Revista Exame

Verdes, pero no mucho

Os ambientalistas - quem diria - estão se mobilizando contra projetos de energia limpa

Deserto de Mojave, na Califórnia: discórdia entre os defensores do meio ambiente (David McNew/Getty Images)

Deserto de Mojave, na Califórnia: discórdia entre os defensores do meio ambiente (David McNew/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 4 de março de 2011 às 18h06.

Cerca de 4 000 quilômetros quadrados, área quase três vezes maior que a da cidade de São Paulo. É nesse mundo de terra, no deserto de Mojave, no estado americano da Califórnia, que vários investidores tinham planos de instalar uma série de usinas solares. O desejo do setor privado de avançar sobre esse lugar inóspito é compreensível. Uma lei estadual de 2006 estabelece que, até 2020, um quinto da eletricidade consumida na Califórnia deverá vir de fontes renováveis.

O deserto de Mojave não poderia ser mais propício para dar conta dessa ambição: trata-se de uma das regiões dos Estados Unidos onde o sol é mais inclemente. O plano seria perfeito se não fosse por uma questão: nem todos os "verdes" são a favor da ideia. Muito pelo contrário. Para o americano David Myers, principal ativista da Wildlands Conservancy, entidade que atua na região, a paisagem do Mojave é idílica, quase sagrada, e deve permanecer intocada.

Além disso, o local abriga dezenas de espécies de plantas e animais que devem ser preservadas. "Grandes ONGs recebem muito dinheiro de grandes corporações. Não é nosso caso. Assim, podemos pensar mais objetivamente sobre as consequências negativas desses projetos nessa região", disse Myers a EXAME.

Para desespero dos investidores, como o banco Goldman Sachs, e das empresas do setor de energia, como a Pacific Gas and Electric, os ambientalistas contrários à energia limpa estão levando a melhor nessa inusitada queda de braço. Essa facção radical de ambientalistas conta com o apoio da senadora democrata Dianne Feinstein, uma das políticas mais poderosas dos Estados Unidos. Do outro lado está o governador californiano, Arnold Schwarzenegger, que declarou: "Se não pudermos colocar usinas solares no deserto de Mojave, não sei onde diabos iremos colocá-las". A verdade, porém, é que talvez o governador tenha mesmo de começar a procurar outro destino para os empreendimentos. Desde que Dianne começou a alardear seu desejo de manter o deserto intacto, alguns investidores simplesmente decidiram cancelar os projetos das usinas solares no deserto.

As dissensões entre os verdes em curso na Califórnia são um retrato claro de uma crise existencial que, nos últimos anos, aflige os ambientalistas de todo o mundo. O pivô é o aquecimento global. Afinal, até que ele se transformasse na questão central do movimento, a missão primordial dos guardiões da natureza era lutar pela preservação dos ecossistemas.


Agora, cada vez mais, é preciso conciliar a defesa de baleias, pássaros, macacos, rios, vegetações nativas e paisagens paradisíacas com uma urgência bastante específica: energias renováveis. Infelizmente, uma fonte de energia limpa que não incomode ninguém, seja invisível e não faça nenhum barulho ainda não foi descoberta, e isso torna os dilemas ambientais um tanto quanto mais complexos. Em outras palavras: já foi mais fácil entender o que exatamente querem os ambientalistas.

"Nada é de graça. Tudo tem seu preço", disse a EXAME o renomado ecologista americano Bill McKibben. "Às vezes você está trocando uma pequena interferência na paisagem por uma enorme nuvem de dióxido de carbono que causa danos em todo o planeta." McKibben aponta para outra grande disputa entre um projeto de energias renováveis e os defensores das belezas naturais.

Há muito tempo o governo americano, em parceria com a iniciativa privada, quer colocar em operação a Cape Wind, uma usina eólica composta de 130 turbinas instaladas no mar, capaz de abastecer 400 000 casas. O problema é a localização. O projeto fica na baía de Cape Cod, e os moradores da região - quase todos milionários - simplesmente não eram simpáticos à ideia de ver, das janelas de suas casas de veraneio, o mar pontilhado por uma centena de cataventos.

Havia resistência também de tribos indígenas, que alegavam que as turbinas gigantes, de 120 metros, poderiam danificar os cemitérios de antepassados localizados no fundo do mar ou atrapalhar a realização de cerimônias de saudação ao Sol. Por isso, ao longo de quase uma década, o Greenpeace e uma dezena de outras entidades locais favoráveis ao projeto tiveram de brigar com ninguém menos do que o senador Ted Kennedy, que morreu em meados do ano passado, e com Robert Kennedy Jr., o ambientalista do clã. Em abril, o governo Barack Obama finalmente deu o sinal verde para a obra, o primeiro parque eólico oceânico do país.


A escolha entre evitar mudanças catastróficas no clima e preservar belezas naturais - de um pedaço de costa ou até mesmo de um lugar inabitado, como um deserto - tem se apresentado com frequência cada vez maior aos ambientalistas. Entre as ONGs de maior porte, a opção tem sido pelo pragmatismo. "Faz mais sentido negociar para que os empreendedores façam concessões para minimizar os impactos negativos do que tentar barrar os projetos", diz Roberto Maldonado, membro da ONG WWF na Alemanha.

A entidade conseguiu que um empreendimento eólico no mar fosse construído a 30 quilômetros da costa. A energia gerada pelo projeto Alpha Ventus custa mais caro que o inicialmente previsto, mas a vista e as praias do norte alemão foram preservadas. "Todos saíram ganhando", diz Maldonado.

Mas nem todas as organizações de defesa do meio ambiente atuam dessa maneira. No Reino Unido, mais de 230 grupos conservacionistas promovem campanhas contra a instalação de usinas eólicas no interior do país. O Country Guardian vem protestando contra a tecnologia há quase 20 anos, quando foi instalado o primeiro catavento no país. Eles alegam que os equipamentos estragam a paisagem do campo e prejudicam a vida silvestre.

Com esses argumentos, os opositores da energia eólica têm obtido vitórias importantes. Em abril, por exemplo, um projeto de construção de cinco turbinas no condado de Derbyshire, na região central da Inglaterra, foi rejeitado devido à pressão de grupos locais. Os defensores da paisagem têm como aliado até mesmo o herdeiro do trono, o príncipe Charles.

Supostamente um notório defensor das causas ambientais, Charles teria dito a assessores que as turbinas eólicas são "horrendas", segundo o jornal Daily Telegraph. Embora nunca tenha afirmado isso em público, Charles ecoa a opinião de muitos grupos ambientais. Manter a natureza intocada é um desejo nobre e inteiramente compreensível - mas será que é sustentável?

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