Demonstração da israelense Mobileye: o futuro da indústria automotiva / /AP Photo (John Locher/AP Images)
Da Redação
Publicado em 25 de outubro de 2018 às 05h40.
Última atualização em 25 de outubro de 2018 às 05h40.
Um som agudo e alto apita repentinamente dentro do carro. Depois do susto do motorista, vem o alívio: um pedestre que não tinha sido avistado está a salvo porque o freio do veículo foi acionado a tempo. O alerta sonoro foi dado por um sensor inteligente preso ao para-brisa fabricado pela Mobileye, empresa israelense fundada em 1999 que desenvolve tecnologias para veículos autônomos.
O sensor funciona como um copiloto digital para o motorista. Ele enxerga, por meio de um sistema de visão computacional e de interpretação de imagens em tempo real, se há um pedestre, um obstáculo ou um carro à sua frente. Quando detecta uma possível colisão, o equipamento dispara o alerta sonoro. Com preço de 1.000 dólares, o aparelho já está instalado em mais de 27 milhões de carros, vans e ônibus pelo mundo, reduzindo os riscos de acidentes.
A tecnologia desenvolvida pela empresa israelense é exemplo de uma série de experimentos que vêm sendo criados ao redor do mundo para tornar os carros mais inteligentes — e, num futuro não muito distante, fazer com que eles andem sozinhos. O mercado de carros autônomos tem o potencial de movimentar centenas de bilhões de dólares na próxima década, mas ainda não existem empresas dominantes — mesmo que companhias como o buscador Google, o aplicativo de transportes Uber e a montadora General Motors invistam em projetos de carros autônomos há anos.
De olho na oportunidade de entrar quanto antes nessa disputa, é cada vez maior o número de startups criando novas tecnologias automotivas. Ao todo, há mais de 1.700 startups do segmento automotivo no mundo, segundo levantamento da consultoria americana Frost & Sullivan, um aumento de 140% em relação a 2016. “A tecnologia dos carros autônomos tem o potencial de transformar indústrias, melhorar a sociedade e ajudar a salvar milhões de vidas”, diz Amnon Shashua, cofundador e presidente da Mobileye.
É também cada vez maior o número de investimentos nesse setor. Um levantamento exclusivo da consultoria americana PitchBook, feito a pedido de EXAME, mostra que os aportes de fundos de capital de risco em empresas de carros autônomos deram uma arrancada nos últimos cinco anos. Passaram de 330 milhões de dólares para 4,7 bilhões de 2013 a 2018 (até o início de outubro). Ao todo, foram investidos 21,8 bilhões de dólares no período.
As empresas que mais receberam investimentos foram a americana Uber e a chinesa Nio. Esta última tem um assistente inteligente chamado Nomi, que fica sobre o painel do carro, atende a comandos de voz, alerta sobre a chuva e pode até tirar fotos. Já a Uber vem de um revés. Em março, um de seus carros autônomos matou uma pedestre no estado do Arizona e a empresa agora tenta convencer o público e as autoridades de que os veículos são seguros para poder retomar os testes.
Fora dos Estados Unidos, Israel é um dos países que mais têm se destacado na corrida dos carros autônomos. A estimativa é que, das 7.000 empresas israelenses de tecnologia, 423 atuem no campo de carros autônomos, transportes e mobilidade. Só as empresas de tecnologia para carros autônomos e transporte levantaram investimentos de 814 milhões de dólares em 2017, de acordo com o instituto sem fins lucrativos Start-Up Nation Central.
A Mobileye é a estrela do setor. No ano passado, ela foi comprada pela fabricante de microprocessadores Intel por 15 bilhões de dólares. “O êxito das empresas no setor automotivo se repete em muitos outros segmentos ligados à tecnologia”, disse Eli Cohen, ministro de Economia e Indústria de Israel, em entrevista a EXAME em Jerusalém. “Isso é resultado, em primeiro lugar, dos investimentos em educação. Em segundo, dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Em terceiro, é porque temos jovens empreendedores que não têm medo de fracassar.”
O programa catalisador de startups no país foi o Yozma (“iniciativa”, na tradução do hebraico), criado em 1993. Além de ter investido 100 milhões de dólares em dez fundos de venture capital, o programa governamental estimula investimentos estrangeiros em startups israelenses. No ano passado, elas receberam em conjunto 5,2 bilhões de dólares.
No restante do mundo, há uma série de outras empresas que vêm se destacando no setor automotivo. Um exemplo é a suíça WayRay. A empresa aposta suas fichas em um sistema de assistência tecnológica para o motorista. Criou uma espécie de projetor que exibe informações úteis no para-brisa, sem obstruir a visão. Em carros comuns, é possível ver dados sobre a rota, alertas de segurança e a localização de pontos como restaurantes e lojas.
Já nos veículos autônomos a tecnologia se transforma em um sistema de entretenimento que usa a projeção holográfica no para-brisa para mostrar notificações de redes sociais, locais relevantes e dados de aplicativos. “Acreditamos que a indústria automotiva esteja sedenta há anos de recursos assim. Essa tecnologia aumenta o conforto e os níveis de confiança enquanto encoraja a transição para os carros autônomos”, diz Philippe Monnier, acionista e membro do conselho de administração da WayRay. A empresa está em contato com 20 montadoras para comercializar sua tecnologia.
Ao estilo de filmes futuristas, os carros voadores também se tornam parte da realidade aos poucos. A startup alemã Lilium já tem um protótipo de carro voador, que decola e pousa na vertical, com motor híbrido (elétrico e a combustão). A empresa aposta que seu carro voador, o Lilium Jet, se tornará uma opção de transporte entre duas cidades. Diferentemente dos filmes de ficção, a ideia não é que as pessoas tenham um carro voador na garagem. O plano da Lilium é vender os veículos para empresas de táxi-aéreo.
A REAÇÃO DE DETROIT
As grandes montadoras tradicionais também se movem diante da concorrência das novatas de tecnologia. A americana GM, dona da marca Chevrolet, uniu forças com a montadora japonesa Honda para desenvolver carros autônomos em larga escala. Os investimentos serão de 2 bilhões de dólares por parte da japonesa e de 750 milhões por parte da Cruise, a unidade de veículos autônomos da GM. O plano é o mesmo da americana Ford, que também tem investido nessa área: colocar nas ruas um carro sem volante e sem pedais o mais depressa possível.
Os primeiros autônomos devem ser vendidos para empresas que prestam serviços de transporte nas cidades, já que será cada vez menos necessário ser proprietário de um veículo. Essa é uma tendência da mobilidade urbana que as montadoras admitem. “Uma coisa é muito clara: no futuro, grande parte do faturamento virá dos serviços. Desde um modelo em que as pessoas pagam uma mensalidade pelo transporte até a venda de serviços dentro do carro autônomo, como cinema, jogos e ferramentas de trabalho”, diz Rogélio Golfarb, vice-presidente de assuntos corporativos da Ford para a América do Sul.
Recentemente, a Ford investiu 1 milhão de dólares numa startup americana chamada Argo AI, fundada por ex-engenheiros do Google e da Uber. A empresa é especializada em desenvolver softwares que interpretam sinais do ambiente e podem ser aplicados em carros autônomos. O investimento faz parte dos esforços da Ford para lançar seu primeiro veículo autônomo em 2021. “A condução autônoma não vai depender de motores, e sim de computadores. As montadoras ainda não têm esse tipo de tecnologia e compram de startups”, diz Steve Blank, professor de empreendedorismo na Universidade Stanford, nos Estados Unidos.
No Brasil, a maioria das startups automotivas é de serviços, voltada para o mercado corporativo. Segundo a Associação Brasileira de Startups, existem 49 empresas no Brasil nessa categoria. Para que o país tenha mais inovação nesse campo, ainda falta reduzir a burocracia com que os empreendedores têm de lidar. “É preciso diminuir a quantidade de etapas de regulamentação em todos os setores, para ajudar fintechs e autotechs”, afirma Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups.
Passar pelo chamado “vale da morte das startups” é outro desafio no Brasil. Apesar de conseguir atrair investidores para iniciar o negócio, as startups brasileiras têm dificuldade para levantar um financiamento quando atingem um estágio superior. O empreendedor Federico Vega, presidente da CargoX, uma espécie de Uber para caminhões que conecta cargas a caminhoneiros, buscou investimento com fundos brasileiros e ouviu um “não” como resposta diversas vezes. “A solução para atrair investidores é conseguir resolver problemas locais que empresas de fora não conseguiram”, diz Vega, que acredita na chegada de caminhões autônomos ao mercado nos próximos anos. A CargoX teve crescimento de 600% no faturamento em 2017 e, por fim, conseguiu captar mais de 100 milhões de reais de investimentos.
Já a startup Cobli faz um trabalho diferente. Ela usa inteligência artificial para analisar e descobrir as melhores rotas para frotas de caminhões, carros ou motos. Com sensores e um chip de internet móvel, a empresa brasileira monitora dados como localização e modo de condução dos motoristas. O objetivo é detectar fatores que aumentam o consumo de combustível e, portanto, o custo da operação. Por isso, a Cobli chega a recomendar rotas mais longas, mas com menor consumo de combustível. “A ideia é resolver problemas de logística conectando frotas à internet para deixá-las mais eficientes”, diz Rodrigo Mourad, sócio e chefe de operações da Cobli.
Com o desenvolvimento de novas tecnologias e modelos de negócios de transporte, a expectativa é um aumento de 30% no faturamento das empresas do ramo automotivo até 2030, o que representaria chegar a um valor total de 1,5 trilhão de dólares. A previsão é da consultoria McKinsey. Tanto para as montadoras quanto para as startups, o momento certo de investir e experimentar as novas tecnologias é, sem dúvida, agora.