Jogadores de realidade virtual em Tóquio: os arcades são os novos karaokês e fliperamas no Japão (Tomohiro Ohsumi/Getty Images)
Rafael Kato
Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 05h00.
Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 08h57.
Um grupo de quatro rebeldes disfarçados se infiltra numa base imperial com o objetivo de roubar informações sobre uma nova arma. Poderia ser a sinopse de algum episódio da franquia cinematográfica Star Wars, mas trata-se de uma experiência de realidade virtual (VR, na sigla em inglês, como é chamado no mercado) que começou a ser oferecida nos parques da Disney na Califórnia e na Flórida na segunda quinzena de dezembro. Enquanto as imagens projetadas nos óculos mostram uma espaçonave, robôs e inimigos, os visitantes podem caminhar livremente segurando armas de plástico. Qualquer movimento no mundo físico — incluindo puxar o gatilho — corresponde a uma ação no mundo virtual projetado. É o truque perfeito para enganar o cérebro e viver uma nova experiência. Para os nerds, é puro entretenimento. Para as empresas de VR, é uma forma de conseguir receita enquanto o mercado voltado para o consumo de games dentro das casas não deslancha.
A mistura de experiências reais com sensações virtuais também tem sido importante para parques de diversões, que encontraram na novidade tecnológica uma maneira de renovar seu público. A rede americana de parques Six Flags, numa parceria com o conglomerado sul-coreano Samsung, oferece a possibilidade de utilizar óculos de realidade virtual numa das montanhas-russas de sua unidade em Los Angeles. À medida que o carrinho sobe e desce, o visitante vê e joga como se fosse um piloto de naves espaciais. Dependendo dos movimentos do corpo, três finais do game são possíveis. “A tecnologia de realidade mista é verdadeiramente revolucionária e diferente de tudo que nossos clientes já experimentaram”, afirmou em comunicado Brett Petit, vice-presidente do Six Flags. Até mesmo o tradicional SeaWorld, com shows de animais, está apostando na nova tecnologia. Na unidade de San Diego, pode-se trocar a apresentação das orcas por uma experiência virtual que inclui um exame veterinário numa baleia. Na China e no Japão, cresce também o mercado conhecido como VR arcades, lugares dedicados aos simuladores e aos jogos de realidade virtual. Eles estão surgindo em espaços antes dedicados aos karaokês, numa febre similar aos fliperamas nos anos 80, antes da disseminação dos consoles — mas com a diferença de que agora cobram por hora de utilização. Segundo a empresa chinesa de eletrônicos HTC, fabricante dos óculos Vive, há mais de 3 000 desses estabelecimentos na China.
“A venda de equipamentos e de conteúdo de VR para parques é a forma encontrada pelas empresas do setor para se financiarem”, afirma Jonathan Nowak Delgado, presidente da startup alemã Holodeck VR. Com sede em Munique, a empresa desenvolveu uma maneira de transmitir o conteúdo para os óculos por sinais de rádio. Isso possibilita que os usuários andem livremente por grandes espaços, como galpões, sem ficar dependentes dos limites dos fios, e ainda interajam uns com os outros. Entre os jogos já desenvolvidos estão um similar ao clássico Pong e outro em que os usuários entram na pele de zumbis enquanto caminham por labirintos. A tecnologia chamou a atenção da fabricante de brinquedos Legoland, que fechou um contrato de licença de uso para um de seus parques na Europa. “As experiências ficam mais ricas quando contam com objetos e cenários que as pessoas podem tocar”, diz Delgado.
Os parques também são uma saída para aumentar o contato do público geral com as tecnologias de VR, pois, para o uso doméstico, os equipamentos ainda são consi-derados caros. No Brasil, o kit completo do PlayStation, fabricado pela Sony, custa, em média, 4 500 reais. O Vive, por depender de um PC potente, pode custar até 11 000 reais. No exterior, o crescimento desse mercado nos próximos anos está associado necessariamente à queda dos preços. Em 2016, foram vendidos 9,2 milhões de equipamentos de VR. Para 2021, a projeção da consultoria IDC é de 95 milhões de unidades. No terceiro trimestre de 2017, as vendas de equipamentos bateram, pela primeira vez, a marca de 1 milhão de unidades após a redução do valor cobrado pelos óculos, segundo a consultoria Canalys. A Oculus, que pertence ao Face-book, passou a cobrar 399 dólares por seu aparelho, ante 599 no trimestre anterior. A HTC também diminuiu em 200 dólares seu produto: agora o Vive custa 599 dólares. Em outubro, o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou que a Oculus lançará neste ano um modelo com preço de 199 dólares. O Oculus Go deverá dispensar computadores potentes e trará sensores de movimento embutidos. “Se queremos ter 1 bilhão de pessoas utilizando VR, então temos de encontrar o ponto do meio entre qualidade e preço acessível”, disse Zuckerberg.
Embora a realidade virtual possa ser usada em diversos setores — como em simulações de apartamentos decorados na construção civil —, o setor de games representará a fatia mais significativa em 2025, segundo o Fórum Econômico Mundial, com 27 bilhões de dólares em receitas. Mesmo que os consumidores escolham jogar em casa, isso acarreta, necessariamente, abrir mão dos grandes espaços livres dos parques e dos simuladores disponíveis em arcades. “Quando o VR começou, acreditava-se que seria algo muito individualista e que as pes-soas se isolariam do mundo. Mas acabou acontecendo que as experiências mais transformadoras dessa tecnologia são as compartilhadas com outras pessoas”, afirma Ricardo Justus, um dos sócios do estúdio paulista de realidade virtual Arvore, que realiza projetos customizados para empresas e está desenvolvendo o jogo de realidade virtual intitulado Pixel Ripped 1989, com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2018.
Justus e seus outros sócios captaram 1,3 milhão de dólares para abrir uma rede de VR arcades no Brasil. O primeiro espaço será inaugurado num shopping na capital paulista no segundo trimestre, por um custo de 500 000 dólares. A outra unidade será no Rio de Janeiro num casarão próximo ao Porto Maravilha. A ideia é oferecer, além do jogo da própria Arvore, experiências que já estão disponíveis no exterior — um simulador de voo de pássaros está na mira da empresa. O ingresso custará, aproximadamente, 85 reais por hora. “O arcade deverá crescer mais rápido, em termos de retorno sobre o investimento, do que nosso estúdio”, afirma Edouard de Montmort, sócio financeiro da empresa paulista.
Parques de diversões e simuladores oferecem outra vantagem: ao adicionar movimentos, o risco de o usuário ter enjoo pelo uso dos óculos de VR diminui — uma sensação comumente relatada no início da tecnologia, em 2013, e que acabou por afastar parte do público. “A náusea acontece em interações malfeitas, como as que deixam o jogador parado mas exibem na tela cenas agitadas”, diz Zeca França, um dos sócios do estúdio Abacate, também especializado em VR e que prepara uma atração para o Parque da Mônica, em São Paulo. “Se a pessoa estiver numa cadeira que balança no mesmo ritmo das imagens, será sempre melhor”, afirma. Boa notícia para quem pretende encarnar o papel de um piloto espacial — e ainda sentir a emoção de uma montanha-russa.