornalista Richard L. Brandt detalha essa história em seu novo livro “One click: Jeff Bezos and the rise of Amazon.com” (“Um clique: Jeff Bezos e a ascensão da Amazon.com”, ainda inédito no Brasil). Ele conta como Jeff Bezos montou a Amazon, avalia o impacto do empreendimento em outras empresas de varejo e tenta mostrar como pensa e trabalha o empreendedor.

No retrato traçado por Brandt, Bezos, como muitos outros pioneiros da área de tecnologia, começou como nerd apegado a coisas técnicas. Mas rapidamente tornou-se um empresário implacável com os concorrentes e, às vezes, até com os parceiros. A habilidade para os negócios juntou-se a uma série de insights visionários que levaram ao sucesso da Amazon. 

Bezos negou-se a dar entrevistas para o livro. Um tanto ressentido, Brandt vê certa ironia nisso tratando-se de um empresário que fez fortuna no negócio de livros. Sem poder falar diretamente com o biografado, o autor recorreu a entrevistas com empregados da Amazon, concorrentes e observadores.

Por causa disso, Brandt não mergulha na personalidade do biografado como faz, por exemplo, Walter Isaacson em sua biografia de Steve Jobs. Não há descobertas bombásticas sobre a vida pessoal de Bezos. Mas o livro traz muitas lições sobre como montar uma empresa e fazê-la prosperar. Veja, nas próximas páginas, um resumo de 20 das passagens mais importantes do livro de Brandt.


1 A vida na fazenda

O pai biológico de Jeff Bezos abandonou sua mãe quando ele ainda era um bebê. Bezos foi criado pelo pai adotivo, um exilado cubano de quem herdou o sobrenome. O avô materno tinha uma fazenda no Texas, onde Bezos passava as férias de Verão quando era criança. Muitos anos depois, o empreendedor refletiria sobre essa experiência: “Uma das coisas que se aprendem naquele ambiente rural é a autossuficiência. As pessoas fazem tudo sozinhas. Meu avô foi um modelo para mim. Sua atitude era do tipo: se alguma coisa está quebrada, vamos consertá-la. Para construir algo novo é preciso ser obstinado e manter o foco mesmo que outros achem isso irracional.” São lições que ele aplicaria no mundo dos negócios.

2 O aluno brilhante

Bezos sempre foi aluno brilhante. Na universidade de Princeton, o futuro empreendedor se formou em ciência da computação com o destaque summa cum laude, atribuído aos 3% melhores alunos.

3 10% melhor

Depois de se formar em Princeton, Bezos trabalhou em Wall Street antes de montar a Amazon. Em setembro de 1994, dois meses depois de registrar a empresa, ele foi fazer um curso na Associação Americana de Livrarias para aprender a vender livros. Anos depois, Bezos diria que a web era tão imatura que não seria difícil sobressair-se nela. “Para ser nove vezes maior que seu concorrente mais próximo você só precisa ser 10% melhor”, disse ele numa entrevista ao jornal Washington Post.

4 O plano de negócios

Diferentemente dos muitos empreendedores que começam um negócio online sem prever exatamente como vão ganhar dinheiro, Bezos parecia saber aonde queria chegar desde o início. Quando iniciou a Amazon, sua visão de longo prazo já incluía uma sucessão de passos para a expansão. Ele começou vendendo livros, mas já antecipava que passaria a oferecer CDs, DVDs e fitas de vídeo VHS, que eram populares nos anos 90. Depois viriam outros tipos de mercadoria.

5 A voz do consumidor

Logo que o site da Amazon foi ao ar, em 1995, a livraria já permitia que os leitores publicassem comentários – positivos ou negativos – sobre os livros. Hoje, isso é trivial. Mas, na época, muita gente achou que Bezos era maluco por permitir comentários negativos. “Não era exatamente algo que ajudaria a vender livros, pelo menos no curto prazo”, diz Brandt. Com o tempo, isso fez com que os consumidores achassem que podiam confiar na Amazon. A livraria online tornou-se o primeiro lugar onde muitos deles buscam novas publicações.


6 Mandem-nos os malucos

Jeff Bezos sempre gostou de contratar profissionais que não se encaixam bem no perfil corporativo tradicional. Em 1998, a diretora de atendimento ao cliente Jane Slade disse numa entrevista: “Dizemos às empresas de recrutamento: ‘Mandem-nos os malucos’”. Poucos desses profissionais tinham alguma experiência prévia no comércio de livros. “Bezos era atraído por pessoas que tinham algum interesse ou talento além do trabalho, como apaixonados por música barroca, atletas, alpinistas ávidos e gente que foi campeã em soletrar palavras na escola. Ryan Sawyer, que foi vice-presidente de expansão estratégica da Amazon, havia estudado poesia em Oxford”, diz Brandt.

7 Briga com as editoras

A dedicação intensa de Bezos aos negócios transforma-se, às vezes, numa petulância um tanto irracional. Brandt conta alguns episódios em que o empresário resolveu retaliar alguma editora que se recusou a dar o desconto que ele queria. Em uma das ocasiões, Bezos simplesmente mandou que os livros daquela empresa fossem retirados da loja online. Em outra, a vingança foi mais bizarra: os livros ficaram no site, mas sem o botão Comprar, de modo que os clientes não podiam adquiri-los na Amazon.

8 One click

O objetivo básico da Bezos sempre foi tornar a compra na Amazon tão simples quanto possível. A característica que melhor resume esse objetivo é a que dá nome ao livro de Brandt: a compra com um único clique. Ela surgiu em 1997, quando Bezos disse ao programador Peri Hartman que queria que o processo de compra fosse o mais simples possível: “Os clientes deveriam ser capazes de clicar em algum lugar e, pronto, a compra está feita.” Hartman tomou a frase ao pé da letra e criou o sistema que ficou conhecido como 1-Click. 

9 O duro jogo das patentes

Antes do sistema 1-Click, para comprar um produto na web, era preciso informar dados pessoais e de pagamento em formulários. A Amazon passou a manter esses dados em seus servidores, permitindo a compra com um único clique. Hoje, essa solução parece óbvia. Mesmo assim, em setembro de 1999, a Amazon obteve o registro da patente do 1-Click. Qualquer empresa de comércio online que queria oferecer essa facilidade precisa pagar royalties a ela. “A patente é tão ampla que os concorrentes não são impedidos apenas de imitar o código da Amazon. Eles não podem usar o recurso de clique único de nenhuma maneira”, diz Brandt.

10 A polêmica do clique único

A patente do 1-Click virou caso de estudo em congressos e cursos sobre propriedade intelectual. Para muitos especialistas, ela contraria o princípio básico que diz que só se podem patentear coisas não óbvias, que tragam embutida alguma engenhosidade. Tim O’Reilly, editor de livros e defensor do software livre, foi um dos que criticaram. Para ele, o sistema de clique único “não passa nem pelo mais rudimentar dos testes para verificar se a ideia é mesmo nova e não óbvia.”


11 Golpe na concorrência

Pode-se especular que, sem a patente do 1-Click, a Amazon poderia não ter sobrevivido. Afinal, teria sido muito fácil, para outras empresas, imitá-la e competir com ela. Brandindo a patente, Bezos evitou a concorrência. A Barnes & Noble tentou escapar dela com o sistema “dois cliques”. O comprador precisava clicar num segundo botão para confirmar a aquisição do livro. Não adiantou. A Amazon processou a empresa e ganhou a disputa na justiça. A Apple foi mais pragmática e licenciou o 1-Click para uso na loja iTunes. 

12 Operando no vermelho

A Amazon demorou muitos anos para ter lucro. É um modelo de negócios diferente do de empresas como Apple e Microsoft, que se tornaram lucrativas rapidamente quando começaram a operar. Essa estratégia seria imitado por muitas outras startups da internet, quase sempre sem sucesso. Mas ela deu certo para a Amazon. Numa entrevista ao New York Times em 1997, Jeff Bezos disse: “Nós poderíamos ser lucrativos. Seria a coisa mais fácil do mundo, mas também a mais burra. Estamos pegando o que poderia ser lucro e reinvestindo no futuro do negócio. Seria uma decisão estúpida tornar a Amazon lucrativa agora.”

13 Além dos livros

Em 1998, a Amazon já tinha os ingredientes básicos da sua loja online testados e aprovados. A empresa fechou o ano com faturamento de 375 mil dólares por empregado, o triplo do que registrou sua concorrente Barnes & Noble. A Amazon cresceu 300% naquele ano, contra 10% da Barnes & Noble. Bem sucedido na primeira etapa do seu plano, Bezos passou ao passo seguinte, iniciando as vendas de CDs. A loja de música abriu com 125 mil títulos, dez vezes o que tinha uma loja física típica. E os preços da Amazon eram, em média, 40% inferiores aos das lojas físicas.

14 O domínio dos CDs

Houve quem dissesse que a expansão para a venda de CDs poderia afugentar os fãs dos livros. Como se sabe, isso não aconteceu. Em poucos meses, a Amazon já havia vendido 14 milhões de dólares em CDs, ultrapassando a pioneira CDNow, que havia começado a vender música na mesma época em que Bezos iniciou seu negócio de livros.

15 A rota das aquisições

Em 1998, a Amazon iniciou uma série de aquisições de empresas. A primeira delas foi o site IMDb – Internet Movies Database. O site voltado para cinéfilos havia sido montado com doações e não tinha propriamente um modelo de negócios. Mas Bezos tinha planos para ele. Em novembro daquele ano, a Amazon passou a vender DVDs e o IMDb tornou-se um lugar privilegiado para anunciá-los. Em apenas 45 dias, a Amazon tornou-se a maior loja de DVDs na web.


16 Amazon Marketplace

A estratégia de comprar um site especializado e usá-lo para divulgar produtos se repetiria com a aquisição de empresas como Junglee, DPReview e PlanetAll. O Junglee, um comparador de preços, foi incorporado ao sistema da Amazon quando a empresa passou a vender também produtos de outras lojas e indivíduos (com uma comissão que varia de 5 a 25%). No início, a empresa chamou esse serviço de ZShops. Hoje, ele é chamado de Amazon Marketplace.

17 Com a cabeça na nuvem

Por volta do ano 2000, alguns engenheiros da Amazon tiveram a ideia de liberar o acesso aos sistemas computacionais da empresa para parceiros do Amazon Marketplace. A ideia é que essas empresas pudessem manter atualizadas as informações sobre seus produtos que estavam a venda na loja online. Em pouco tempo, a Amazon percebeu que podia ir mais longe, permitindo que os parceiros desenvolvessem aplicações em seus computadores. Isso acabaria levando, em 2002, à inauguração dos Amazon Web Services. “Estamos estendendo o tapete vermelho para desenvolvedores de aplicativos”, disse Bezos. Com o tempo esse embrionário negócio de computação em nuvem cresceu em tamanho e variedade de serviços. Analistas de Wall Street estimam que, neste ano, ele deve gerar receita de 750 milhões de dólares para a Amazon. Em 2014, serão 2,5 bilhões.

18 O Kindle nasce nas sombras

Em 2004, numa operação sigilosa, Bezos contratou Gregg Zehr, que havia trabalhado na Palm e na Apple para montar uma empresa na Califórnia e iniciar o desenvolvimento do que viria a ser o Kindle. Steve Jobs já havia demonstrado, por meio da loja iTunes, que o conteúdo digital podia ser vendido com sucesso na web. Se a Apple vendida músicas em forma de bits, a Amazon poderia oferecer livros em formato digital. Mesmo assim, foi uma jogada corajosa. Outras empresas – incluindo Microsoft, Adobe e Sony – já haviam tentado, sem sucesso, atuar na área de livros digitais.

19 O fim dos livros?

Para alguém que fez fortuna vendendo livros, a facilidade com que Bezos desapegou-se das publicações impressas pode surpreender. “Me sinto incomodado quando tenho de ler um livro impresso porque ele não é conveniente. O livro está sempre se fechando no momento errado.” Mas, como observa Brandt, ele era formado em engenharia da computação. Assim, não é estranho que a ideia de ler livros digitais parecesse natural para Bezos. Mas isso não muda o fato de que a  Amazon havia criado algo que poderia abalar seu próprio negócio de livros impressos. Hoje, a empresa vende mais livros digitais do que impressos. 

20 Matando os concorrentes

Analisando o negócio de venda de livros nos Estados Unidos, Brandt observa que, no início dos anos 90, as grandes redes de livrarias – como Barnes & Noble e Borders – ameaçavam a sobrevivência das menores. Depois da chegada da Amazon.com, o jogo se inverteu e as redes é que se viram ameaçadas. A Borders, que chegou a ter mais de 1.200 livrarias em 2003, faliu e fechou suas últimas lojas neste ano. A Barnes & Noble seguiu os passos da Amazon com sua livraria online e a linha de e-readers Nook, mas reduziu sua rede de lojas físicas. Ironicamente, muitas das pequenas livrarias sobreviveram graças ao atendimento personalizado aos clientes.

Acompanhe tudo sobre:AmazonComércioComputação em nuvemE-bookse-commerceE-readersEmpresáriosEmpresasEmpresas americanasEmpresas de internetjeff-bezoslojas-onlinePersonalidades

Mais de Tecnologia

Comissão Europeia investiga se TikTok deixou de evitar interferência em eleição na Romênia

TikTok pede que Suprema Corte dos EUA suspenda lei que condiciona sua operação no país

Cada vez mais raras: apenas uma startup brasileira se tornou unicórnio em 2024

Robôs de carregamento transformam mercado de veículos elétricos na China