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Seleção esperta

O uso da inteligência artificial vem tornando os processos de recrutamento mais velozes e eficientes, mas há desafios no caminho

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Vanessa Lobato, do banco Santander: 30 trainees selecionados entre 43.000 candidatos (Germano Lüders/Exame)

Vanessa Lobato, do banco Santander: 30 trainees selecionados entre 43.000 candidatos (Germano Lüders/Exame)

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Gabriella Sandoval

Publicado em 13 de fevereiro de 2020 às, 05h30.

Última atualização em 13 de fevereiro de 2020 às, 10h18.

No ano passado, o Banco Santander precisava preencher 30 vagas em seu programa de trainee no Brasil. Não seria uma tarefa complicada, se não fosse preciso analisar um número absurdo de currículos de candidatos de todo o país — foram mais de 43.000 inscritos, um número próximo do quadro de pessoal do banco, que tem 48.000 funcionários. Imagine quanto tempo a área de recursos humanos gastaria para entrevistar cada um dos interessados. Com ferramentas de inteligência artificial, porém, o Santander conseguiu rapidamente identificar os candidatos com os perfis desejados e precisou convocar apenas 60 pessoas para a fase final de entrevistas. “Sem a ajuda da inteligência artificial, não seria possível atrair candidatos de qualidade em tamanha escala”, diz Vanessa Lobato, vice-presidente de RH do Santander.

O uso da tecnologia faz todo o sentido num país como o Brasil, onde preencher uma vaga demora quase 40 dias — na Índia, esse processo não leva mais do que 16 dias. De acordo com um levantamento da Gupy — startup brasileira que usa a inteligência artificial para analisar e ranquear os candidatos com o perfil mais adequado para as vagas anunciadas —, um analista leva em média 21  horas e 40 minutos para examinar 1.000 currículos. Para executar o mesmo trabalho, um software gasta 3 minutos. É fácil entender por que a inteligência artificial vem se tornando uma aliada do RH na captação, na seleção e no recrutamento de candidatos, sobretudo quando o processo é concorrido e recebe um alto volume de inscritos, ou quando há dificuldade para encontrar o especialista com o perfil desejado.

Lucas Mendes, da startup Revelo: tecnologia para unir candidatos e empresas | Leandro Fonseca

Além de proporcionar ganho de tempo no processo de seleção, a inteligência artificial ajuda os profissionais de RH a se sentirem mais seguros de que estão contratando o candidato certo para a vaga disponível. Maior empregador no varejo brasileiro, o GPA usa a tecnologia para identificar o perfil mais indicado para cada uma das mais de 1.000 lojas do Extra e do Pão de Açúcar. Só nos últimos três meses, o grupo realizou mais de 5.000 contratações com a ajuda da inteligência artificial. “Na fase de inscrição, aplicamos um teste chamado de fit cultural, que ajuda a contratar as pessoas que mais se ajustam à cultura do GPA”, diz Maria Schneider, diretora de RH e atratividade do grupo. Apesar de o uso da plataforma ser recente, a expectativa dela é reduzir não apenas o tempo total do processo de seleção como também a taxa de rotatividade de pessoal. Essa é a mesma intenção do Santander, que tinha dificuldades para encontrar determinados profissionais para suas agências do Nordeste e do Centro-Oeste.

O banco decidiu então cruzar dados para identificar funcionários nascidos nessas regiões que pudessem ter interesse em voltar à cidade de origem. Não é incomum também que os empregados recebam avisos com oportunidades de promoção identificadas pela inteligência artificial. Foi o caso da economista Gabrielli Barbato Pereira, que mudou de área há um ano e meio, depois de o algoritmo mostrar que ela tinha o perfil adequado para uma vaga em outra área. “Talvez eu não tivesse percebido a oportunidade sem essa provocação”, diz Gabrielli. Com essas medidas, o banco afirma que aumentou em seis vezes o índice de precisão na hora de identificar o risco de perda de funcionários. Isso porque a inteligência artificial, além de alertar sobre a probabilidade de demissões, tem condições de medir o desempenho e até mesmo a propensão de um empregado à depressão. “Temos algoritmos que identificam e agrupam perfis de funcionários, criando análises preditivas para fazermos uma gestão proativa dos talentos da companhia”, diz Niva Ribeiro, vice-presidente de pessoas da operadora Vivo.

Nesse novo ambiente, ganha destaque o papel das HR Techs, como são chamadas as startups voltadas para a área de recursos humanos. De acordo com um estudo da Liga Ventures, há pelo menos 274 startups no Brasil oferecendo soluções para as áreas de RH. São elas que vêm munindo os profissionais de dados, permitindo que eles deixem para os robôs as tarefas operacionais e assumam um papel mais estratégico. A Gupy, por exemplo, foi criada em 2015 por Mariana Dias e Bruna Guimarães, ex-funcionárias da fabricante de bebidas Ambev que perceberam a falta de ferramentas para automatizar processos em escala. No ano passado, a Gupy triplicou seu faturamento e aumentou o número de funcionários de 50 para 140. Para sugerir os melhores perfis, a ferramenta leva em conta cerca de 200 características dos candidatos, como formação acadêmica, conquistas e interesses, cada qual com seu peso.

Ao todo, são ranqueados mais de 6.000 currículos por minuto. “Mais de 88% dos candidatos contratados estão posicionados entre os 25% primeiros do ranking e mais de 33% dos contratados estão no top 3. Isso significa, na prática, que em mais de um terço das contratações a empresa só precisaria analisar os três primeiros candidatos para encontrar aquele ideal para a vaga”, diz Robson Ventura, diretor de tecnologia e um dos fundadores da Gupy. Outra startup que atua nessa área é a Revelo, cujo objetivo é impactar candidatos e fazer com que eles sejam vistos pelas empresas. “Nossos clientes acabam tendo acesso a talentos que não encontrariam ou que não se candidatariam espontaneamente”, afirma o empreendedor Lucas Mendes, que fundou a Revelo em 2014 ao lado do sócio Lachlan de Crespigny.

Uma pesquisa feita no ano passado pela consultoria americana Boyden com 310 diretores de RH pelo mundo mostra que 75% deles se dizem preparados para implantar soluções de tecnologia e inteligência artificial em suas empresas. No Brasil, esse índice é ainda maior, de 88%. O estudo mostrou que os principais ganhos esperados com o uso da inteligência artificial na área de RH são aperfeiçoar o gerenciamento de desempenho, aumentar as contratações baseadas em habilidades, reduzir o tempo gasto na contratação e melhorar os processos de integração. Ainda assim, as novas tecnologias encontram resistência entre profissionais de RH. “Posso dizer, pela minha experiência com executivos, que eles não confiam em entregar suas decisões aos algoritmos, pois não acreditam em escolhas feitas por nenhum tipo de fórmula”, diz Peter Cappelli, professor na Wharton School, escola de administração vinculada à Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Embora não faltem exemplos de algoritmos com um histórico de acerto em suas previsões, muitos gestores ainda preferem confiar no julgamento humano. “Parte disso vem da autoconfiança em relação aos próprios julgamentos, mas também do medo do desconhecido e da falta de controle”, afirma Cappelli.

Ainda que os temores pareçam exagerados, é certo que os algoritmos não livram os processos seletivos do viés inconsciente — as ideias preconcebidas que levam uma pessoa, por exemplo, a avaliar melhor quem tenha gostos parecidos com os seus. Essa é uma das principais discussões em torno do tema, principalmente depois da notícia de que a varejista Amazon teria descartado uma ferramenta de recrutamento baseada em inteligência artificial ao perceber seu viés sexista, que privilegiaria candidatos homens. Para evitar o risco, as startups vêm montando comitês de ética e usando ferramentas como a da americana Textio, que emprega a ciência de dados para revelar o viés de gênero oculto nos descritivos de vagas e sugerir alternativas para contorná-los.

Para Eduardo Migliano, cofundador da 99 Jobs, plataforma de recrutamento online, é difícil fugir do viés, uma vez que as máquinas se baseiam em dados que as empresas já têm — e em práticas que já seguem. “Por trás da inteligência artificial há pessoas, como gestores brancos e graduados em universidades renomadas. E são eles que treinam as máquinas”, diz Migliano. Ele lembra o caso da saboneteira automática, cujo sensor só era ativado em mãos brancas porque ela não foi ensinada a reconhecer mãos de negros. “Os algoritmos ainda geram preconceito. Eles estão sendo treinados para replicar nosso comportamento e seguir nossos padrões, e não para trazer um novo mundo.”

Eduardo Migliano, da plataforma 99 Jobs: os algoritmos seguem os padrões humanos | Divulgação

Mesmo com todo o seu potencial, a inteligência artificial apresenta outras limitações, como a incapacidade de avaliar traços comportamentais do candidato. “A interação humana é a única ferramenta capaz de fazer essa avaliação com mais assertividade. O refinamento sem a interação humana perde a eficiência”, afirma Fernando Mantovani, diretor-geral da empresa de recrutamento Robert Half no Brasil. Existe mais um agravante: o hackeamento da inteligência artificial. Sabe-se que há pessoas que tentam manipular a tecnologia colocando no currículo palavras que farão com que sejam escolhidas, ainda que não tenham a competência exigida. “Certa vez, um candidato usou o CPF de toda a família para testar formas de passar em um processo”, diz Migliano. Episódios como esses mostram que as máquinas ainda têm muito a aprender com a gente. E nós, com elas.

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