Tecnologia

A torre de Babel de Cosentino

Fundador da Microsiga, Laércio Cosentino conseguiu criar um império brasileiro de software com a Totvs. Agora, enfrenta o desafio de integrar e administrar várias culturas

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h16.

Assim como a história mostra que os pequenos países acabam sucumbindo diante de grandes conquistadores, mercados muito pulverizados são uma grande oportunidade para empreendedores em busca de crescimento. Com a compra da mineira RM Sistemas, nesta quarta-feira (12/4), o empresário Laércio Cosentino, presidente da Totvs, conseguiu unificar o primeiro império brasileiro de software. De acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, o negócio eleva de 17% para 24% a participação da Totvs no mercado de softwares integrados de gestão (ERP), o que lhe garante a liderança do setor, à frente da alemã SAP, que detém 23%. O desafio, agora, é administrar a torre de Babel de culturas empresariais que convivem sob o guarda-chuva da Totvs, holding que controla Microsiga, Logocenter, Totvs BMI e, agora, a RM.

Outras companhias desse mercado demandam que os clientes das empresas que compram a migrar para seus produtos, a fim de unificar plataformas, racionalizar o atendimento e economizar dinheiro por meio das sinergias. Esse foi o caminho da Oracle, por exemplo, quando adquiriu a Peoplesoft. Mas a estratégia da Totvs é preservar a identidade e os processos de cada empresa adquirida. Segundo Cosentino, a medida é um sinal de respeito aos clientes das companhias adquiridas. "Não acreditamos que uma desenvolvedora de software possa obrigar os clientes a migrar de programa só porque ela decidiu", afirma. Quem compartilha a opinião de Cosentino é o presidente da SAP Brasil, José Ruy Antunes. O executivo acredita que a experiência da Oracle com a Peoplesoft abriu uma brecha para a própria SAP. "Isso porque, como os clientes se vêem diante de ter que mudar sua solução, eles passam a considerar a SAP como alternativa", diz.

Mas outras empresas acreditam que o modelo de negócios da Totvs tenda a ficar cada vez mais burocrático, à medida que o grupo crescer, seja por meio de novas aquisições, seja pela expansão natural de seus mercados. "A Totvs tem uma estratégia de crescimento muito focada em aquisições. Isso cria um problema de administração de culturas corporativas", afirma Celso Pereira Tomé Rosa, diretor-geral da SSA no Brasil, desenvolvedora que possui 8% do mercado de ERP, segundo a FGV.

A expansão de qualquer empresa anda lado a lado com o risco de perder a agilidade diante de seu próprio tamanho. Para Edgard Teruya, diretor-geral da consultoria Capgemini, o maior risco da Totvs agora é ceder à burocracia. "A RM sempre foi uma empresa muito ágil e flexível no mercado. É possível que suas decisões sejam agora mais lentas e burocráticas", afirma.

Para Rosa, da SSA, a expansão acelerada da Totvs também gera o risco de que a empresa perca o foco de seus produtos. "Há uma estratégia de aquisições, mas é preciso também uma estratégia de produtos", diz.

O mercado acionário, porém, recebeu bem a aquisição da companhia. As ações da Totvs, cotadas no Novo Mercado desde o início de março, fecharam com alta de 10,8% nesta quinta-feira. Segundo Cosentino, as críticas não procedem. Para o empresário, é viável manter a personalidade de cada companhia controlada e, ainda assim, crescer organicamente. O primeiro passo é manter a independência administrativa das empresas. No caso da RM Sistemas, Rodrigo Mascarenhas, um de seus fundadores, permanecerá na presidência da empresa, enquanto seus antigos sócios continuarão, de algum modo, ligados à companhia - seja como conselheiros, seja integrando a equipe técnica. "Cada companhia tem suas metas, suas tarefas", diz Cosentino.

Os resultados recentes da Totvs são outro argumento para mostrar o acerto de seus lances. Segundo José Rogério Luiz, vice-presidente da Totvs, o crescimento orgânico de cada negócio mostra que a independência é bem-vinda. "Desde 2003, somente a Microsiga cresceu 28%. Se somarmos a Logocenter, a expansão foi de 40%", diz.

Para Cosentino, isso é decorrência da diversificação de mercados, o que só é possível mantendo a cultura de cada controlada. "Vários concorrentes só produzem ERP. Para nós, os softwares segmentados são uma prioridade", afirma. A RM Sistemas, por exemplo, tem uma atuação muito forte nos segmentos de folha de pagamentos, gestão de recursos humanos, construção civil e educação, áreas em que a Totvs ainda não atuava.

Com o olhar privilegiado de quem acompanha a briga de fora, Fernando de Souza Meirelles, diretor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, acha que a decisão da Totvs de procurar nichos é uma tendência em todo o setor. As grandes companhias, diz ele, estão descobrindo as próprias falhas e pesquisando pequenas empresas que possam preencher os vazios. "Na posição em que ela está e com essa estratégia, imagino que a Totvs está fazendo pesquisas de mercado para procurar áreas em que as menores são boas. Dificilmente não estão de olho em outras empresas", afirma.

Concorrentes

A estratégia agressiva que a Totvs assumiu para ganhar músculos não impressionou, no entanto, a maioria dos concorrentes. A análise do setor mostra que, apesar de contar com o maior número de usuários entre as empresas, a brasileira na verdade não incomodará as estrangeiras SAP e Oracle, porque não pretende - ainda - entrar no segmento cativo das multinacionais, o de grandes corporações. Para Silvio Genesini, presidente da Oracle no Brasil, uma possível decisão da Totvs de brigar pelos maiores usuários geraria uma disputa como a de Davi e Golias - nesta versão, com vitória do gigante.

"Os tamanhos são muito diferentes. A Oracle fatura 13, 14 bilhões de dólares por ano, e SAP, 10 bilhões de dólares. A Totvs tem faturamento de 100 milhões de dólares", diz. Os valores são decisivos na hora de investir, explica Genesini, e por isso quem fatura na casa dos bilhões tem mais poder de convencimento. A SAP também não se diz preocupada. "O conhecimento que temos no desenvolvimento de softwares de gestão, aliado às melhores práticas de negócio de mais de 30 000 clientes em todo o mundo são únicos e diferenciam a SAP dos outros fornecedores", afirma o presidente Antunes.

A união com a RM vai fortalecer a Totvs principalmente no atendimento a clientes pequenos e médios, já que ambas tinham esse segmento como foco. Mas a Datasul, focada nas médias e escolha de 15% das empresas que usam software de gestão, acha que a união das duas empresas pode lhe ser mais benéfica do que prejudicial. "De certa forma, é um concorrente a menos. A tendência é eles se concentrarem nas pequenas, é muito difícil administrar três canais", diz o presidente da companhia, Jorge Steffens. O executivo ressalta que a Logocenter, depois de comprada pela Totvs, passou a bater menos de frente com a Datasul.

Para Meirelles, professor da FGV, as verdadeiras vítimas da estratégia de aquisições que Totvs e outras do setor estão tomando serão as pequenas e médias. "Acho que não vai haver lugar para muito mais do que 3 ou 4 grandes mundiais e 2 ou 3 locais no Brasil", diz.

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