Revista Exame

Vai um “milagre” da Skechers aí?

Com um discurso antiacademia, a americana Skechers se transforma na segunda marca de tênis mais vendida dos Estados Unidos

Loja da Skechers em shopping do Rio de Janeiro: expansão (Divulgação)

Loja da Skechers em shopping do Rio de Janeiro: expansão (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 21 de maio de 2011 às 08h00.

"Não seria ótimo se pudéssemos fabricar um par de tênis que fizesse seu traseiro diminuir e seus músculos parecerem um pouco maiores pelo simples fato de você calçá-lo e dar uma volta com ele? Ninguém pode fazer isso. Eu estava brincando.” A frase — uma evidente provocação — foi dita na manhã do dia 5 de maio de 2010 por Eric Sprunk, vice-presidente de produto da Nike, durante uma conferência com investidores nos Estados Unidos.

Havia pelo menos seis meses, o mercado de calçados esportivos no país vinha sendo tomado de assalto por uma empresa cujo nome soa tão esquisito quanto os tênis que fabrica: a Skechers.

A marca, até então restrita a um nicho, caiu no gosto dos americanos ao lançar um modelo com solado arredondado, que simula o caminhar na areia da praia. A Skechers fazia, porém, muito mais do que isso: prometia a um público assombrado pela obesidade perder peso sem precisar jamais colocar os pés numa academia.

Lançados em agosto de 2009, os chamados Shape Ups permitiram que a Skechers se transformasse na segunda marca de tênis mais vendida dos Estados Unidos em 2010 com 9% de participação de mercado, atrás da líder Nike e à frente da Adidas, dona da marca Reebok.

No total, ao longo do ano passado foram vendidos mais de 50  milhões de pares dos tênis “milagrosos”. “As pessoas até querem se exercitar, mas não têm tempo para isso”, diz Jonah Berger, professor de marketing da Universidade da Pensilvânia. “Ao apostar em modelos baratos e que prometem resultados rápidos, a Skechers se transformou numa das marcas mais quentes dos Estados Unidos.”

Fundada em 1992 na Califórnia, a Skechers sempre fez sucesso entre um público descolado, do tipo que usa cores berrantes, tem entre 19 e 40 anos e quer distância das academias de ginástica, tradicionais redutos dos usuários de tênis sofisticados. O problema é que, como empresa de nicho, não ocupava mais do que a quarta posição entre as maiores fabricantes dos Estados Unidos, representando ameaça zero às líderes.

Com uma única inovação, os tais tênis tonificantes, a Skechers se transformou em sinônimo de uma categoria inteira, com mais de 50% do recém-inventado segmento. Graças a ela, cresceu 30% no ano passado, atingindo um faturamento de 2 bilhões de dólares.
A princípio, Nike e Adidas encararam o lançamento da Skechers com certo ceticismo (ou desprezo, como mostra a frase do executivo da Nike que abre esta reportagem).


As duas empresas sempre trabalharam para convencer seus consumidores a praticar atividades físicas como caminho para a boa forma — de preferência, usando seus produtos. A febre que se criou em torno dos tais tênis tonificantes, porém, fez com que a Adidas, por meio da Reebok, capitulasse.

A empresa lançou sua própria versão do produto no final de 2009. Segundo a SportsOneSource, empresa americana especializada em pesquisa de mercado esportivo, em 2010 a participação de mercado da Nike no segmento feminino caiu de 38% para 31%, ao passo que a fatia da Reebok dobrou para 7% e a da Skechers triplicou para 17%.

O fato de as mulheres serem as maiores entusiastas dos tonificantes não é, portanto, mero acaso. Hoje, dos dez modelos mais vendidos nos Estados Unidos seis são do tipo tonificante — quatro da Skechers e dois da Reebok.

Para tentar recuperar sua participação, a Nike lançou, em agosto do ano passado, uma linha de tênis femininos que proporcionaria melhores resultados nos exercícios, de modo que os praticantes “entrem em forma mais depressa”, um belo eufemismo para dizer que o tênis até ajuda a emagrecer, mas que, sozinho, não faz milagres.

Para alardear sua inovação, a Skechers tem usado uma estratégia pouco comum num mercado dominado por estrelas do esporte. A empresa contratou pseudocelebridades para endossar suas campanhas, como a socialite americana Kim Kardashian e ex-participantes dos reality shows The Bachelor e American Idol.

O sucesso, porém, trouxe consigo alguma polêmica. Os tais tênis tonificantes vêm sendo alvo de críticas por parte de especialistas da área de saúde. O American Council on Exercise, ONG que estuda produtos e técnicas de exercício supostamente destinados à melhoria da saúde e da qualidade de vida, divulgou um estudo em 2010 afirmando que não havia melhora significativa na perda calórica para os usuários desse tipo de calçado.

Coincidência ou não, no primeiro trimestre deste ano as vendas foram 3,5% inferiores ao mesmo período de 2010. Agora, a Skechers se prepara para atacar novos mercados. Além de lançar calçados mais “normais” para o dia a dia, a empresa vem tentando promover seus tênis para o público cativo das academias.

Do mesmo jeito que a concorrência se viu forçada a entrar no nicho da Skechers, a empresa agora vai precisar brigar para ten­tar ocupar espaços que historicamente estão nas mãos de Nike e Adidas. É. Em marketing, os discursos podem mudar ainda mais rápido que a moda.

Acompanhe tudo sobre:CalçadosEdição 0992EmpresasEmpresas americanasNikeSetor de esportes

Mais de Revista Exame

A tecnologia ajuda ou prejudica a diversidade?

Os "sem dress code": você se lembra a última vez que usou uma gravata no trabalho?

Golpes já incluem até máscaras em alta resolução para driblar reconhecimento facial

Você maratona, eles lucram: veja o que está por trás dos algoritmos