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A guerra online da comida

A disputa das startups iFood e Hellofood pelo mercado brasileiro de delivery de refeições

guerra-comida (iStock)
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Da Redação

Publicado em 12 de janeiro de 2015 às 15h12.

São 14 horasde um dia chuvoso em São Paulo. A recepção do Villa Lobos Office Park, prédio comercial na zona oeste da cidade, está cheirando a carne e batata frita. Alinhadas ao lado das catracas, pessoas pegam pacotes das mãos de motoboys encapuzados. “Todo dia é esse movimento”, comenta o segurança da portaria. Localizado próximo à marginal do rio Pinheiros, o edifício não oferece muitas opções de almoço na região. A solução para os funcionários das mais de 50 empresas ali instaladas é pedir um delivery. A boa notícia é que, nos últimos anos, a oferta de entregas na região aumentou consideravelmente. Nesse conjunto comercial funcionam as operações das duas maiores startups de delivery online do Brasil, a iFood e a HelloFood. E, começando pela vizinhança, ambas traçaram planos agressivos para dominar o mercado brasileiro.

“A gente chegou antes ao prédio, mas não temos nenhum problema com eles”, diz Marcelo Ferreira, CEO da HelloFood no Brasil. “Não existe um problema entre nós. Só não temos muito contato”, afirma Felipe Fioravante, CEO e cofundador da iFood. Apesar da cordialidade, as duas empresas sabem que disputam a mesma fatia do gordo mercado brasileiro de alimentação fora de casa, que fatura por ano mais de 230 bilhões de reais. Segundo estimativa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), desse total, 8 bilhões de reais são referentes aos deliveries. Não à toa, nos últimos três anos, dezenas de empresas decidiram apostar nesse mercado.

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A ideia parece simples. Bastaria cadastrar cardápios numa plataforma digital e garantir que os estabelecimentos recebessem os pedidos para lucrar com uma porcentagem das vendas. Mas a complexidade da operação e a necessidade de grandes investimentos fizeram com que muitas empresas fechassem as portas ou fossem compradas. Em razão do apoio de grandes grupos internacionais, parceiros e fundos, iFood e HelloFood são hoje as principais remanescentes desse boom de startups.

Fundada em 2011 pelos sócios Patrick Sigrist, Eduardo Baer, Guilherme Bonifácio e Felipe Fioravante, a iFood surgiu como um projeto paralelo dentro da primeira empresa de Sigrist, a DiskCook, que em 1997 começou a oferecer toda a estrutura de delivery a restaurantes que não tinham o serviço. Hoje, a iFood tem como sócia majoritária a Movile, empresa brasileira que é líder em plataformas de comércio e conteúdo mobile na América Latina. Além de adquirir as startups Papa Rango, Alakarte e Central Delivery, a iFood anunciou, em setembro deste ano, uma fusão no Brasil com a RestauranteWeb, startup controlada pelo JustEat, líder mundial em deliveries online. Juntas, Movile e JustEat já investiram mais de 80 milhões de reais na empresa. A iFood tornou-se líder do mercado no Brasil, somando mais de 5 000 restaurantes cadastrados e meio milhão de pedidos realizados por mês. “A gente faz 20 vezes mais pedidos do que a HelloFood”, diz Fioravante.

A HelloFood é um case de sucesso mundial do grupo Rocket Internet. Conhecida por criar startups de forma serial e investir fortemente em mercados emergentes, a Rocket tem operações da marca HelloFood em 45 países, na Europa, África, América Latina e Ásia, onde atua com o nome de FoodPanda. No Brasil, a empresa opera desde 2012 e adquiriu as startups Já Na Mesa, MegaMenu, Peixe Urbano Delivery e Entrega Delivery. Ao todo, recebeu mais de 200 milhões em investimentos. “O mercado brasileiro é uma de nossas prioridades. A quantidade de investimento em marketing e atendimento ao cliente que estamos fazendo é inédita para nós”, diz o alemão Ralf Wenzel, CEO do grupo HelloFood. “Além de uma população grande, vemos um aumento do acesso ao crédito, à internet e aos smartphones. Tudo isso ajuda a criar uma situação em que as pessoas começam a aproveitar as conveniências da vida, e isso inclui pedir comida.”

Apesar de ter metade dos estabelecimentos da concorrente iFood em sua plataforma brasileira, a empresa afirma crescer 60% ao mês, especialmente graças a uma campanha massiva de marketing offline, que inclui anúncios na TV aberta e no metrô de São Paulo. O objetivo é bombardear possíveis usuários com o slogan “Deu fome? Dá um Hello”. A empresa não divulga valores de investimento nem número de usuários. Até pouco tempo atrás, todo o investimento em mídia era feito online, para melhorar o posicionamento no Google e aparecer em anúncios do Facebook. “Vamos pegar a maior fatia do mercado nos próximos meses. Nossa estratégia não é baseada no desempenho de concorrentes, mas nas condições do país. E agora é hora de apostar grande no Brasil”, diz Wenzel.

A iFood não pretende perder o primeiro lugar facilmente. Há três meses, a empresa também iniciou campanhas locais em rádios e emissoras de TV com quatro peças focadas em seu aplicativo com o slogan “Baixou, pediu, comeu”. “Nosso app está crescendo 100 000 downloads por semana”, diz Fioravante.

“Todos os nossos números devem crescer pelo menos dois dígitos a cada ano, seja na aquisição de usuários, seja na quantidade de pedidos”, diz o francês Jerôme Gavin, diretor de mercados emergentes da JustEat. “Não esperamos um crescimento modesto.”

Mas as estratégias da iFood e da HelloFood vão além do marketing. A expansão das marcas está diretamente ligada à sua capacidade de analisar dados. Acredite: elas estão interessadíssimas em saber o que você vai querer comer na próxima refeição.

Um hambúguer? Um filé com fritas? Talvez algo saudável, como um sanduíche natural? Ou quem sabe uma pizza? Qualquer que seja a preferência do cliente, ele precisa encontrar um estabelecimento cadastrado que entregue pedidos em sua área. Para as empresas de delivery online, essa é a principal barreira na hora de expandir para novas cidades.

“A área de entrega dos estabelecimentos é de poucos quilômetros”, diz Ferreira, da HelloFood. “Se na região em que o usuário está houver apenas um restaurante, nosso serviço não servirá para nada. É um tipo de mercado que a gente tem de ganhar bairro a bairro.” Por isso os dados são essenciais para as equipes responsáveis por entrar em contato com os restaurantes. Além de analisar os tipos de prato mais pedidos, a empresa acompanha quais estabelecimentos são mais acessados, mesmo que essa interação não resulte em uma compra. “Os dados mostram se estamos com defasagem de certos tipos de restaurante em alguma área, ou se temos muitos acessos em alguma cidade específica na qual ainda não atuamos. Todas essas informações afetam a primeira etapa do processo”, afirma Ferreira.

A HelloFood funciona como uma linha de produção. Na primeira etapa, a equipe de inteligência faz um levantamento dos restaurantes em cada cidade ou região e passa as informações para o time de vendas, responsável pelas parcerias. Uma equipe de digitação cadastra o estabelecimento na plataforma e, por fim, o time de marketing começa a investir naquele restaurante, com ações dentro da plataforma que ajudem a aumentar seu número de pedidos. A porcentagem que a startup cobra dos estabelecimentos gira em torno de 15%, mas varia conforme os serviços de marketing que o restaurante contrata.

Na ponta do processo, para garantir o melhor atendimento ao cliente, um time de operações checa se os restaurantes confirmaram o recebimento de cada pedido e, em caso negativo, liga para saber qual é o problema. A HelloFood tem cerca de 100 pessoas trabalhando no escritório de São Paulo, além de 20 representantes pelo Brasil. Já toda a parte de tecnologia é centralizada na sede da Rocket, na Alemanha. A plataforma é a mesma para todos os 45 países do grupo, embora algumas customizações sejam feitas por região. “O Brasil trabalha com CEP, algo que não existe em alguns países”, diz Ferreira. “Outra característica específica é a possibilidade de pedir pizzas meio a meio. Acho que isso não existe em nenhum outro país.”

Já a iFood tem apenas parte de sua equipe no Villa Lobos Office Park. A matriz administrativa da empresa é em São Paulo, mas o time de tecnologia fica em Campinas, e a área de operações, em Jundiaí, cidades no interior do estado. Em Jundiaí trabalham 50 pessoas responsáveis por confirmação de pedidos, manutenção de restaurantes, atualização de cardápios e serviços de atendimento ao cliente. Pioneira no lançamento de um app para delivery no Brasil, a startup se beneficiou da parceria com a Movile para crescer no mobile. Hoje, 60% dos pedidos da iFood são feitos por meio do aplicativo, ante 7% em 2013.

“O e-commerce está indo para sua segunda fase. Na primeira, as pessoas compravam bens como geladeiras e livros. Na segunda, vamos comprar serviços, especialmente na internet móvel”, diz Fabrício Bloisi, CEO da Movile. A empresa, que recentemente recebeu novo aporte de 125 milhões de reais, está investindo nesse setor conhecido como O2O, ou online-to-offline. “No mundo, as áreas que mais se destacam são de táxis e deliveries de comida.”

Seja em pedidos no app, seja em seu site, o modelo de negócios da iFood é cobrar uma taxa mensal de 79 reais do estabelecimento, além de comissão sobre cada pedido, que varia de 10% a 12%. A taxa só é cobrada se o valor das transações efetuadas na plataforma for superior a 79 reais. A startup também tem acordos de exclusividade com grandes marcas, como Pizza Hut, Camelo e Lanchonete da Cidade, redes fortes em São Paulo, principal mercado da empresa. “Todas as marcas mais tradicionais de delivery estão com a gente”, diz Fioravante.

Embora exclusividade não seja o forte da HelloFood, a empresa também conseguiu acordos com algumas redes, como a Domino’s. E, como vantagem competitiva, oferece a instalação gratuita de um link no site do estabelecimento para que o cliente já faça pedidos na HelloFood. Há cerca de dois meses, a startup também passou a oferecer um serviço para criar sites para os restaurantes que não têm páginas. “O valor é bem baixo. A ideia é criar mais formas de dar visibilidade ao restaurante”, diz Ferreira. “Nosso maior competidor hoje é o telefone. Muitos restaurantes ainda não fazem parte de nenhum sistema online. E, mesmo os que fazem, ainda atendem uma parcela significativa do delivery pelo telefone.” Nesse ponto, Felipe Fioravante, da iFood, concorda. “Mais de 90% dos pedidos ainda são feitos por ligações.”

O telefone não é a única barreira. INFO entrou em contato com estabelecimentos nas cinco regiões do Brasil e ouviu alguns problemas em relação ao sistema de delivery online. “Não funcionou para mim”, disse o proprietário de uma loja de bebidas em Minas Gerais. “Não tenho estrutura de motoboy. Ou você contrata uma empresa, ou se arrisca com alguém que faz bicos, mas pode não aparecer no dia da entrega. Para as grandes redes é mais fácil”. Uma reclamação constante é que as empresas online realizam cadastros nas plataformas sem antes consultar os estabelecimentos.

“Acho que todas fazem isso, e existem algumas razões”, diz Rodrigo Baer, sócio do fundo de investimentos -RedPoint e.Ventures e irmão de Eduardo Baer, um dos fundadores da iFood. “Primeiro, com os cardápios no site, a empresa é melhor ranqueada no Google e adquire tráfego de graça. Segundo, é possível descobrir quais restaurantes são mais interessantes para o público. Com isso, a empresa pode abordar o restaurante e já mostrar: ‘Olha, mais de 200 pessoas buscaram seu restaurante em nossa plataforma’”, diz. Rodrigo Baer era sócio do fundo WareHouse, o primeiro investidor da iFood, que vendeu sua participação para a Movile. Nos Estados Unidos, o RedPoint fez investimentos na JustEat, embora o RedPoint e.Ventures no Brasil seja independente da matriz americana.

É por esse tipo de prática que o número de restaurantes cadastrados não é a melhor métrica do mercado, e sim a quantidade de pedidos. Mas a supremacia da iFood nesse parâmetro não significa que o mercado brasileiro já esteja estagnado. “Nosso mercado cresce muito. Todo mundo que está nele cresce, pois o potencial é grande e estamos apenas no começo”, diz Fioravante.

A startup PedidosJá é um exemplo. Fundada no Uruguai em 2009, a empresa começou a atuar no Brasil em 2010, onde afirma ter 6 000 restaurantes cadastrados e crescimento de 30% ao mês. “Queremos ser os primeiros do país”, diz Rodolfo Conde, gerente da PedidosJá no Brasil. A startup centraliza a parte de tecnologia e atendimento ao cliente em sua sede, no Uruguai, e conta com um time local de 18 pessoas. “O Brasil representa 50% do lucro na América Latina”, diz Conde, que afirma receber propostas constantes de aquisição. “Não existe esse interesse.”

As aquisições, no entanto, são uma realidade nesse mercado. Em junho, a própria PedidosJá foi comprada pela gigante Delivery Hero, que, por sua vez, anunciou, em novembro, uma série de negócios com a HelloFood. A marca da Rocket assumiu quatro empresas da Delivery Hero, uma na Índia e três no México, incluindo a versão local da PedidosJá. A Delivery Hero ficou com as operações da HelloFood na Argentina, no Chile, na Colômbia, no Equador e no Peru.

Esse troca-troca de comando pode parecer confuso, mas é explicado pela forte tendência de consolidação do setor. “Existem quatro grandes players globais: Delivery Hero, JustEat, Grub-Hub e Rocket, da HelloFood/Food-Panda”, diz Baer. E, embora o Brasil ainda tenha potencial para crescer, é natural que as empresas daqui sigam o mesmo caminho de países onde esse tipo de serviço já está mais maduro.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a líder de mercado GrubHub comprou a concorrente Seamless no ano passado e criou uma companhia que levantou 193 milhões de dólares em sua oferta pública inicial de ações, o IPO. Hoje operando na bolsa de valores, ela é líder isolada no mercado, com receita de 60 milhões de dólares no último trimestre. Já o grupo Just-Eat, líder no Reino Unido, levantou 2,44 bilhões de dólares em seu IPO.

“Acredito que ainda devam ter alguns movimentos de consolidação no Brasil”, diz Haroldo Korte, do fundo Atomico, que investiu na PedidosJá antes da aquisição pela Delivery Hero. Mas, segundo Korte, a chave do sucesso não está no valor investido, mas em entender as nuances do mercado. “Nem sempre a empresa que tem mais dinheiro vence a competição. A estratégia é quase tão importante quanto o capital — se não for mais.”

Vale lembrar que a competição estimula os serviços a se aperfeiçoar. A vantagem é do consumidor, que assiste de prato cheio a uma disputa na qual, ironicamente, todos os envolvidos torcem para que tudo acabe em pizza.

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