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A maldição das BRs na bolsa atinge até gente fora da Bovespa

Nos últimos anos, cinco empresas foram à bolsa com a referência ao Brasil no nome e a promessa de consolidar seus setores. Era a aposta num país que não tinha como dar errado. Os investidores acreditaram. E perderam dinheiro de gente grande

Estreia da BR Insurance: captou 645 milhões de reais e hoje está dando dor de cabeça  (Divulgação)

Estreia da BR Insurance: captou 645 milhões de reais e hoje está dando dor de cabeça (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 30 de maio de 2014 às 13h30.

São Paulo - Quando historiadores do futuro se debruçarem sobre o mercado financeiro brasileiro da última década, alguns fenômenos hão de fasciná-los. Eike Batista, claro, será o primeiro da lista. Mas quem prestar atenção às empresas que abriram o capital na Bovespa certamente desejará estudar a “farra das BRs”.

Na era do Brasilzão potência, empresas dos mais variados setores foram à bolsa com a mesmíssima estratégia. Elas tinham no nome as duas primeiras letras do Brasil seguidas por um complemento em inglês, que faz uma referência a seus setores de atuação — pharma (farmácias), insurance (seguros), properties (imóveis), e por aí vai.

A promessa da maioria era juntar um punhado de empresas que atuavam em mercados pouco concentrados e criar líderes nacionais. Elas não tinham grandes estruturas, algumas nem auditavam seus balanços direito, mas caprichavam no PowerPoint para atrair o interesse de estrangeiros sedentos por investir no país emergente da moda.

As BRs captaram até hoje 7 bilhões de reais. Em alguns casos, a demanda chegou a exceder nove vezes a oferta de ações nas aberturas de capital.

Em determinado momento, parecia questão de tempo até que surgissem a BR Bread (padarias) e a BR Tires (borracharias). Mas o tempo passou, o Brasilzão virou Brasilzinho para os investidores e as BRs viraram um conjunto que, hoje, pode ser apelidado de “BR Problems”.

As más notícias estão por todo lado. A rede de farmácias BR Pharma, criada em 2009 pelo banco BTG Pactual e que reúne nove redes regionais, perdeu 56% do valor desde que foi à bolsa, em 2011. No ano passado, teve um prejuízo recorde de 151 milhões de reais.

A administradora de imóveis BR Properties vendeu, em março, 34 galpões por 3,2 bilhões de reais — parte desse dinheiro será usada para reduzir uma dívida de 4,5 bilhões de reais, ou sete vezes sua geração de caixa. Em 2013, a empresa teve queda no lucro de 93%, para 81 milhões de reais.

A primeira empresa criada nesse modelo, a rede de corretoras de imóveis BR Brokers, fundada em 2006 pelo empresário Ney Prado Júnior, perdeu 23% de seu valor de mercado em 12 meses. No mesmo período, as BRs perderam 7 bilhões de reais de valor de mercado.

O retrato mais acabado dessa crise é a empresa de seguros BR Insurance. Após surgir de uma sociedade entre 27 corretoras de seguros, em 2009, a companhia captou 645 milhões de reais na bolsa em 2011. Havia motivos para desconfiar, mas os investidores foram em frente. 

Os balanços das corretoras tinham formatos diferentes. “Eu tinha uma pequena corretora e passei a ser sócio de um grande grupo. Digo que passei do jegue para o jato”, diz Fábio Franchini, que fundou a corretora Promove, uma das sócias do negócio. De lá para cá, a BR Insurance fez 25 aquisições, ampliando sua receita 18 vezes, para 258 milhões de reais em 2013.

Mas a empresa não conseguiu juntar tantas operações. Após o anúncio do resultado do quarto trimestre de 2013, abaixo do esperado, as ações da empresa caíram 63% em dez dias. A queda foi tão impressionante que fundos como o Gávea sondaram pelo menos três sócios sobre a possibilidade de vender sua participação no negócio.


Em abril, numa visita a investidores em Boston, Londres e Nova York, Franchini teve de responder diversas vezes à mesma pergunta: a BR Insurance vai “virar outra BR que não deu certo?”

Boa parte dessas empresas sofre dos mesmos problemas. É bem verdade que a economia não ajudou e a bolsa não viveu seus melhores momentos nos últimos anos. Mas juntar dezenas de pequenas e médias empresas em pouco tempo se mostrou mais difícil do que o previsto.

Não é todo mundo que, do dia para a noite, aceita deixar de ser dono de seu negócio para se tornar funcionário e ter de dar satisfações. Após a abertura de capital da BR Pharma, os donos das drogarias que deram origem à empresa passaram a brigar por tudo — mais participação no conselho de administração, indicação de executivos, distribuição dos dividendos e a estratégia do controlador, o BTG Pactual.

“Às vezes, parece que estamos dirigindo um carrinho de bate-bate: são várias empresas que ficam se chocando por ter modos de atuação diferentes”, diz um dos sócios. 

Apesar de ter ido à bolsa justamente com a promessa de integrar dezenas de empresas e tirar vantagem das sinergias, as companhias demoraram tempo demais para fundir seus negócios. A BR Brokers, por exemplo, reuniu 16 corretoras e foi à bolsa em 2007. Mas só uniu suas operações em São Paulo em 2011.

Foi quando se deu conta de que tinha gente demais para dar palpite. Pelo contrato original, os sócios precisariam trabalhar por alguns anos na empresa. Caso decidissem sair antes, perderiam seu lote de ações da empresa. A regra mudou para fazer a fila andar.

“Tínhamos três diretores administrativos e três diretores financeiros. Não fazia sentido manter essa estrutura”, afirma Sérgio Freire, presidente da BR Brokers. Por divergências na estratégia, três processos de arbitragem foram abertos para resolver problemas com os sócios em Vitória, Distrito Federal e Manaus.

A maldição das BRs na bolsa puniu até aquelas empresas que têm um modelo de negócios diferente. A administradora de shopping centers BR Malls, por exemplo, não nasceu de um PowerPoint, mas de um grupo dono de alguns shoppings que, pouco a pouco, foi comprando novos empreendimentos — hoje, são 51.

A empresa teve uma valorização de 166% desde sua abertura de capital, em 2007. Nos últimos 12 meses, porém, os papéis caíram 15%. Os investidores estão preocupados com a provável desaceleração do setor neste ano e com o fato de as elevações recentes nos juros aumentarem o custo da dívida da companhia.

Finalmente, a maldição atingiu gente que nem conseguiu chegar até a bolsa. O banqueiro Pedro Guimarães, sócio do banco Brasil Plural, tentou viabilizar a BR Travel, de empresas de turismo, e a BR Odonto, de planos odontológicos. Mas desistiu de ambas por falta de demanda de investidores — que, depois de ter perdido tanto dinheiro, decidiram dizer chega à farra das BRs.

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