Revista Exame

Os lucros da malhação

As academias de ginástica adotam gestão profissional e crescem 20% ao ano. A maior delas, a Runner, prepara-se para abrir o capital

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h25.

Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 18h40.

So Paulo, 01 de agosto de 2001 (Edio 07) -
Nunca se ganhou tanto dinheiro com o suor dos paulistanos. Desde meados da dcada de 90, o mercado da malhao - ou fitness, como preferem os aficionados do ramo - vem crescendo na Grande So Paulo a taxas de tirar o flego, sempre superiores a 20% por ano. Atualmente, funcionam na metrpole 960 academias esportivas ou de ginstica, com o faturamento total de 240 milhes de reais no ano passado, segundo a Associao Brasileira de Academias (Acad). Para continuar batendo recordes, os campees do setor - um musculoso grupo de sete academias, conforme o ranking na pgina 13 - ingressaram numa fase acelerada de mudanas. J ficou para trs a poca do amadorismo empresarial, em que a batalha pelo lucro se misturava com o simples prazer pela atividade fsica. Um aps o outro, os gigantes das academias esto adotando os princpios do capitalismo moderno: profissionalizao da gesto, tcnicas de marketing sofisticadas, atualizao tecnolgica e parceria com os pesos pesados do mercado financeiro.

Maior academia paulistana, com 24 000 alunos e 25 milhes de reais em faturamento no ano passado, a Runner se prepara, a todo o vapor, para abrir o capital e vender aes na bolsa de valores ato incio de 2002. Para isso, o fundador e scio majoritrio da academia, Mrio Srgio Luz, recrutou o executivo Maurcio Quadrado, de 41 anos, ex-diretor de mercado de capitais do Bradesco. A tarefa de Quadrado, que assumiu no incio deste ano o cargo de presidente executivo da Runner, pr em ordem as finanas e elaborar um plano de negcios capaz de inspirar a confiana dos futuros acionistas. "O mercado das academias oferece enormes oportunidades na minha rea de atuao, a da captao de investimentos", afirma Quadrado. "Mas para isso preciso fazer a lio de casa."

A reestruturao da Runner comeou no ano passado, com a entrada do Fundo Eagle, formado por investidores brasileiros e administrado pelo Banco Ita. O fundo comprou 13,5% das aes e trouxe dinheiro para alavancar a expanso. Os planos so ambiciosos. A Runner continuar sua implantao na metrpole, onde esto todas as suas nove unidades, para depois se espalhar pelo interior de So Paulo e, em seguida, pelo restante do pas. A meta atingir a marca de 100 academias ato final da dcada. A procura de novos pontos foi confiada Colliers, uma consultoria imobiliria de prestgio internacional. A auditoria das contas da academia ficou por conta da Arthur Andersen. "Estamos tornando a empresa cada vez mais transparente", afirma Luz. Fundada em 1983, a Runner introduziu no Brasil as aulas de ginstica aerbica, uma moda que naquela poca se espalhava pelo mundo inteiro. Hoje com 39 anos, formado em administrao na Universidade Mackenzie, Luz era quase um garoto quando abriu, com dinheiro do pai, um advogado bem-sucedido, uma pequena academia, inspirada na californiana Sports Conection. De l veio a receita que athoje norteia todas as redes de fitness paulistanas: um tripcomposto por ginstica, musculao e natao. Para se expandir, a Runner adotou um modelo-padro, com unidades de tamanho mdio, com 2 000 metros quadrados e capacidade para 2 000 alunos. O pblico-alvo definido como de classe B, capaz de pagar mensalidades de 100 a 120 reais. "Nossas academias so do tipo quatro estrelas, isto , boas e baratas", afirma Luz. "Oferecemos conforto e deixamos o luxo para outros grupos."

A referncia est endereada a concorrentes como a Companhia Athletica, que cobra 170 reais de mensalidade e vende, junto com os servios esportivos, uma imagem de refinamento e status social. Com o foco na classe A, a Companhia Athletica a nica rede paulistana a atuar em escala nacional. Possui, alm das quatro unidades em So Paulo, filiais em Campinas, So Josdos Campos, Braslia e Belm, e pretende no incio de 2002 inaugurar uma no Rio de Janeiro e outra em Belo Horizonte. Em So Paulo, onde tem 11 000 alunos, a rede faturou 18 milhes de reais no ano passado, cerca de 60% do total. Ao contrrio da Runner, a empresa investe em unidades maiores, com mais de 4 000 metros (sempre em shopping centers), dotadas de confortos como restaurante, clnica de esttica e atchild care, um espao onde mes e pais podem deixar as crianas enquanto cuidam do corpo.

O dono da Companhia Athletica, Richard Bilton, de 36 anos, estudava administrao na Fundao Getlio Vargas quando seu pai fundou a academia, em 1985, na Rua Kansas, no bairro do Brooklin, onde funciona athoje. Bilton lembra que, na poca, os amigos da famlia perguntavam: "E quando passar a moda da ginstica, o que vocs vo fazer com o prdio?" Atdentro de casa havia descrdito em relao ao empreendimento. Depois de se formar e de entrar como trainee na Gessy Lever, o rapaz quis tocar o negcio. O pai foi contra, mas, de tanto o filho insistir, acabou aceitando.

Outro candidato preferncia dos endinheirados a Frmula, instalada nos shoppings Eldorado (4 500 alunos) e Market Place (2 000 alunos). Tambm nasceu como um negcio familiar, daqueles em que o pai d uma empresa de presente aos filhos. No caso, o pai, Juca Carrano, era dono da Orniex, que nas dcadas de 60 e 70 dominou o mercado nacional de detergentes com a famosa marca ODD. Com uma parte do dinheiro da venda da Orniex, em 1991, a famlia montou dois anos depois a Frmula. Era um jeito de unir o til ao agradvel, j que tanto o pai quanto os quatro filhos - todos eles scios no empreendimento - praticavam juntos a natao. "Demorou dois anos para a gente pegar o know- how do negcio", afirma Maneco Carrano, de 30 anos, o responsvel pela administrao da empresa. Hoje a Frmula conhecida por ter na sua lista de clientes celebridades, como Emerson Fittipaldi, Joo Paulo Diniz, Aurlio Miguel e Mylla Christie.

Entre as quatro maiores academias, a nica a fugir do padro da origem familiar a Bio Ritmo. O dono, Edgard Corona, de 44 anos, formado em engenharia qumica, administrava duas das usinas de cana-de-acar da famlia, no interior de So Paulo. Em 1996, descontente com a reduo das compras governamentais do Prolcool, decidiu mudar de ramo. Um estudo de mercado apontou o fitness como um negcio promissor. Corona investiu 800 000 reais na primeira unidade, no bairro de Santo Amaro. "Patinei um pouco no comeo, por desconhecer o mercado, e recorri a uma empresa de consultoria nos Estados Unidos", diz Corona. J a segunda academia, na Avenida Paulista, foi um sucesso desde o incio. Hoje a Bio Ritmo tem seis unidades e 11 900 alunos.

O primeiro time da malhao se completa com a Competition, de Marco Pace (veja quadro na pg. 15), junto com uma nova marca, que vem crescendo sem fazer alarde. a rede Kraft, que desde a reformulao, em 1997, j abriu seis unidades, das quais duas em instalaes da Universidade Bandeirantes (Uniban). Tem 12 000 alunos. Os donos, Marco Aurlio Sanches e Armando Santana, cortaram as despesas com marketing para viabilizar uma poltica de preos baixos - 59 reais por ms pelo plano anual bsico. O modelo bem-visto pelos consultores, pois exige pouco investimento e permite um retorno rpido. "A empresa pegou um nicho de mercado de classe mdia que troca conforto por preo", afirma Fabio Saba, dono da empresa de consultoria esportiva que leva o seu nome. No ano passado, a Kraft faturou 9,5 milhes de reais.

A exemplo da Runner, todas as redes paulistanas pretendem prosseguir a expanso. A Bio Ritmo est investindo 2,2 milhes para inaugurar, ainda neste ano, a primeira academia de classe A do Centro de So Paulo. O plano inclui um servio de vans para levar os alunos atos estacionamentos da regio - nico meio de driblar os assaltos. J a Companhia Athletica prev o lanamento de uma unidade em Alphaville no prazo de dois anos. E a Frmula est em plena reforma administrativa para se tornar a primeira empresa de fitness brasileira a operar pelo sistema de franquias. A essas, soma-se a primeira marca estrangeira a desembarcar no mercado paulistano: a Reebok Sports Club, que no ano passado inaugurou, no Morumbi, sua quarta unidade no mundo inteiro (as outras trs so as de Nova York, Madri e Bolonha, na Itlia).

frente do empreendimento, no valor de 8,5 milhes de reais, est o executivo JosOtvio Marfar, de 42 anos, ex-scio da Runner e atual detentor da licena do nome Reebok na Amrica Latina. A megaacademia, em prdio projetado pelo arquiteto Sig Bergamin, oferece mordomias como manobrista, msica tocada por DJ e atuma centrfuga instalada nos vestirios para secar a roupa de banho.

Concorrncia estrangeira

"Os empresrios locais entram em pnico cada vez que um executivo estrangeiro visita o pas", diz o consultor Lus Amoroso, dono da FitBizz, especializada no setor. A razo disso: falta muito pouco para que eles passem a enfrentar por aqui os gigantes globais. A mais interessada em explorar o mercado brasileiro parece ser a americana World Gym International. Com uma rede de 275 academias e 600 000 clientes mundo afora, a World Gym possui a quinta maior rede do planeta. Seu presidente, Mike Uretz, incluiu o Brasil na lista das 22 novas operaes internacionais em 2001. Em setembro, vir a So Paulo Kirk Galiani, presidente da Golds Gym, que com suas 550 academias encabea o ranking mundial.

Haver espao para tanta academia em So Paulo? A aposta na expanso se sustenta no mesmo motivo que fez do mercado de fitness uma mina de ouro. "A partir da dcada de 80, o exerccio fsico deixou de ser uma escolha puramente esttica e passou a ser visto como uma atividade que traz benefcios inegveis sade", afirma Amoroso. "por isso que a legio de malhadores cresce sem parar." Bilton, da Companhia Athletica, concorda. "Nossa melhor propaganda", diz, "a do mdico que pergunta ao paciente: O que voc faz para no ser um sedentrio? "

Quanto mais gente disser "no" ao sedentarismo, maior o movimento na catraca nos templos da malhao. Para reforar a tendncia, amontoam-se as pesquisas na rea de sade comprovando que a boa forma fsica se reflete na melhoria da eficincia no trabalho, na diminuio do estresse e na ampliao da expectativa de vida. Por isso, cada vez mais comum as empresas construrem academias para seus funcionrios. "O corporate fitness a bola da vez no mercado brasileiro", afirma o consultor Waldyr Soares, presidente da Fitness Brasil. De olho nesse filo, a Reebok preparou planos especiais para empresas. Neles, o desconto se torna mais generoso medida que aumenta o nmero de funcionrios matriculados na academia. Convnios j foram fechados com a Microsoft, a Daslu e a agncia de propaganda Carillo Pastore, entre outras empresas. "O mercado corporativo um nicho importante, que oferece clientes fiis", afirma Marfar, da Reebok. "Para ns esse tipo de convnio representa 20% da receita."

J a Bio Ritmo opera a academia montada na Editora Abril, na Marginal Pinheiros.

Outro recurso para o negcio continuar avanando a caa clientela de mais de 45 anos - justamente aqueles sedentrios que sofrem presso de seus mdicos para queimar calorias e melhorar a condio fsica. Quando a moda da ginstica explodiu, os freqentadores eram quase todos jovens, movidos pela vaidade. Agora as academias se esfalfam para atrair os quarentes, outrora desprezados. A Reebok, por exemplo, instalou uma sala especial para iniciantes. Ali, num local discreto, os clientes de meia-idade podem praticar seus exerccios sem vergonha de exibir a barriguinha. A Companhia Athletica tambm batalha por essa fatia valiosa do mercado. "Os alunos mais velhos no fazem ginstica por modismo", afirma Bilton. "Se a academia corresponder sua expectativa, eles no vo deix-la." Cerca de 15% das matrculas nas academias correspondem turma da meia-idade, mas a Companhia Athletica j pensa em conquistar uma faixa etria ainda mais avanada.

Lanar um programa para pessoas com mais de 60 anos, que hoje no chegam a 2% dos freqentadores. Chama-se Plano Silver e custar 125 reais por ms.

Na disputa pelo mercado, as megaacademias paulistanas enfrentam um duplo desafio: conquistar novos clientes e, ao mesmo tempo, manter os que j esto matriculados. "Muitas vezes o cliente compra um plano de fitness por impulso e logo desiste se no tiver acompanhamento durante a adaptao", afirma o consultor Amoroso. Em algumas academias, a taxa de desistncia atinge os 50% no perodo de um ano. Afinal, fazer da atividade fsica um hbito no fcil para ningum. Alm disso, esse um negcio sujeito sazonalidade. Durante o inverno, cai o movimento das empresas de fitness. nessa estao do ano que elas promovem mais eventos. Para estimular o aluno, a Runner fecha boates para comemorar o aniversrio de professores e organiza passeios, em geral para lugares onde se podem praticar esportes radicais, como mergulho, rafting (descida de cachoeiras em botes de borracha) e rapel (explorao de penhascos com uso de cordas).

Alm disso a Runner promove, durante o ano todo, um cafda manh mensal com os novos alunos. "As academias pequenas tm a vantagem de conhecer os alunos pelo nome", diz Luz.

Fidelizao a palavra de ordem no setor. A Companhia Athletica mima os alunos com um carto de crdito American Express com a marca da academia e a primeira anuidade paga. A Frmula oferece uma parede de alpinismo e programas especiais para crianas (com aulas de circo), cardiopatas e deficientes fsicos (treinados para competies). A Competition tem servios agregados, entre os quais uma lavanderia e uma loja de produtos naturais. "A idia facilitar a vida do usurio para que ele no desista por falta de tempo", diz Marco Pace, o dono da empresa. Pace implantou, h dois anos, um sistema eletrnico que permite monitorar o desenvolvimento de cada aluno da Competition. O aluno recebe uma chave com um chip que acoplada a cada equipamento e d acesso ao computador onde est arquivada a planilha de treino estabelecida pelo professor de acordo com a necessidade de cada indivduo. Assim, possvel monitorar o tempo e a intensidade do exerccio.

A Runner no faz por menos: os alunos tm sua disposio um clube inteiro, no bairro do Butant, na Zona Oeste, construdo em parceria com a construtora Gafisa. O Runner Club um parque de lazer com 13 500 metros quadrados, aberto todos os dias, com exceo do Natal e do ano- novo. Tem ginsio poliesportivo e uma piscina externa, freqentada nos fins de semana por alunos de todas as unidades da rede. "O clube recebe quase 5 000 pessoas por ms", diz Luz. A mais recente novidade da empresa o Runner Beauty, um centro de tratamento de beleza, aberto tambm aos no-alunos, na unidade da Avenida Bem-Te-Vi, em Moema. O empreendimento, que ser implantado em outras unidades, deve gerar 3 milhes de dlares por ano.

Por maior que seja o mercado potencial na metrpole, consenso no setor que a expanso logo estar prxima do seu limite. O consultor Frederico Bourrol, dono da empresa de fuses e aquisies Beta Associados, prev que o atual ciclo de crescimento se esgotar em poucos anos. Vir, ento, um implacvel processo de concentrao. "Futuramente, o mercado no comportar mais do que cinco ou seis grandes redes", diz Bourrol. "As empresas com melhor estrutura conseguiro aportes de dinheiro e incorporaro as outras, mais frgeis."

Hipercompetio

Uma amostra do cenrio que pode se formar nos prximos anos a situao de concorrncia exacerbada que se criou nos arredores da Ponte do Morumbi, sobre o Rio Pinheiros, na Zona Sul. At1999, a Companhia Athletica reinava sozinha no MorumbiShopping. Foi nessa poca que a Frmula concluiu as negociaes que culminaram com a inaugurao, em fevereiro deste ano, de sua unidade no Market Place, a poucos metros da rival. "Em 1999, o Morumbi era um dos melhores bairros para expandir o nosso negcio", afirma Carrano, da Frmula. S que, em outubro de 2000, antes da inaugurao da nova Frmula, veio a Reebok e plantou sua academia cintilante do lado oposto da ponte. Para complicar, em novembro a Companhia Athletica reformou suas instalaes, acirrando a competio. Alm dessas trs, h nas imediaes unidades menores da Runner e da Bio Ritmo.

Como o nmero de potenciais alunos na regio limitado, cada uma das academias l instaladas se v obrigada, para sobreviver, a tentar atrair a freguesia das vizinhas. "A concorrncia ficou grande demais", afirma Carrano. Com essa preocupao na cabea, os empresrios da malhao suam a camisa para ampliar a carteira de clientes. A melhor definio a de Richard Bilton, da Companhia Athletica: "Temos de pensar em todo tipo de pblico, do rato de academia ao deficiente fsico".

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