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O lixo virou um negócio de 20 bilhões de reais

O lixo — quem diria? — virou um grande negócio no Brasil. Diante de um mercado de 20 bilhões de reais, empresários se unem a banqueiros para investir no setor

Wilson Quintella Júnior, da Estre: parceria com o BTG, de André Esteves, para adquirir uma empresa concorrente e conseguir dobrar de tamanho em 2011  (Kiko Ferrite/EXAME.com)

Wilson Quintella Júnior, da Estre: parceria com o BTG, de André Esteves, para adquirir uma empresa concorrente e conseguir dobrar de tamanho em 2011 (Kiko Ferrite/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 26 de junho de 2011 às 08h30.

São Paulo - Em uma entrevista recente gravada em vídeo pela revista americana de negócios Fortune, o executivo David Steiner soltou a seguinte previsão: daqui a dez anos, será possível extrair tanta riqueza do lixo que as empresas do setor poderão fazer sua coleta de graça, sem que nenhum governo tenha de pagar pelo serviço.

Ao ouvir a declaração, o interlocutor de Steiner esboçou um sorrisinho de deboche, mas não retrucou. David Steiner ainda está em posição de receber crédito por suas palavras, por mais que elas soem como delírio. Há sete anos ele é o presidente da Waste Management, a maior empresa de lixo dos Estados Unidos e uma das maiores do mundo.

Sob sua gestão estão 273 aterros sanitários, 17 usinas de geração de energia por meio da incineração do lixo e 119 operações de conversão do gás metano dos aterros em energia. A Waste Management ainda opera 91 estações de reciclagem de lixo comum e 34 de processamento de lixo orgânico.

Com isso, fatura cerca de 12 bilhões de dólares por ano. Hoje, não há nada no Brasil que se pareça com isso — nem em tamanho de receita nem em modelo. Mas, para alguns empresários e investidores, a Waste Management já é uma referência num negócio por muito tempo negligenciado.

Segundo estimativas, o mercado de lixo, hoje tremendamente pulverizado, movimenta quase 20 bilhões de reais por ano no país. Um dos que acompanham com entusiasmo o desempenho da Waste Management e sonham em fazer algo parecido é o paulista Wilson Quintella Júnior, de 54 anos — o homem à frente da Estre.

A empresa nasceu há 11 anos com a construção de um aterro sanitário no município de Paulínia, no interior de São Paulo — na época, Quintella deixou um emprego na GP Investimentos para se dedicar ao novo negócio.

De lá para cá, ampliou seus domínios e hoje opera dez aterros, que atendem centenas de clientes públicos e privados e estão localizados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná e em Bogotá, na Colômbia, e Buenos Aires, na Argentina. Outros dois deverão ser inaugurados nos próximos meses — na cidade paulista de Piratininga e em Aracaju.


Em março deste ano, Quintella fez uma manobra ousada: com a ajuda do BTG Pactual, de André Esteves, atropelou um fundo de private equity que vinha já há algum tempo negociando a empresa de coleta de lixo urbano Cavo, do grupo Camargo Corrêa, e a comprou por 610 milhões de reais. A aquisição da Cavo fará com que o faturamento da Estre, previsto para alcançar 640 milhões de reais em 2011, dobre. 

Com os negócios da Estre nessa toada, não é de admirar que, numa palestra recente dada em São Paulo para convidados do Bank of America Merrill Lynch, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha feito menção a Quintella, presente na plateia, dizendo que ele “está rindo de orelha a orelha com o lixo”.

O que faz Quintella sorrir não é tanto o que ele já conseguiu construir, mas o potencial que vê pela frente. Ainda hoje a coleta atinge apenas 88% do lixo gerado no Brasil.

E, desse volume, 42% ainda são destinados aos lixões. No ano passado, depois de quase 20 anos tramitando no Congresso Nacional, a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos foi finalmente aprovada.

Com ela, foi determinado que 2014 será a data-limite para que todos os municípios do país fechem seus lixões. As prefeituras também terão de estabelecer programas de gestão do lixo que permitam separar os resíduos — aquilo que pode ser reaproveitado — dos rejeitos — material que realmente merece ir para os aterros.

Além disso, a lei deixa claro que a indústria e os consumidores têm deveres a cumprir em relação aos resíduos que geram. Mas isso é o que está no papel. “Há ainda muitos questionamentos sobre como todas essas premissas vão funcionar na prática”, diz Fabricio Soler, advogado especializado em meio ambiente do escritório Felsberg e Associados, de São Paulo. E se vão funcionar.

Consórcio de resíduos

No passado, muito dinheiro público foi distribuído a pequenos municípios para que eles construíssem aterros. O baixo volume de resíduos, associado ao custo e à complexidade de operação do empreendimento, fez com que a maioria se transformasse em lixões.


O desafio agora está em fazer com que os municípios trabalhem juntos, de modo a criar uma espécie de “consórcio” para administrar seu lixo. Os diferentes setores da indústria também terão de se mexer e apresentar ao governo propostas sobre como vão fazer a logística reversa de seus produtos.

Pela lei, as indústrias são responsáveis por dar uma destinação correta a seus produtos descartados pelo consumidor. Até agora, segundo especialistas, as discussões setoriais têm sido mais acaloradas do que produtivas.

Independentemente desse cenário ainda nebuloso, muitas empresas ligadas ao negócio do lixo já estão se movendo para aproveitar as oportunidades de negócios decorrentes dessas mudanças.

“Esse setor vai explodir no Brasil nesta década. Sobrarão os que estiverem muito preparados”, diz o grego Antonis Mavropoulos, diretor da Associação Internacional de Resíduos Sólidos.

Por enquanto, a Estre é vista como uma das candidatas a liderar essa consolidação. Sua maior concorrente nesse processo é a Haztec, com sede no Rio de Janeiro.

Até ser comprada pelo paulista Paulo Tupinambá e mais dois sócios, em 2003, a Haztec era uma consultoria ambiental que faturava 7 milhões de reais por ano prestando serviços como o de descontaminação de solos.

Desde então, a empresa cresceu um bocado. O fundo Infrabrasil — dos fundos de pensão Petros (da Petrobras) e Funcef (da Caixa Econômica Federal), gerido pelo Santander — injetou 200 milhões de reais na empresa entre 2007 e 2010 e hoje tem uma participação de 50%.

Em 2008 foi a vez do fundo de private equity do Bradesco investir 160 milhões de reais para ficar com uma fatia de 28% da Haztec. Há um mês, a empresa recebeu grau de investimento — ou seja, representa baixo risco de calote para seus credores — pela agência de classificação de risco Fitch Ratings.


A previsão é que a companhia encerre 2011 com faturamento de 700 milhões de reais, a maior parte desse dinheiro oriunda da gestão de quatro aterros sanitários públicos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. Recentemente, a Haztec começou a operar sua quinta unidade, o aterro de Seropédica, na região metropolitana do Rio de Janeiro.

O local é emblemático da mudança da administração dos negócios do lixo no país. Isso porque ele substituirá, até 2012, Jardim Gramacho — misto de aterro e de lixão que por décadas manchou a imagem do Rio de Janeiro e foi cenário de Lixo Extraordinário, documentário sobre o trabalho do artista plástico brasileiro Vik Muniz com catadores de material reciclável e que concorreu ao Oscar deste ano.

Além dos aterros, a empresa também ganha com outros negócios. Em janeiro, a Haztec comprou a Biogás, empresa que usa o metano resultante da decomposição do lixo de dois aterros para gerar algo como 40 megawatts de energia, suficientes para iluminar, por exemplo, uma cidade de 200 000 habitantes. A energia obtida é vendida no mercado livre.

Um dos desafios das empresas que atuam no mercado de lixo é descobrir novos nichos. Foi o que fez a paulista Ambitec, que prevê faturar neste ano algo como 400 milhões de reais — a maior parte dessa receita vem da gestão de resíduos de empresas de grande porte, como Johnson&Johnson, Embraer e International Paper.

Em abril, a Ambitec pagou 4,5 milhões de reais para adquirir 49% da startup Descarte Certo. Fundada pelo ex-executivo Lucio Di Domenico há menos de três anos, a Descarte Certo oferece aos consumidores, por meio de seu próprio site ou nas lojas de varejistas como Carrefour e Cybelar, um serviço de coleta e de descarte ecologicamente correto de produtos.

Até agora, a empresa atuava apenas como intermediária entre consumidores e empresas de manufatura reversa. “Nos próximos meses, faremos investimentos para que ela mesma execute todo o processo”, diz André Oda, professor de finanças da FEA-USP que há um ano foi chamado pela família Borlenghi, dona da Ambitec, para ajudá-la no processo de profissionalização e de preparação para um futuro IPO. “A hora desse mercado é agora. Quem não se posicionar rapidamente perderá a oportunidade.”

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