Allen, da Bain: as empresas têm de manter vivo o espírito empreendedor | Divulgação / (Bain and Company/Divulgação)
Raphael Martins
Publicado em 19 de julho de 2018 às 05h48.
Última atualização em 19 de julho de 2018 às 05h48.
Brilho nos olhos e paixão pelo negócio. Essas são as premissas daquilo que o americano James Allen, chefe global de estratégia e sócio da Bain & Company, uma das consultorias mais importantes do mundo, chama de “a mentalidade do fundador”. Em uma visita recente ao Brasil, Allen palestrou para executivos brasileiros sobre a importância de manter viva a energia típica dos fundadores, e deu a seguinte entrevista a EXAME.
Quando a mentalidade do fundador é perdida nas empresas?
Existem três situações que levam a isso: quando a gestão da empresa se torna pouco profissional, quando o faturamento está estagnado e quando a burocracia inibe o surgimento de boas ideias. Quanto maior for a empresa, mais difícil será modificar os processos. Infelizmente, o gatilho de uma mudança é quando o presidente executivo é demitido e substituído.
Há, no Brasil, empresas que são uma referência positiva?
Duas se destacam: Magazine Luiza e Localiza. A primeira teve a habilidade de focar o trato com o cliente num período de hipercrescimento. Luiza Trajano foi a voz das ruas no conselho de administração enquanto preparou seu sucessor. A Localiza manteve um perfil ágil, com atenção ao consumidor. Lá, as ligações dos clientes têm de ser atendidas antes de o telefone tocar três vezes. É uma preocupação que só os fundadores costumam ter.
Por que tantos herdeiros levam as empresas à falência?
Manter a família no comando é muito característico de países como Brasil, Argentina e Índia. Tem a ver com o ambiente macroeconômico mais instável. O problema é que a segunda geração só consegue ter valor se trouxer consigo a gana da insurgência. Se o filho (ou neto) do fundador quiser ser apenas um executivo, não será o melhor presidente que se pode recrutar.
Como manter esse espírito sem o fundador na diretoria?
Veja as donas de grandes marcas, como Unilever e P&G. Elas se beneficiam do crescimento em escala, mas aproveitam-se também de um dever individual que cada uma de suas marcas tem. Isso ajuda a manter viva a busca por novidade, o que pode revigorar a empresa. É o caso da Ben & Jerry’s, marca de sorvetes da Unilever que tem consumidores engajados em pautas sociais.
E como manter a essência em marcas avessas a risco?
Marcas tradicionais carregam anos de autenticidade e liderança de mercado. Mas é preciso não se render à burocracia e não perder o consumidor de vista. A Lego se redefiniu em um mundo digital usando um marketing focado em dizer que seus produtos são o símbolo de um momento de troca entre pais e filhos.
Qual é a maior dificuldade ao mudar processos antigos?
É fazer a diretoria entender que os melhores presidentes são aqueles cujo trabalho é ser a voz na linha de frente da empresa, procurando o que o consumidor quer. Em seguida, é retomar o controle de sua agenda, para que pelo menos 40% de seu tempo esteja voltado para o contato com os clientes.
Como fazer algo assim em um momento de crise, quando as operações ficam cada vez mais enxutas?
Tudo o que for feito para manter aceso esse espírito é o mais benéfico dos investimentos. E, para um presidente executivo, ter tempo para dar atenção ao seu mercado é um privilégio valioso. Numa crise, como a que ocorre no Brasil, o consumidor também está em crise. É preciso eliminar custos para garantir investimentos em serviços indispensáveis para o comprador. Se a empresa virar as costas ao seu cliente-chave, ele tende a migrar para o concorrente que privilegiou sua necessidade.