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Aumenta desistência no pagamento de imóvel na planta

Valor de contratos cancelados entre as construtoras de capital aberto chegou a mais do que dobrar nos últimos três anos


	Operários em construção: Imóvel na planta gera conflitos entre compradores e empresas
 (Paulo Fridman/Bloomberg)

Operários em construção: Imóvel na planta gera conflitos entre compradores e empresas (Paulo Fridman/Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 29 de agosto de 2014 às 17h46.

São Paulo - Além de atrasos nas obras, mutuários têm enfrentado dificuldades para fazer o financiamento do imóvel adquirido na planta entre 2008 e 2011 ser aceito pelo banco.

Ao comprar um imóvel na planta, inicialmente as parcelas são pagas diretamente à construtora. O financiamento com o banco começa apenas quando a unidade é entregue.

Com a desaceleração da economia e o aumento da inflação, os bancos ficaram mais seletivos para oferecer o crédito imobiliário no momento em que as unidades lançadas nos anos de boom do mercado imobiliário são entregues.

As instituições financeiras temem que o nível de endividamento das famílias e o risco de perda do emprego não permitam que os compradores consigam pagar as parcelas do financiamento. 

Como consequência, as construtoras têm registrado um aumento no volume de contratos cancelados, os chamados distratos. Em algumas delas, o valor total dos distratos chega a ser maior que o dobro do valor observado há três anos. 

É o caso da Gafisa. Desde o primeiro trimestre de 2012 até o segundo trimestre deste ano, o valor de contratos cancelados na construtora passou de 51 milhões de reais para 119,9 milhões de reais, um aumento de 135%.
 
Os números, compilados pela corretora Concórdia, foram retirados dos balanços financeiros de sete empresas com ações negociadas na bolsa de valores que divulgam esse tipo de informação: Brookfield, Direcional, Gafisa, Tenda, MRV, PDG e Rossi. A Cyrela e a Eztec não divulgam estes números. 

Entre o segundo trimestre de 2012 e o segundo trimestre deste ano, o valor total de distratos da Direcional aumentou 94,67%, e passou de 45,1 milhões de reais para 87 milhões de reais. 

Na MRV, o valor do distrato aumentou 77,21% entre o primeiro trimestre do ano passado e o segundo semestre deste ano, passando de 232,6 milhões de reais para 412,2 milhões de reais.

Na Brookfield, o valor dos contratos cancelados passou de R$ 167 milhões no quarto trimestre de 2011 para R$ 256,4 milhões no segundo trimestre deste ano, um aumento de 53,53%.

A Rossi registrou aumento de 53,15% dos contratos cancelados entre o primeiro trimestre de 2012 e o segundo trimestre deste ano. O valor passou de R$ 171 milhões para R$ 261,9 milhões no período. 

O valor dos contratos cancelados na PDG passou de R$ 233 milhões para R$ 275 milhões entre o quarto trimestre de 2012 e o segundo trimestre deste ano, aumento de 18%. . 

Entre as sete empresas pesquisadas, apenas a Tenda registrou comportamento inverso nos últimos três anos: o valor dos seus contratos cancelados passou de um nível alto, de R$ 467 milhões de reais no quarto trimestre de 2011, para 117,6 milhões de reais no segundo trimestre deste ano, uma queda de 74,81%. 

O aumento do valor dos contratos cancelados podem refletir o aumento dos preços de vendas e a própria alta das vendas. Porém, o volume de vendas vem diminuindo no último ano, o que faz com que a alta seja desproporcional e indique a existência de conflitos. 

Ainda que seja calculado o porcentual de contratos cancelados sobre o valor das vendas, o índice de quebra de contratos na MRV, por exemplo, que vinha se mantendo na taxa de 20% das vendas a cada trimestre, subiu para 27% no segundo trimestre deste ano, segundo Daniela Martins, analista da Concórdia.

Recentemente, a construtora passou a ser mais rigorosa ao vender seus imóveis, condicionando a aquisição à aprovação do crédito pelo banco, como forma de controlar o número de contratos que são cancelados na hora da entrega da unidade. 

Crise ou euforia?

Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), acredita que não existe um culpado pelos conflitos entre mutuários e construtoras. Para o executivo, a piora na economia pegou todos de surpresa. 

“O comprador pensou que após 36 meses poderia continuar pagando o imóvel. Os bancos não esperavam que a alta da inflação e o endividamento poderiam corroer a renda da população, e as empresas venderam porque o mutuário, naquele momento, tinha condições para financiar o imóvel”, explica Oliveira.

Porém, não é esta a visão da analista da corretora Concórdia, Daniela Martins.

Depois de captar recursos na Bolsa e receber incentivos do governo, as construtoras se expandiram rapidamente pelo país com o apoio de parceiros locais, mas o fizeram sem o devido preparo para construir e vender empreendimentos.

“Na euforia, muitas delas queriam simplesmente vender, mas não saber como e para quem”, explica Daniela.

Segundo a analista, o número de contratos cancelados deve se manter pressionado até o ano que vem, quando terá sido entregue a maior parte do volume de lançamentos dos anos de expansão do setor. 

Oliveira, da Anefac, não vê sinais de mudança na postura dos bancos no curto prazo. "Ao menos até que o novo governante anuncie medidas concretas para lidar com a conjuntura econômica, os bancos não devem diminuir o rigor na concessão do crédito imobiliário". 

Mutuário fica com o maior prejuízo

Na hora de cancelar o contrato, o maior ônus é de quem adquiriu o imóvel na planta, seja porque ele já pagou 20% do valor do imóvel durante a construção e pode receber propostas indecorosas da construtora para devolver a maior parte dos valores pagos, ou porque dificilmente conseguirá comprar um imóvel semelhante pelo mesmo valor.

Isso ocorre porque as construtoras estão conseguindo revender as unidades no mercado por um preço 15% maior do que o registrado no ano passado, aproveitando a valorização dos preços.

Do lado do comprador, o advogado especialista em direito imobiliário Marcelo Tapai afirma que, por meio de um processo judicial, é possível pedir a devolução de 90% do valor já pago durante a construção da unidade nos casos em que o consumidor ficou inadimplente ou não tem renda suficiente para financiar o imóvel.

Mas quando se trata de atrasos na obra, o advogado diz que é possível pedir não só a devolução de todo o valor pago com atualização monetária, como uma indenização por danos morais. 

Já no caso de vendas pouco transparentes, Tapai diz que é difícil comprovar a má-fé do corretor porque as condições para financiamento geralmente estão explicadas no contrato de compra e venda do imóvel.

Ao comprador, ressalta, resta se prevenir antes de fechar a compra. “O ideal é que ele faça simulações de qual foi a variação do Índice Nacional de Construção Civil (INCC) nos últimos três anos para verificar sua capacidade de pagamento das parcelas durante a construção e também ao financiar o imóvel. Mas, principalmente, ele deve ler o contrato”, diz o advogado. 

Tapai lembra que os corretores podem não levar em consideração o nível de endividamento do comprador ao vender a unidade. “Como as condições de financiamento não mudaram, o imóvel sempre vai caber no bolso. Mas os bancos podem não aceitar esse risco”.

O advogado ressalta que o imóvel na planta é sempre uma promessa de compra e venda sem garantias, mas o comprador tem o direito de desistir da aquisição. 

*Atualizado às 10h28 do dia 28/08/2014

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