Revista Exame

Rebelo e Kátia, um casal improvável

Ele gosta do comunismo e do saci-pererê. Ela é a rainha dos latifundiários. Mas viraram unha e carne na briga pela aprovação de um projeto que pode transformar a agricultura do país

O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e a senadora Kátia Abreu (PSD-TO): unidos pela reforma do Código Florestal Brasileiro (Wenderson Araújo/EXAME.com)

O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e a senadora Kátia Abreu (PSD-TO): unidos pela reforma do Código Florestal Brasileiro (Wenderson Araújo/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 15 de junho de 2011 às 20h30.

Fã de Karl Marx e do Saci- Pererê, no final dos anos 70, em plena ditadura, o ala­goa­no Aldo Rebelo mudou-se para São Paulo, onde ajudou a reorganizar a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), então na clandestinidade.

Hoje, em seu sexto mandato na Câmara dos Deputados, Rebelo continua fiel aos ideais do nacionalismo e do socialismo — que agora espera alcançar pela via democrática.

Enquanto ele iniciava sua car­reira política, a adolescente goiana Kátia Abreu — fã da princesa Sissi da Ba­viera, imortalizada no cinema pela atriz Romy Schneider — sonhava em se casar e ser feliz para sempre. Mas em 1987, aos 25 anos e grávida, Kátia perdeu o marido, dono de uma fa­zenda de gado no atual estado do Tocantins.

Desde então, além de aprender a ser pecuarista e a criar os três filhos do casal, ela se tornou a maior liderança feminina do setor agrícola — e, no meio político, uma das mulheres com maior exposição. Hoje, além de comandar a poderosa Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Kátia cumpre seu primeiro mandato no Senado, onde lidera a bancada do agronegócio.

Quis o destino que o austero deputado comunista e a exuberante senadora ruralista formassem uma tão improvável quanto influente aliança política. Ambos se uniram em 2009, no início das articulações para a reforma do Código Florestal Brasileiro, cujo projeto tem Rebelo como relator na Câmara.

Sem ter nenhuma ligação amorosa, a dupla se tornou aquilo que a imprensa americana costuma chamar de odd couple, um casal esquisito. Se tal parceria parece insólita, ela tem se revelado decisiva na tramitação da matéria, cuja aprovação tem uma boa chance de favorecer os produtores rurais, representando uma derrota para a militância verde e para setores do governo.

“Eu gosto demais do Aldo, a quem considero um amigo”, diz Kátia. “Ele tem feito um trabalho incansável para corrigir as distorções do atual Código Florestal, que deixa 99% dos produtores na ilegalidade.” Ainda que menos efusivo, por vezes até incomodado com a aliança com uma ruralista, Rebelo também dedica palavras amáveis à colega.

“Tenho estima e apreço pela senadora Kátia”, diz. “Temos ideologias opostas, mas construímos um diálogo em favor da agricultura nacional.” Como era de esperar, a dobradinha Aldo-Kátia tem despertado a ira de representantes dos verdes.


No final de 2010, enquanto participava no México de uma reunião das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, Kátia recebeu da ONG Greenpeace o troféu “motosserra de ouro”. No começo de maio, um manifesto da mesma ONG dizia que “se a coalizão ruralistas-comunista vencer, o Código vira um instrumento que premia o desmatamento”.

Incumbido pela presidente Dilma Rousseff de facilitar as negociações sobre o texto, o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, tem articulado para evitar que o governo seja surpreendido pela aprovação de regras que julga indevidas, como a permissão para que fazendas médias, de até 400 hectares, deixem de recuperar áreas desmatadas ilegalmente.

A votação do Código na Câmara não tinha começado até o dia 9, data de fechamento desta edição de EXAME. Se aprovado na Câmara, ele ainda será votado no Senado.

Apesar da incerteza sobre sua trajetória no Congresso, após quase dois anos de negociações, o novo Código pode representar um avanço em relação à lei atual, um arcabouço feito na época da ditadura e que gera, a um só tempo, impunidade para desmatadores e insegurança jurídica para produtores honestos.

“O relatório do deputado Aldo Rebelo não é perfeito, mas contém três elementos positivos que, ao contrário do atual Código Florestal, tornam viável sua implementação no país”, diz a bióloga Ana Cristina Barros, representante da ONG The Nature Conservancy no Brasil. Segundo ela, o primeiro ponto positivo do novo Código é a criação de um cadastro ambiental rural em todo o país.

Bem-sucedido em estados como Mato Grosso, além de oficializar a titularidade da terra, tal ferramenta permite a recuperação de áreas degradadas e o monitoramento das florestas por satélite.

O segundo ponto é a criação das chamadas cotas de reserva legal, títulos a ser negociados no mercado para áreas que poderiam ser desmatadas legalmente, mas mantidas intactas por seus donos. Finalmente, o terceiro ponto tem a ver com os incentivos econômicos para os produtores que regularizarem suas terras, como o acesso ao crédito rural subsidiado pelo governo.

“É impressionante como os xiitas verdes se recusam a enxergar que o projeto do Código é muito parecido com a nova realidade em Mato Grosso, onde vários municípios que estavam na lista negra do Ibama estão se tornando campeões de produtividade e conservação ambiental”, diz o senador Blairo Maggi (PR-MT), ex-governador do estado.

Lobby verde

Ainda que demonstre agressividade verbal, o lobby ambientalista, representado por PV, PSOL e parte do PT, está em desvantagem. Isso acontece porque, na última campanha eleitoral, graças à articulação da própria Kátia e de lideranças como o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, do PMDB, a bancada ruralista encorpou bastante, tanto na Câmara quanto no Senado.


“Hoje, a bancada do agronegócio tem 160 deputados e 18 senadores, com 55 parlamentares a mais do que na última legislatura”, diz Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Análise Parlamentar (Diap). “Como são políticos eficientes que trabalham de forma coordenada, eles estão levando vantagem na tramitação do Código.”

Aliás, a própria eleição de Aldo Rebelo contou com o apoio dos produtores rurais, tanto por meio do pedido de votos como pela ajuda financeira. A prestação de contas da campanha do deputado revela doações de entidades como a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), que representa cerca de 1 milhão de pequenos produtores.

“O Aldo conta com o nosso apoio, pois se revelou uma figura sensacional na construção do novo Código”, diz Márcio Freitas, presidente da OCB. “Um de seus méritos foi unificar nosso discurso com o dos grandes proprietários, representados pela senadora Kátia Abreu.”

A maior prova dessa costura aconteceu em Brasília no dia 5 de abril, quando a CNA e a OCB, entre outras entidades, promoveram uma marcha pela nova lei. No palanque, ao lado de Kátia, o comunista Aldo se sentia à vontade para revidar ataques.

“A Holanda manda o Greenpeace ao Brasil, paga uma fortuna a seus executivos e diz que quer 80% de reserva legal na Amazônia, mas exige 0% de reserva legal no país deles”, disse, sob fortes aplausos. “Queremos uma lei que permita que o produtor rural brasileiro possa trabalhar em paz.”

Terminado o comício, a disputa agora se concentra no Congresso, terreno que tanto a ruralista Kátia quanto o comunista Aldo conhecem bem — e onde estarão cada vez mais unidos para aprovar o novo Código Florestal.

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