O fundo da corretora Emotional Assets investe em coleções e objetos raros, como joias (Dan Kitwood/ Getty Images)
Da Redação
Publicado em 5 de outubro de 2012 às 09h20.
São Paulo - Em vez de ações da Vale, da Apple ou do Google, coleções de porcelana chinesa, obras de arte, garrafas de vinhos, atletas e cassinos. Investir no que se consome, em hobbies, paixões e vícios: estes são os conceitos que regem os fundos de investimento alternativos (e exóticos) que têm atraído investidores e curiosos em todo o mundo nos últimos anos.
Fundos de vinho, arte, atletas, produções cinematográficas e os passional assets (fundos passionais) podem causar estranheza, mas possuem suas lógicas particulares e em alguns momentos representam uma boa alternativa aos investimentos convencionais. “A crise de 2008 virou de cabeça para baixo o mundo econômico e mostrou que o investimento alternativo é excelente neste tipo de cenário, porque mexe com outros sentidos e não só com o ganho financeiro”, explica Heitor Reis, gestor do fundo Brazil Golden Art (BGA).
Os riscos, no entanto, podem ser tão ou mais imprevisíveis do que os de fundos convencionais. No lugar do risco de uma crise, entram fatores como o risco de uma armazenagem incorreta dos vinhos, a falta de interesse em uma coleção ou a lesão de um jogador de futebol. É por isso que estes fundos requerem mais cautela e são mais voltados a investidores superqualificados (no Brasil, aqueles que têm ao menos 1 milhão de reais para investir), que buscam nas excentricidades ou em suas maiores afeições maneiras de diversificar seus portfólios.
Um quadro estimado em 500.000 reais pode passar a valer 1 milhão em um lance de um comprador aficionado, mas pode cair drasticamente de preço logo depois.
Além disso, a liquidez desse tipo de investimento também costuma ser muito baixa. Um fundo de arte e ou de vinhos tem prazo mínimo de cinco anos, que é o período que os gestores estipulam para que os ativos se valorizem. No caso de um atleta, deve-se esperar uma negociação para que os ganhos sejam realizados. Por isso, estar ciente das características, dos riscos e do histórico de um produto como esse é ainda mais importante.
Veja a seguir como funcionam seis tipos de fundo inusitados que têm chamado atenção de investidores:
1. Fundos de obras de arte
Em novembro de 2010 foi lançado o primeiro fundo de investimento em arte do Brasil. O sucesso foi tanto que, em 15 dias, 70 investidores compraram as cotas mínimas de 100.000 reais e foi alcançada a meta de captação de 40 milhões de reais. O fundo Brazil Golden Art (BGA), da gestora Plural Capital, tem mais de 540 obras na carteira, de 300 artistas brasileiros contemporâneos.
Conforme explica o gestor do fundo, Heitor Reis, a carteira contempla tanto “blue chips”, quanto “small caps”. “Temos entre 70% de small caps, que são os artistas emergentes, e 30% de blue chips, que são os artistas consagrados, como José Resende e Tunga”, explica Heitor Reis, ex- diretor do Museu de Arte da Bahia e gestor da carteira.
A liquidez do fundo é também bastante peculiar. O prazo mínimo para o resgate do investimento é de 5 anos. Quando os gestores devem realizar os ganhos vendendo as obras.
Aqui no Brasil este é o único fundo de investimento em arte e atualmente está fechado para captação. Mas, o gestor espera que em breve seja aberta uma nova oferta. “Nós estamos avaliando se seria outro fundo de arte brasileira ou latino-americana”, revela Reis.
Quem tem dinheiro e paixão por arte também pode investir nesse tipo de ativo participando de leilões. O lado bom de um investimento como esse é que você pode comprar uma obra, admirar seu valor artístico durante certo tempo e depois leiloá-la novamente com lucro.
2. Fundos de vinhos
No lugar da carteira composta por ações da Vale, Petrobras, uma carta de vinhos com algumas das garrafas mais renomadas do mercado, como Château Lafite Rothschild e Château Haut-Brion. Essa é a ideia dos cerca de 16 fundos de vinhos espalhados pelo mundo.
Os fundos investem em vinhos de determinadas safras e esperam que eles “performem” em alguns anos até que a garrafa envelhecida esteja no ponto - ou de ser vendida e trazer rendimentos ou de ser degustada pelo investidor.
A brasileira Cultinvest, gestora do Bordeaux Wine Fund Multimercado, é a pioneira neste tipo de fundo na América Latina. Segundo o gestor da carteira, Filipe Albert, por conta das restrições da legislação brasileira sobre este tipo de fundo, a aplicação inicial mínima foi estabelecida em 1 milhão de reais. Por isso, o fundo lançado há um ano e meio, por enquanto só captou investimentos estrangeiros, que desfrutam de uma cota mínima de 100.000 reais. “Para o brasileiro é uma barreira muito grande. São poucas pessoas que têm 1 milhão de reais para investir em um ativo mais exótico”, comenta.
A carteira tem cerca de 100 vinhos que estão listados no índice britânico Liv-ex Fine Wine Investables, que tem 203 vinhos no portfólio, todos da região de Bordeaux, na França. O índice teve um rendimento de 21,51% nos últimos cinco anos.
A liquidez do investimento é de três meses. Se o resgate for pedido hoje, em três meses ele será recebido. E no fundo da Cultinvest, há um período de carência de cinco anos, se o resgate for feito antes disso são cobradas algumas taxas.
Os maiores riscos dos ativos são incidentes em armazenagens ou transporte das garrafas. “Nossos processos de escolha procuram mitigar esses riscos. A vantagem do investimento é que ele tem pouca correlação com a bolsa e pode ter momentos bons mesmo em um mercado financeiro instável. E na pior das hipóteses, o investidor vai beber seu prejuízo”, brinca Albert.
3. Investimentos em atletas
Um dos primeiros modelos de investimento em atletas foi realizado em Portugal, em 2004. Clubes como FC Porto, Boavista e Sporting Lisbon abriram fundos para investimentos nos direitos dos seus jogadores. O retorno anual obtido por um deles, o FC Porto, na época, foi de 20%. Os lucros são obtidos por meio da valorização entre as negociações dos jogadores.
Em 2009, o Benfica lançou o fundo "Benfica Star Fund", que chegou a acumular um capital de 40 milhões de euros. Os ativos eram uma porcentagem dos direitos de 12 jogadores.
No Brasil, o fundo que mais se assemelha a um investimento em atletas é o Soccer BR1, registrado como Fundo de Investimentos em Participações (FIP) na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Como outros FIP, o Soccer BR1 investe em uma empresa, e é esta empresa que detém os direitos econômicos dos jogadores. Este fundo foi destinado a um único investidor institucional, o banco BMG, e está fechado para captações.
Atualmente, está em fase final de negociação na CVM a abertura de um fundo da empresa Atletas Brasileiros, do empresário Alexandre Souza de Azambuja. “O investidor vai comprar cotas do fundo e o patrimônio será o portfólio de direitos dos atletas”, explica Azambuja. A empresa irá comprar parcelas dos direitos de jogadores de diferentes clubes e montar a carteira com jogadores que ele define como medianos, cujos direitos não sejam tão caros, mas que tenham potencial de crescimento.
Azambuja afirma que o objetivo da empresa é tornar o investimento nos atletas mais acessível, voltado para investidores qualificados (com mais de 300.000 reais em aplicações financeiras). “Eu quero fugir do investidor superqualificado, porque hoje em dia para investir em jogadores, você tem que fazer parte de um clube de investidores de uma empresa como a Traffic [empresa especializada em mídia esportiva do empresário J. Hawilla], e as cotas exigidas cota superam 1 milhão de reais”, diz.
4. Cinema
Por meio dos Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional (Funcines), é possível investir na produção de filmes nacionais com aportes mínimos que variam de 5.000 a 50.000 reais.
Os Funcines têm quatro modelos básicos de investimento: em construção e reforma de salas de cinema; no desenvolvimento de projetos, comercialização e exibição das obras; na compra de ações de empresas de audiovisual; e em projetos de infraestrutura.
Os Funcines são constituídos na forma de condomínio fechado e regulamentados pela CVM. As instituições autorizadas a gerir os fundos são a Lacan, Rio Bravo e o banco Fator.
Duas taxas são cobradas pelo investimento: a taxa de administração, que pode chegar a 3% ao ano, e a taxa de performance, cobrada quando a rentabilidade do fundo ultrapassa a meta inicial estabelecida.
Entre as produções que usaram recursos dos Funcines estão: “O ano em que meus pais saíram de férias”, de Cao Hamburguer, “Desenrola”, de Rosane Svartman, “Tempos de paz”, de Daniel Filho, e “Salve geral”, de Sergio Rezende.
Estes fundos têm um período pré-determinado em que os interessados podem se associar. Após esta fase, começa o período de investimento e, por fim, vem o período de desinvestimento, quando o fundo recebe as receitas dos ativos investidos, os distribui entre os cotistas e é encerrado. Além disso, contam com um incentivo tributário, que permitem ao investidor abater os aportes ao fundo do IR, em um valor de até 6% do imposto devido. Leia mais sobre os Funcines.
5. Fundos passionais
Investir em ativos que transformam paixões em dinheiro é exatamente a intenção deste tipo de fundo. A gestora americana Emotional Asset tem em seu portfólio diversas coleções e objetos raros que vão desde antiguidades e joias até relógios, livros, violinos e cerâmicas chinesas.
Em sua página na internet, a corretora cita que a volatilidade deste tipo de fundo foi menor do que a de fundos imobiliários e de ações nos últimos 30 anos. Eles acreditam que um dos grandes diferenciais do fundo é o fato de ele ser diversificado e representar um investimento alternativo em momentos que os tradicionais ativos financeiros sofrem desvalorização em virtude de crises econômicas.
Os gestores são profissionais especializados em cada tipo de ativo que faz parte do fundo e profundos conhecedores dos preços de mercado e da comercialização de cada objeto. O investidor pode escolher entre três modelos diferentes de portfólio, com diferentes proporções entre cada tipo de ativo.
Segundo a gestora, apesar de historicamente ter existido uma demanda que excede a oferta deste tipo de produto, trazendo rendimentos substanciais, não há garantias de que isso ocorra no futuro, uma vez que existe o risco de a demanda ser afetada por questões regionais e tendências. Por isso, a recomendação é investir em coleções que atraiam principalmente compradores e não apenas investidores.
6. Fundos de Vícios
Como o nome sugere, este tipo de fundo investe em ações de empresas de bebidas, cigarros, armas e cassinos, produtos que alimentam diversos gêneros de vícios. O mais famoso fundo de vício do mundo, o norte-americano Vicex, costuma superar outros índices em momentos de crise. Isto porque, enquanto a demanda de outros tipos empresas sofre com a desaceleração do consumo, as empresas do Vicex costumam manter seu rendimento e por vezes até lucrar em momentos de estresse, nos quais alguns consumidores costumam se entregar mais às “tentações”.
Em 2011, por exemplo, um ano que foi ruim para as bolsas, o Vicex subiu 2,25%, enquanto o S&P 500, principal índice de referência da bolsa americana, caiu 4,77%.
Até o dia 5 de junho, o patrimônio do fundo totalizava 91,62 milhões de dólares, investidos em 70 empresas. Entre elas, figuram algumas das que os investidores conscientes adoram odiar, como Philip Morris, Lorillard, British American Tobacco e Altria. Também fazem parte do fundo companhias das áreas de defesa e armamentos, como as gigantes Lockheed Martin e Raytheon, e companhias de cerveja como Carlsberg A/S e Molson Coors.
No Brasil não existem fundos como estes, mas, em contrapartida, assim como muitos outros países, temos aqui os fundos de sustentabilidade. Eles investem exatamente no conceito oposto aos fundos de vício e acreditam que empresas responsáveis, tanto social, ambiental, como economicamente, podem ter resultados mais consistentes no longo prazo e, por isso, representariam investimentos mais seguros.