Revista Exame

O sotaque francês chega ao Pão de Açúcar

Três anos depois de assumir o Pão de Açúcar, o grupo francês Casino dá sua cara ao maior varejista do Brasil — após as mudanças, nem todo mundo está feliz


	Pão de Açúcar: as pequenas lojas ganham espaço
 (Germano Luders/Exame)

Pão de Açúcar: as pequenas lojas ganham espaço (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 17 de setembro de 2015 às 05h56.

São Paulo — Entre 2010 e 2012, o grupo varejista francês Casino e o empresário Abilio Diniz travaram uma rumorosa batalha pelo controle do Pão de Açúcar, o maior varejista do Brasil. Como se sabe, os franceses levaram a melhor, Diniz deixou a empresa fundada por seu pai e acabou, hoje, sócio minoritário do arquirrival Carrefour.

O que pouca gente sabia, em meio ao calor da briga, era: aquilo tudo era uma disputa só pelo poder ou os franceses tinham outra visão para o Pão de Açúcar? Eles mudariam tudo no maior varejista do Brasil? No início, foi difícil dizer. Durante cerca de um ano, o Pão de Açúcar seguiu presidido por Enéas Pestana, o mesmo dos tempos pré-briga, e pouca coisa mudou.

Mas, agora, um ano e meio depois da saída de Pestana, o Casino começa a dar sua cara ao maior varejista do Brasil. As primeiras mudanças acontecem longe dos olhos do consumidor. Executivos próximos à companhia dizem que Ronaldo Iabrudi, o presidente que substituiu Pestana um ano e meio atrás, tem menos autonomia do que seu antecessor.

A influência de executivos franceses é cada dia maior. Além do poderoso vice-presidente de finanças, Christophe Hidalgo, que trabalha há 15 anos com o presidente do Casino, Jean-Charles Naouri, outros executivos franceses vêm ganhando poder. Laurent Cadillat veio do Casino da Argentina para reestruturar a rede de hipermercados Extra.

Mesmo sem cargo oficial, o diretor de desenvolvimento de negócios internacionais do Casino, Philippe Allioume, está no Brasil há alguns meses chefiando a política comercial da rede. Ele nem sequer aparece no organograma da empresa.

O Pão de Açúcar não deu entrevista. O objetivo dos franceses é impulsionar as lojas de bairro e “atacarejo”, aumentar a participação das vendas pela internet e vender mais produtos de marca própria. Parece simples, mas as mudanças são dramáticas em alguns casos.

As redes de lojas com até 250 metros quadrados Minuto Pão de Açúcar e MiniMercado Extra dobraram em um ano e já têm 290 unidades — 13% do número total de pontos no ­país. A estratégia é moldada na experiência da França, onde a especialidade do Casino é o chamado segmento de conveniência, de lojas apertadíssimas.

Está em testes em duas lojas de São Paulo uma terceira marca de proximidade, que seria intermediária entre o MiniMercado Extra, que tem no máximo 6 000 produtos diferentes em suas gôndolas, e o Minuto, que oferece até 10 000 produtos. A nova marca, ainda sem nome, será usada em mercados de periferia, que têm mostrado uma demanda por algo um pouco mais sofisticado do que o MiniMercado Extra oferece.

Também está em estudo adotar uma estratégia bem-sucedida do Éxito, subsidiá­ria do Casino na Colômbia, e usar a estrutura de logística que abastece as lojas pequenas para fornecer para outros estabelecimentos, como lojas de conveniência em postos de gasolina e pequenos mercados concorrentes.

As aquisições — que, na era Abilio, transformaram o Pão de Açúcar no maior varejista do país — serão de menor porte, concentradas em mercados onde a empresa tem pouca presença. Segundo executivos que acompanham as conversas, o Casino está avaliando, por exemplo, a compra da rede Super Frangolândia, que tem 11 lojas no Ceará.

Nada é mais visível para o consumidor do que a invasão de produtos da marca Casino, importados da França que se tornaram presença cotidiana nos supermercados da rede.

Chocolates, geleias, biscoitos e vegetais da marca própria francesa têm sempre maior destaque do que seus concorrentes importados. Além disso, o Casino está aumentando a variedade de produtos próprios, trazendo marcas de utensílios de cozinha, como Finlandek e Atmosfera.

Crise acelera reestruturações

A crise econômica brasileira acabou acelerando intervenções que já eram vistas como necessárias em redes que vão mal, como a de eletroeletrônicos Via Varejo e a de hipermercados Extra. No Extra, Cadillat está tentando amenizar a queda na frequência de clientes nas lojas. Neste ano, 60 das 340 lojas estão sendo reformadas.

As áreas são reduzidas, a oferta de produtos perecíveis aumenta, assim como as equipes de atendimento, para se aproximar do serviço oferecido pelos supermercados menores. A rede de eletroeletrônicos Via Varejo tem sido a mais afetada: a queda na demanda por bens duráveis diminuiu a receita em 20%.

As lojas mais deficitárias estão sendo fechadas — no primeiro semestre foram 26. Mas o número total de lojas se mantém em torno de 1 000. A prioridade é para a marca Casas Bahia, mais popular — 36 lojas do Ponto Frio foram convertidas em Casas Bahia.

Para tentar compensar a queda nas vendas e as baixas margens em eletroeletrônicos, a rede está testando iniciativas para produtos específicos: 30 lojas que vendem apenas móveis e 45 áreas separadas dentro das lojas para vender apenas telefones celulares.

A Via Varejo também está sofrendo em razão de uma mudança radical na política comercial do Casino na internet. As vendas da Cnova, operação de comércio eletrônico que reúne os sites de Casas Bahia, Ponto Frio, Extra e Barateiro, cresceram 25% no Brasil neste ano.

Segundo um relatório do Bank of America Merrill Lynch, o crescimento da operação eletrônica se deu à custa da Via Varejo, já que seus preços são muito menores. Tanto a Cnova quanto a Via Varejo são companhias de capital aberto, com presidentes diferentes e participações acionárias distintas.

Na operação de comércio eletrônico, o Casino tem diretamente 43% das ações, além da participação indireta por meio do Pão de Açúcar. A Via Varejo é controlada pelo Pão de Açúcar e tem como minoritária, com 27%, a família Klein, fundadora da Casas Bahia. Na operação de comércio eletrônico, os Klein participam apenas de maneira indireta, por meio da Via Varejo, que tem 21% da Cnova.

Portanto, uma política comercial que beneficie a Cnova em detrimento da Via Varejo traz ganhos ao Casino e perdas aos minoritários da Via Varejo. A pesquisa feita pelo Bank of America Merrill Lynch mostra que a Cnova tem preços até 20% abaixo dos da Via Varejo. As maiores diferenças, num levantamento de 16 produtos, são em televisores, fogões e geladeiras.

No relatório, o analista Robert Aguilar afirma que as promoções da Cnova podem estar violando acordos entre as duas empresas e prejudicando os fornecedores. Quando a Via Varejo e a Cnova fazem compras conjuntas, o braço de comércio eletrônico tem, pelo menos em tese, limites para baixar preços, evitando canibalizar vendas — isso, segundo o relatório, não vem sendo respeitado pela Cnova.

Executivos do Pão de Açúcar afirmam que as promoções feitas pelas duas redes são analisadas por um comitê interno, que se reúne semanalmente, e que a análise do banco tem alguns erros e não considerou descontos que podem ser dados livremente pelas lojas “físicas”.

De qualquer forma, o relatório acendeu a luz vermelha nos minoritários da Via Varejo, como a família Klein, que espera discutir o tema na próxima reunião do conselho de administração, no final de outubro. A estratégia do Casino para o Pão de Açúcar está dando certo?

Ainda é cedo para dizer, principalmente porque as mudanças estão ocorrendo num momento delicado da economia brasileira e do próprio Casino — os resultados, naturalmente, estão piorando. No segundo trimestre, a receita do Pão de Açúcar aumentou 6%, enquanto a do concorrente Carrefour, que agora tem Abilio Diniz como um dos principais acionistas, cresceu 10%.

O Pão de Açúcar teve seu primeiro prejuízo trimestral em 17 anos, de 30 milhões de reais. É verdade que o prejuízo das operações internacionais da empresa de e-commerce Cnova, que passaram a integrar o balanço do Pão de Açúcar neste ano, atrapalhou.

Mas, ainda que as perdas do comércio eletrônico sejam excluídas, o lucro do trimestre teria sido de 123 milhões, menos da metade do obtido no mesmo período do ano passado.

A maior redução no lucro ocorreu, como é de esperar, nas operações da Via Varejo, mais afetadas pela recessão e pelo encolhimento do crédito. Mas a lucratividade do varejo alimentar também vem sendo afetada pela crescente importância de redes menos rentáveis, como a bandeira de atacarejo Assaí.

Numa operação de emergência, Hidalgo, o chefe da área financeira, comandou uma operação para preservar o caixa, diminuindo os estoques em 7%, em média, e aumentando prazos de pagamento a fornecedores. A estratégia conseguiu elevar o caixa em 1,5 bilhão de reais em relação ao mesmo período de 2014, para 7 bilhões de reais.

Ainda não está claro qual será o efeito nos lucros das novas políticas comerciais e da prioridade dada aos supermercados menores, e talvez esse efeito só seja visível depois de o Brasil sair da recessão. Na dúvida, o mercado derrubou as ações do Pão de Açúcar, que acumulam perdas de 36% no ano, ante uma desvalorização de 7% do Índice Bovespa.

Internacionalmente, o momento também não é dos melhores para o Casino. No primeiro semestre, vendas ruins na França e no Brasil derrubaram o resultado global. Pouco depois, o grupo anunciou uma reorganização das atividades na América Latina cujo efeito prático foi transferir 1,8 bilhão de dólares em caixa da subsidiá­ria colombiana para a França.

Com o dinheiro, a matriz deve reduzir seu endividamento, de 8,5 bilhões de euros, um problema antigo para Naouri. A brutal desvalorização do real, que já chega a 70% em um ano, complicará mais a vida do Casino — o Brasil, afinal, representou 35% das vendas do grupo no ano passado. Ninguém precisa tanto que o “Pão francês” dê certo quanto os próprios franceses. 

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