Donald Trump: o empresário venceu a eleição prometendo repetir as ações do primeiro mandato (Chip Somodevilla/Getty Images)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 21 de novembro de 2024 às 06h00.
Última atualização em 21 de novembro de 2024 às 10h53.
“O estado da união é forte.” Desde 1983, quase todos os presidentes dos Estados Unidos disseram essa frase em seu pronunciamento anual ao Congresso. O próximo a fazer esse discurso será Donald Trump, que voltará a ser presidente em janeiro de 2025. Ele terá a missão de resolver várias questões do país, que continua como a maior economia e maior potência militar do mundo, mas tem de resolver diversos problemas internos e externos.
Em solo americano, é preciso terminar a missão de baixar a inflação e estimular a criação de empregos bem pagos, mas sem sobrecarregar o déficit público. Além disso, é preciso seguir com a renovação da infraestrutura, de estradas a redes de internet, e definir qual será o papel dos Estados Unidos na transição energética, área em que o país tem trocado de rumo cada vez que muda o governo.
No campo externo, há duas guerras de grande impacto em andamento: entre Rússia e Ucrânia, e Israel contra o Hamas e o Hezbollah. Além disso, há a competição com a China, contra quem Trump decidiu subir o tom quando foi presidente pela primeira vez. Em uma lembrança de como problemas em outros países também se refletem nos EUA, há a questão da imigração irregular, que teve forte alta nos últimos anos, em parte puxada pelas crises econômicas que ocorreram após a pandemia e em parte pela atuação confusa do governo Biden sobre o tema.
Trump promete usar mão firme para resolver as coisas. Porém, como mostramos a seguir, discursos duros, seja em comícios de campanha, seja no interior do Capitólio, não costumam ser suficientes para resolver problemas complexos.
Na campanha, Trump prometeu cortar impostos de várias formas, desde as taxas sobre grandes corporações até impostos nas gorjetas recebidas por garçons. Reduzir a arrecadação sem aumentar as receitas, no entanto, piorará o déficit fiscal dos EUA. No ano fiscal de 2024, esse valor deve atingir 1,9 trilhão de dólares, segundo previsão do Escritório de Orçamento do Congresso. O governo americano tem hoje uma dívida pública total de 26,2 trilhões de dólares, ou 99% do PIB do país. Um estudo feito pela Penn Wharton Budget Model mostra que as promessas feitas por Trump, se implantadas, aumentariam a dívida do país em 5,8 trilhões de dólares em dez anos. Os republicanos argumentam que cortar impostos estimula a economia e, assim, o país avançaria por crescer mais rápido, um argumento questionado por analistas.
“Algumas propostas fiscais de Trump são bem desenhadas e seriam eficientes ao promover crescimento econômico de longo prazo. Mas outras são mal desenhadas, vão piorar a estrutura de impostos e ter impacto nulo no crescimento, como as isenções para gorjetas”, diz análise da Tax Foundation.
A entidade, não partidária, fez um estudo amplo sobre as propostas do republicano e mostra que elas gerariam um aumento do PIB de 0,8%, mas traz um alerta: o ganho vai se perder se o novo governo cumprir a promessa de ampliar tarifas para importações.
“Tarifas são um modo distorcivo de aumentar as receitas, especialmente porque elas são um convite a retaliações estrangeiras. Estimamos que isso deve custar mais de dois terços dos possíveis ganhos com cortes de impostos”, alerta.
A cada dia, 8.000 estrangeiros são presos ao tentar entrar irregularmente nos Estados Unidos, mostram dados do governo americano. Essa foi a média registrada no ano fiscal de 2024, segundo dados do Departamento de Proteção de Fronteiras (CBP). Na soma do ano, foram 2,9 milhões de detenções, quase o triplo do número de 2019 (1,1 milhão).
Trump promete usar medidas duras para conter esse fluxo, como fechar fronteiras e fazer uma deportação em massa. Como ocorreu em seu primeiro mandato, no entanto, as medidas mais duras poderão acabar sendo barradas na Justiça ou sofrer resistência de governos locais. Cidades como Nova York e Washington são consideradas “santuários”: as autoridades ali são orientadas a não sair buscando estrangeiros irregulares nem perguntar o status imigratório das pessoas.
O novo presidente afirma que expulsar imigrantes ajudará a aumentar a oferta de empregos para os americanos e a reduzir o custo de vida: com menos procura por casas, por exemplo, o preço da moradia cairia. Por outro lado, analistas afirmam que a retirada abrupta de milhões de pessoas afetaria diversos setores, acostumados a depender de estrangeiros dispostos a trabalhar em funções repetitivas e de baixos salários, mas essenciais.
“Se as construtoras tiverem uma redução súbita no número de trabalhadores, vão reduzir o número de gerentes. Restaurantes precisam de cozinheiros para funcionar e, assim, poder contratar em outras funções, como a de garçons, que serão ocupadas por trabalhadores americanos”, aponta uma análise da Brookings.
Além disso, os imigrantes compram comida, vão a barbearias e compram carros, o que movimenta as economias locais. O Pew Research Center estima que 11 milhões de estrangeiros irregulares vivem hoje no país.
Nos últimos dois anos, duas guerras de peso surgiram, ganharam força e parecem não ter fim: Rússia contra Ucrânia e Israel contra Hamas, Hezbollah e Irã. Nas duas, os Estados Unidos, sob a gestão de Joe Biden, tomaram um lado, mas também tomaram distância: buscam fornecer apoio público a Israel e Ucrânia, além de equipamentos militares de ponta, mas sem enviar soldados. A estratégia tem ajudado a Ucrânia a resistir à invasão russa, mas não a vencer a guerra, que já deixou pelo menos 70.000 mortos só do lado russo, segundo apuração da BBC.
Na campanha, Trump prometeu resolver a guerra na Ucrânia “em um dia”, mas não detalhou como fará isso. Há uma expectativa de que ele tente acelerar algum tipo de acordo entre Moscou e Kiev, que possa forçar os ucranianos a ceder parte do território ocupado pela Rússia. Ele poderá pressionar o presidente Volodymyr Zelensky a aceitar um acordo assim, pois, se os Estados Unidos reduzirem seu apoio financeiro, a Ucrânia terá dificuldade para continuar lutando.
Desde o início da guerra, os americanos já enviaram 64 bilhões de dólares em ajuda. No conflito do Oriente Médio, Israel tem grande capacidade militar para agir sozinho, mas Trump deverá aumentar a pressão sobre o Irã, como fez em seu primeiro mandato, e dar ainda mais apoio ao aliado. O premiê Benjamim Netanyahu já chamou o republicano de “o melhor amigo que Israel já teve na Casa Branca”.
As duas maiores potências econômicas globais, Estados Unidos e China, possuem um nível de interdependência econômica visto poucas vezes na história. Em 2022, o fluxo comercial entre os dois países foi de 758,4 bilhões de dólares (equivalente a um terço do PIB do Brasil), mas bastante desbalanceado: os EUA venderam 195,5 bilhões de dólares à China e compraram 562,9 bilhões de dólares. Trump coloca esse desequilíbrio como uma das razões do que chama de declínio econômico americano.
Em seu primeiro governo, ele iniciou uma guerra comercial com a China, que foi parcialmente contida após um acordo. Biden manteve as medidas de Trump em vigor, e agora o republicano promete retomar o aumento de tarifas.
Na campanha, ele falou em taxar produtos chineses entre 60% e 100%. Para ter ideia da escalada, em 2018, as tarifas máximas impostas por Trump chegaram a 25% para o aço chinês. Se tarifas de 60% forem aplicadas a todas as importações, a China poderá perder 2,5 pontos percentuais de crescimento anual, estima o banco UBS.
Outro ponto delicado da relação sino-americana é Taiwan. A ilha é considerada por Pequim parte da China, e há temores de estrategistas do governo americano de que o governo chinês invada a ilha nos próximos anos, especialmente para se apropriar das fábricas de chips de última geração que ficam em Taiwan. Os Estados Unidos são aliados do governo da ilha e têm acordos de cooperação militar.
Assim, uma invasão chinesa poderia desencadear um conflito entre as duas potências. Trump disse em uma entrevista que, caso a China invada a ilha vizinha, seria punida com taxas de 150% a 200%.
O republicano disse ainda que tem uma boa relação com o dirigente chinês Xi Jinping e que ele não invadiria Taiwan porque “ele me respeita e sabe que eu sou louco”.
Melhorar a infraestrutura dos Estados Unidos é um tema que une os dois partidos. Durante o primeiro governo Trump, um pacote trilionário para a área foi debatido durante anos, sem avançar. A ideia só sairia do papel em 2021, já no governo Biden. Naquele ano, foi aprovado o Bipartisan Infrastructure Law, um pacote de 1,7 trilhão de dólares para reformar estradas, pontes, redes de água e energia, e aumentar a velocidade da internet, entre outros temas. Até agora, no entanto, foram gastos apenas 507 bilhões de dólares.
Há gargalos variados, como exigências de uso de insumos americanos, preferências para contratar funcionários sindicalizados e falta de coordenação com governos locais, que precisam custear parte dos projetos. Em Nova York, por exemplo, uma extensão da linha de metrô da Segunda Avenida foi suspensa depois de a governadora democrata Kathy Hochul desistir de implantar um pedágio urbano. O dinheiro dessa cobrança geraria 4,3 bilhões de dólares para a obra do metrô, que receberia mais 3,4 bilhões de dólares do pacote federal.
Em outro caso parecido, Houston decidiu suspender a construção de um corredor de ônibus de 40 quilômetros, que receberia 939 milhões de dólares do governo federal, por avaliar que os custos da obra estavam elevados demais.
Na campanha atual, Trump falou pouco sobre o tema e não fez promessas específicas. Ele poderá investir os recursos do pacote de 2021 que ainda não foram gastos, mas precisa resolver os entraves que impedem os projetos de sair do papel.
Falar sobre ferrovias e transporte traz uma comparação inevitável com a China. Os EUA têm a maior malha ferroviária do mundo, com 260.000 quilômetros de trilhos, e a China soma 160.000. Por outro lado, o país asiático já tem mais de 46.000 quilômetros de linhas de alta velocidade, enquanto os americanos possuem zero.
A alternância de poder entre democratas e republicanos levou os EUA a vários cavalos de pau em seu posicionamento climático. Ao tomar posse, em 2017, Trump tirou o país do Acordo de Paris, pacto global endossado pelo antecessor, Barack Obama. Quando Joe Biden voltou ao poder, em 2021, levou o país de volta ao tratado e anunciou bilhões de dólares em investimentos em transição energética, especialmente por meio do Inflation Reduction Act (IRA), que prevê subsídios para a adoção de energia solar e eólica, entre outras medidas.
Trump prometeu encerrar o IRA, que previa manter os benefícios fiscais até a próxima década e estimular o aumento da produção de petróleo, como estratégia para baixar a inflação no país. De acordo com analistas, sua volta ao poder deve frear a velocidade da transição energética nos EUA, mas sem pará-la por completo. Muitos investimentos estão em andamento e geraram empregos, inclusive em estados como Geórgia e Ohio, sob comando republicano.
O novo presidente também trará incerteza sobre o mercado de carros elétricos. Ele prometeu rever regulações que preveem uma retirada gradual dos veículos mais poluentes, aprovada durante o governo Biden. Por outro lado, Trump disse que “ama carros elétricos”. “Eu os dirigi e são incríveis, mas não são para todo mundo. Talvez sejam para 10%, 20% do mercado”, afirmou. Enquanto isso, China e Europa fazem apostas mais fortes na nova tecnologia.