Revista Exame

Os próximos passos da CVM para além da nova regra de fundos

João Pedro Nascimento, presidente da CVM, destrincha o que está no radar da autarquia para os próximos meses

João Pedro Nascimento, presidente da CVM: fundos continuam atraentes para o investidor, mesmo com a elevada taxa de juro  (Ismar Ingber/Divulgação)

João Pedro Nascimento, presidente da CVM: fundos continuam atraentes para o investidor, mesmo com a elevada taxa de juro (Ismar Ingber/Divulgação)

Beatriz Quesada
Beatriz Quesada

Repórter de Invest

Publicado em 22 de março de 2023 às 06h00.

Última atualização em 12 de abril de 2023 às 16h30.

Em outubro* de 2023, entra em vigor o novo marco regulatório de fundos de investimento aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no final do ano passado. A medida é tida como uma revolução no mercado de fundos, dando a possibilidade, ao pequeno investidor, de escolher entre uma gama mais variada de investimentos, que antes estava restrita aos grandes investidores do mercado ­— aqueles com mais de 1 milhão de reais para investir. 

Para João Pedro Nascimento, presidente da CVM, a medida pode incentivar a indústria de fundos mesmo em um momento onde investidores estão buscando cada vez mais investimentos diretos em renda fixa de olho nos juros altos.

Em entrevista à EXAME, Nascimento fala ainda sobre o que está no radar da CVM para os próximos meses. Entre os assuntos que estão no radar da autarquia, estão a revisão da categoria de investidor qualificado, a regulamentação dos influenciadores digitais e a portabilidade dos fundos. Veja a entrevista:

No último ano houve uma grande queda na captação líquida dos fundos de investimento, mesmo entre aqueles de retorno positivo. As novas regras para os fundos de investimento podem aumentar a atratividade da indústria, mesmo em um cenário de renda fixa fortalecida pelos juros altos?

Em um momento em que a taxa de juro está elevada é importante que as pessoas olhem para o mercado de capitais como uma excelente alternativa para a captação de recursos. Na verdade, a captação líquida negativa no ano passado foi provocada por fatores macroeconômicos, e não por uma falta de atratividade da indústria de fundos. Como exemplo, não custa relembrar que os fundos de renda fixa são, inclusive, os fundos importantes e preponderantes no segmento, respondendo por mais de 60% do patrimônio da indústria.

Assim, entendemos que os fundos de investimento podem oferecer alternativas atraentes de produtos que se encaixem em necessidades mais específicas de risco versus retorno dos investidores, independentemente do cenário da taxa de juro ou do momento particular de um dado segmento econômico no país. Na verdade, esse é o grande apelo dos fundos de investimento, que agora se reforçam com todas as ferramentas e possibilidades trazidas pela nova regulamentação: permitir aos investidores uma exposição a fatores de risco dos mais diversos, de forma mais barata, transparente, simplificada ou profissional do que ele teria se investisse sozinho e diretamente. Exemplos da norma nova nesse sentido são, justamente, as possibilidades de investir em instrumentos de securitização (FIDC), ativos digitais (criptoativos) e ativos ambientais (fundos ESG), por exemplo.

Olhando para os próximos passos, a agenda da CVM para 2023 prevê a revisão de produtos destinados ao investidor de varejo e ao qualificado. Quais novas possibilidades devem estar na mesa para o pequeno investidor com essa revisão?

O objetivo desse projeto normativo é avaliar a possibilidade de extensão, aos investidores de varejo, de certos produtos financeiros regulados pela CVM que são destinados apenas a investidores qualificados. Tivemos recentemente experiências bem-sucedidas com algumas modalidades de investimento usualmente não associadas aos investidores de varejo, como o crowdfunding de investimento, o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e o FIDC — sempre com salvaguardas para mitigar os riscos. Nesse sentido, em especial o Fundo de Investimento em Participações (FIP) poderá ser um produto a ser disponibilizado a esse público, com alguns contornos para mitigar riscos.

Além disso, a análise de impacto regulatório elaborada e já divulgada pela CVM também recomendou a revisão dos conceitos de investidor qualificado, de forma a abranger mais investidores.

Outro tema que deve entrar em audiência pública é a regulamentação do papel dos influenciadores digitais. Na visão da CVM, quais são os principais riscos para o investidor que devem ser mitigados com essa mudança? A regulamentação deve restringir a veiculação de certos conteúdos?

Essa é uma pauta que vem recebendo nossa atenção. Obviamente, a CVM não tem a menor intenção de limitar a liberdade de expressão de ninguém. Mas os influenciadores digitais não podem invadir os perímetros de atuação de agentes regulados pela autarquia, como é o caso dos analistas. Muitas vezes, percebemos que os influenciadores digitais extrapolam esses limites, ou seja, trazem sugestões de investimento e recomendações, falam o que fizeram em suas respectivas carteiras, apresentam resultados. Dessa maneira, induzem a comportamentos que, em última análise, podem até mesmo promover disfunções no funcionamento do mercado de capitais.

A CVM também deve discutir em 2023 a portabilidade de fundos, no chamado Open Capital Markets. Quais devem ser os benefícios para a indústria e para o pequeno investidor?

Em breve realizaremos uma divulgação organizada e coordenada de todas as frentes e iniciativas contempladas no que estamos chamando de Open Capital Markets, que é uma espécie de transposição do Open Finance para o ambiente do mercado de capitais. O objetivo da transferência de custódia e a portabilidade de fundos é permitir que investidores de varejo façam a portabilidade de recursos mantidos em um fundo de um intermediário para outro, sem [precisar] realizar um resgate.

Entendemos que é importante democratizar e acelerar a inclusão de mais brasileiros no mercado de capitais e alavancar o crescimento das empresas e da economia do país. Para os investidores, maior democratização dos investimentos, educação financeira e empoderamento. Para as empresas e emissores, maior simplificação e estímulo à criação de instrumentos com uma regulação que se adapte de forma ágil. Além disso, uma portabilidade ágil e flexível fomenta mais competição entre os prestadores de serviços dos fundos.

* Essa reportagem foi originalmente publicada na edição de março da revista EXAME. Na noite de terça-feira, 28 de março, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informou que prorrogou o prazo de vigência do novo marco regulatório de fundos de 3 de abril para 2 de outubro, ouvindo as manifestações de representantes do mercado que pediram mais tempo para se adaptar.

Veja também:

Acompanhe tudo sobre:Revista EXAME

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025