Tecnologia

A virada cultural da Microsoft

Num livro “em meio à guerra”, o CEO Satya Nadella faz um tanto de marketing, um tanto de autoelogios – mas oferece algumas valiosas lições de liderança

NADELLA: ele está de fato conduzindo a Microsoft por caminhos promissores, inclusive com resultados robustos para mostrar / Justin Sullivan/ Getty Images (Justin Sullivan/ Getty Images/Getty Images)

NADELLA: ele está de fato conduzindo a Microsoft por caminhos promissores, inclusive com resultados robustos para mostrar / Justin Sullivan/ Getty Images (Justin Sullivan/ Getty Images/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 21 de outubro de 2017 às 08h52.

Última atualização em 24 de outubro de 2017 às 10h54.

Uma empresa resgatada da trajetória que ameaçava conduzi-la à irrelevância tem agora uma nova cultura, uma nova “alma”, um vigor que lhe permite novamente disputar – e liderar – a fronteira tecnológica, sem jamais perder de vista que sua verdadeira missão é reinventar a produtividade para dar mais poder de realização a cada pessoa e a cada organização no planeta.

Esta é a atual descrição da Microsoft, feita pelo insuspeito… executivo-chefe da companhia, o indiano-americano Satya Nadella, que com três anos e meio de comando achou que já estava na hora de relatar a virada da empresa – ainda que admita, quase modestamente, que ela não está completa.

E lançou Hit Refresh: The Quest to Rediscover Microsoft’s Soul and Imagine a Better Future for Everyone (algo como Comece de novo: a missão de redescobrir a alma da Microsoft e imaginar um futuro melhor para todo o mundo).

A comparação que vem à mente é a de Lou Gerstner, que liderou a virada da IBM nos anos 1990 e descreveu o processo num livro, Quem disse que os elefantes não dançam?, lançado depois do fato.

Nadella responde a essa crítica no próprio livro: “Livros são frequentemente escritos por líderes olhando para o passado, não em meio à guerra. E se nós pudéssemos compartilhar a jornada, as meditações de um CEO em exercício, durante uma transformação massiva?”

De fato, podem-se elencar inúmeras vantagens para um relato como esse. Quando olhamos para trás, é comum relatar apenas as veredas que levaram a algo; as pessoas são mais idealizadas, as soluções são apresentadas como mais racionais. Por outro lado, a história está completa.

Há também substanciais vantagens no relato de um presidente de empresa. Ele certamente tem informações de dentro, e mais do que isso: a perspectiva do poder. Perde-se, porém, um bocado de isenção e questionamento.

O livro de Nadella por vezes parece uma extensa e mal disfarçada peça de marketing. Não só da empresa como do próprio Nadella. Como escreveu o jornalista Gregory Cowles no título de sua pequena resenha no New York Times, “o chefe da Microsoft quer que você saiba que ele é um tipo diferente de líder”.

Nesse aspecto, o momento mais autobajulador do livro é este: “Talvez fosse fácil se motivar para a mudança pela inveja. Nós poderíamos invejar o que a Apple construiu com seu iPhone e seu iPad, ou o que o Google criou com seus telefones e tablets de baixo custo com o sistema Android. Mas a inveja é negativa (…) e eu sabia que ela não nos levaria muito longe no caminho da verdadeira renovação. Nós também poderíamos nos motivar pela gana competitiva. (…) A imprensa adora isso, mas este não é o meu estilo.”

E o momento de mais marketing para a Microsoft é quando ele, recém-eleito CEO, percebe a quantidade de máquinas com sistemas da Microsoft que ajudam seu filho a viver (ele teve asfixia intra-uterina e ficou com graves sequelas) e pensa: “É melhor a gente acertar”.

Sim, há um bocado de auto-elogio no livro. Mas Satya Nadella, o terceiro líder da Microsoft depois de seu fundador, Bill Gates, e do líder de torcida Steve Ballmer, é de fato um líder diferente. E está de fato conduzindo a Microsoft por caminhos promissores, inclusive com resultados robustos para mostrar.

A empresa que havia se tornado uma vaca leiteira, vivendo dos lucros estrondosos porém decrescentes das licenças do sistema Windows, é agora uma das líderes da computação em nuvem (chegando perto da Amazon, com uma receita que já passa dos 20 bilhões de dólares) e da inteligência artificial. De modo surpreendente, está até mesmo se tornando cool, com peças de hardware sofisticadas como a linha Surface.

Sobre esta transformação vale a pena ler. Embora o relato de Nadella deva ser tomado com vários grãos de sal, traz insights valiosos, especialmente sobre a importância da cultura da empresa.

A cultura come a estratégia

Nadella é um executivo mais intelectualizado que a média – mesmo a média dos presidentes de grandes multinacionais. Suas referências incluem poetas, acadêmicos, economistas, além, é claro, de colegas e do quase onipresente papa da administração, Peter Drucker.

A rigor, Drucker só é citado uma única vez. Mas sua frase – a cultura come a estratégia no café da manhã – dá o tom de todo o livro. A “revolução” na Microsoft está centrada na mudança da cultura.

Não é muito diferente, aliás, do que disse Gerstner, sobre a transformação da IBM: “Até vir para a IBM, eu provavelmente teria dito que a cultura é apenas um de vários elementos importantes na formação e no sucesso de uma organização – junto com visão, estratégia, marketing, finanças e outras coisas mais. Eu acabei enxergando, em meus tempos na IBM, que a cultura não é apenas um aspecto do jogo; ela é o jogo. No final das contas, uma organização é nada mais que a capacidade coletiva de seu pessoal para criar valor.”

No relato dessa transformação ainda em curso, Nadella é sincero além do esperado, e surpreendentemente elegante (ele teve ajuda de dois coautores na escrita).

Eis como ele descreve a famosa cultura de silos da Microsoft: “O poeta John Donne escreveu ‘nenhum homem é uma ilha’, mas ele teria pensado diferente se tivesse participado de algum dos nossos encontros.” “Cada líder de grupo era, em essência, executivo-chefe de um negócio autônomo. Cada um vivia e operava num silo, e a maioria vinha fazendo isso por muito tempo. Meu portfolio [de negócios] não tinha um centro de gravidade, e para tornar as coisas piores, muitos achavam que deviam ter conquistado o meu cargo.”

Nadella cita vários exemplos de choque cultural. “A organização estava profundamente dividida sobre a importância do negócio de computação em nuvem.” Uns achavam a oportunidade interessante, mas acreditvam que a empresa devia focar no que dava dinheiro: o negócio de armazenamento de dados nos servidores.

É o clássico dilema do inovador, tal qual exposto pelo professor de Harvard Clayton Christensen (não citado no livro).

Para vencer esse desafio, quando era chefe da unidade de nuvem (cargo que o levou ao de CEO), Nadella adotou a seguinte estratégia: “para ganhar seu apoio, eu precisava construir um contexto compartilhado. Decidi não trazer ninguém do meu time antigo comigo. Era importante que a transformação viesse de dentro. É o único modo de tornar a mudança sustentável.”

Outras mudanças culturas cruciais foram tornar a empresa mais aberta a parcerias. Mais impactante do que trabalhar com a Apple (algo que já havia sido feito por Bill Gates e Steve Jobs), Nadella quebrou um dogma na Microsoft quando abraçou o software aberto.

Até então, o Linux era considerado um inimigo mortal. Nadella percebeu que, nas nuvens, para ganhar mercado era preciso oferecer flexibilidade. “Nós mudamos o nome do produto [a oferta de computação em nuvem] de Windows Azure para Microsoft Azure para deixar claro que a nuvem não era apenas do sistema Windows”, diz.

A gafe das mulheres

Se não tem pruridos em tecer loas a algumas de suas decisões (ele revela, inclusive, que votou não à malsucedida compra da Nokia, porque acreditava que a Microsoft só devia entrar no mercado de telefones se “fosse mudar as regras”), Nadella também não evita os deslizes.

O maior deles foi sua desastrada resposta sobre os problemas das mulheres no mercado de trabalho.

Numa conferência que celebrava as mulheres no setor de computação, uma cientista, doutora Maria Klawe, ex-conselheira da Microsoft, perguntou-lhe que conselho daria a uma mulher que quisesse aumento de salário mas não se sentisse confortável em pedir.

Nadella respondeu que as mulheres deviam “ter fé que o sistema vai acabar dando os aumentos merecidos ao longo do caminho” e, pior, não pedir aumento “é um bom karma”.

O comentário ganhou a internet e as manchetes dos jornais e revistas. Algumas horas depois, Nadella mandou um email para toda a empresa, encorajando a todos a ver o vídeo, apontando que sua resposta havia sido completamente errada. “Acredito que homens e mulheres devem ter o mesmo salário para o mesmo trabalho. E no que toca pedir aumento, o conselho de Maria era o correto”, afirmou.

“Desde aquele meu comentário, a Microsoft se comprometeu a promover mudanças reais nessa área – ligando a compensação de executivos ao progresso da diversidade, investindo em programas de diversidade e divulgando dados sobre igualdade salarial para minorias de gênero, raça e etnia”, afirma Nadella.

Ao final das contas, sua apresentação como um líder que quer mesmo ser diferente é convincente.

Até mesmo em sua definição de liderança – que tem a ver com a mudança cultural.

“Gosto de pensar que o C de CEO se refere a Cultura. O CEO é o curador da cultura da organização”, diz.

“Nossa cultura era rígida. Cada empregado tinha de provar que era a pessoa mais inteligente da sala. Resultados importavam mais do que tudo. As reuniões eram formais. Tudo tinha que ser

planejado em mínimos detalhes antes do encontro. E era difícil fazer reuniões entre níveis hierárquicos diferentes.”

A mudança tem a ver com colocar os engenheiros – aqueles que querem fazer coisas, mais do que administrar a burocracia – no centro do negócio. Um exemplo: durante um encontro com funcionários, alguém lhe perguntou por que não dava para imprimir um documento a partir do celular. “Eu polidamente respondi: faça acontecer. Você tem autoridade total para isso.”

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