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Com ataque suicida, abelhas sem ferrão protegem a colônia

Apesar de serem incapazes de ferroar, as abelhas sem ferrão apresentam diferentes mecanismos de defesa


	Abelhas: uma das técnicas de defesa é “morder” com tanta persistência um alvo intruso ao ponto de não se desprender e morrer durante o ataque
 (Getty Images)

Abelhas: uma das técnicas de defesa é “morder” com tanta persistência um alvo intruso ao ponto de não se desprender e morrer durante o ataque (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 12 de janeiro de 2015 às 12h50.

Por não terem o ferrão funcional das abelhas Apis mellifera, as abelhas sem ferrão (Meliponini) costumam ser vistas como inofensivas e incapazes de se defender de um eventual ataque de predadores ou de saqueadores às suas colônias.

Um estudo realizado por pesquisadores da University of Sussex, do Reino Unido, em colaboração com colegas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) – ambas da Universidade de São Paulo (USP) –, revelou que, apesar de serem incapazes de ferroar como as Apis mellifera por terem o ferrão vestigial (atrofiado), as abelhas sem ferrão apresentam diferentes mecanismos de defesa.

Um deles é “morder” com tanta persistência um alvo intruso ao ponto de não se desprender e morrer durante o ataque, sacrificando-se para proteger a colônia do saque de seu alimento por outras abelhas “ladras” e da predação por outros animais.

Os resultados do estudo, realizado no âmbito de um projeto apoiado pela FAPESP, foram publicados na revista Behavioral Ecology and Sociobiology.

“É a primeira descrição de um comportamento de defesa suicida em espécies de abelhas sociais, excluindo a Apis mellifera, que possui ferrão serrilhado e se destaca do corpo ao ferroar, provocando a morte do inseto”, disse Denise de Araujo Alves, pesquisadora da Esalq-USP e uma das autoras do trabalho, à Agência FAPESP

“Quando algumas espécies de abelhas sem ferrão atacam, elas mordem e acabam morrendo porque ficam presas por muito tempo ao alvo. Dessa forma, conseguem afugentar possíveis inimigos de seus ninhos-colônias que contêm, além da cria, a rainha-mãe, estoques de alimento [mel e pólen] e materiais de arquitetura, como resina”, disse.

Os pesquisadores realizaram três experimentos em campo com 12 espécies diferentes para estudar os mecanismos de defesa de abelhas sem ferrão.

Em um dos experimentos, fizeram tremular pequenas bandeiras pretas de feltro próximo da entrada de colônias de diferentes espécies para provocar as abelhas e calcular quanto tempo demoravam para iniciar o ataque, por quanto tempo atacavam o alvo e o número de abelhas atacantes.

Algumas espécies de abelhas esboçaram pouca ou nenhuma reação à aproximação da bandeira da entrada da colônia. Já as operárias de outras três espécies de abelhas sem ferrão do gênero Trigona – a Trigona hyalinata, a Trigona fuscipennis e a Trigona spinipes – e a Partamona helleri atacaram as bandeiras em grupo com muita agressividade e por um período de quase uma hora.

Os exemplares da espécie Trigona hyalinata, por exemplo, chegaram a sofrer danos fatais, como separar a cabeça do corpo ao prender a mandíbula na bandeira em vez de soltá-la após o ataque.

“As abelhas dessas espécies de Trigona atacaram a bandeira em massa a partir do momento em que ela foi tremulada na entrada da colônia”, disse Alves. “Só o fato de um objeto passar em frente à colônia já representa um sinal de ameaça para elas.”

”Dentes” afiados

Para medir o nível de dor infligida pelo ataque de cada espécie de abelha sem ferrão, os pesquisadores serviram de “cobaia” ao se posicionar em frente à entrada da colônia e oferecer seus próprios antebraços para serem mordidos.

Os níveis de dor foram classificados em uma escala de 0 a 5, variando de uma pequena beliscada na pele a uma mordida que causa uma dor desagradável e capaz de romper a pele se for persistente.

Ao tabular os resultados, eles descobriram que as espécies de abelhas sem ferrão cuja mordida era mais dolorosa foram justamente as do gênero Trigona, que atacaram de forma mais agressiva e ficaram presas às bandeiras no primeiro experimento.

“A mordida delas é muito menos dolorosa do que a ferroada de uma abelha Apis mellifera”, comparou Alves. “Mas, se pensarmos que a mordida de um inseto com alguns milímetros de comprimento é capaz de até perfurar a pele e que eles atacam em grupo, a dor é considerável e o ‘intruso’ precisa se afastar da colônia.”

Uma das razões identificadas pelos pesquisadores para o fato de a mordida das abelhas do gênero Trigona ser mais dolorida do que as outras espécies de abelhas sem ferrão é que elas possuem mandíbulas serrilhadas, ostentando cinco “dentes” afiados.

Essa morfologia de mandíbula supostamente permite às abelhas Trigona causar mais dor e danos a um eventual predador ou saqueador de suas colônias e representa uma possível adaptação defensiva dessas espécies, apontam os pesquisadores.

“A mandíbula de outras espécies de abelhas sem ferrão que não se defendem com a mesma agressividade das Trigona é mais arredondada e elas não possuem ‘dentes’ muito afiados”, comparou Alves.

“As operárias de Apis mellifera, que se defendem com seus ferrões, também não têm ‘dentes’ afiados nas mandíbulas como os das Trigona.”

Tendência suicida

Os pesquisadores também realizaram um terceiro experimento para avaliar a disposição das espécies de abelhas sem ferrão de sofrer danos letais e morrer durante um ataque por mordedura.

O experimento consistiu em, inicialmente, apresentar a bandeira preta de feltro para as abelhas por 5 segundos e passar um pincel sobre o corpo das que atacaram a bandeira, sem causar danos a elas.

Em seguida, as abelhas que aderiram à bandeira tiveram suas asas puxadas com pinças para dar a elas a chance de afrouxar a mordida, desprender-se e voar para longe ou sofrer danos nas asas, ficando impedidas, dessa forma, de voar de volta para o ninho.

O experimento revelou que operárias de seis espécies de abelhas sem ferrão mais agressivas demostraram disposição de sofrer danos fatais e morrer, em vez de soltar o objeto.

A maior proporção de abelhas sem ferrão “suicidas” foi da espécie mais agressiva, a Trigona hyalinata. Do total de abelhas dessa espécie participantes do experimento, 83% das operárias demonstraram disposição de continuar presas à bandeira.

O comportamento, segundo os pesquisadores, é comparável ao da Apis mellifera, que perde seu ferrão e morre após o ataque. “O estudo demonstra que as abelhas sem ferrão das espécies de Trigona são particulamente defensivas e até mesmo suicidas”, disse Alves.

As espécies de abelhas sem ferrão que demonstraram maior agressividade e disposição a se auto-sacrificar durante o ataque por mordedura foram as que têm colônias mais populosas.

As colônias de Trigona spinipes, por exemplo, podem ter até 180 mil abelhas, enquanto a de uma espécia de abelha sem ferrão que não ataca, como a Melipona quadrifasciata, tem cerca de mil abelhas.

“Os custos de um ataque suicida de um grupo de abelhas operárias de espécies com colônias mais populosas é muito menor do que o de espécies com colônias pequenas”, comparou Alves.

“Vale muito mais a pena para as espécies com colônias maiores investirem nessa estratégia de defesa porque a perda de operárias não é tão grande em comparação com espécies com colônias menos populosas”, afirmou.

Segundo ela, os ataques suicidas das abelhas sem ferrão são realizados por operárias mais velhas para não colocar em risco a continuidade da colônia.

“Há uma certa lógica em recrutar as operárias mais velhas para realizar tarefas perigosas, como a de defesa e o forrageamento [busca de alimento] do ninho, para não perder os integrantes mais jovens da colônia”, disse.

O ataque é iniciado por um pequeno grupo de operárias. Em seguida, elas exalam um feromônio para chamar mais operárias para ajudar na missão, contou a pesquisadora.

“É a primeira vez que é relatado e quantificado o comportamento de espécies de abelhas sem ferrão que destinam uma parcela de suas colônias para defesa e que elas acabam morrendo, porque o ganho de defender a colônia e morrer é maior do que se deixassem ser atacadas e perecessem”, afirmou.

O artigo “Appetite for self-destruction: suicidal biting as a nest defense strategy in Trigona stingless bees” (doi: 10.1007/s00265-014-1840-6), de Shackleton e outros, pode ser lido na revista Behavioral Ecology and Sociobiology em link.springer.com/article/10.1007%2Fs00265-014-1840-6#.

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