Revista Exame

“Sacrifício é inevitável”, diz o homem mais rico de Portugal

Américo Amorim, o homem mais rico de Portugal, perdeu 3 bilhões de dólares com a crise. Mas, segundo ele, não há saída para o país a não ser apertar o cinto

Extração de cortiça em Portugal: o grupo Américo Amorim tem 30% do mercado mundial de rolhas ( Scott S.Warren/National Geographic/Corbis)

Extração de cortiça em Portugal: o grupo Américo Amorim tem 30% do mercado mundial de rolhas ( Scott S.Warren/National Geographic/Corbis)

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Da Redação

Publicado em 15 de agosto de 2013 às 10h28.

São Paulo - Nas últimas semanas, Portugal voltou a ser o destaque negativo da crise sem fim na zona do euro. A saída do ministro das Finanças, Vitor Gaspar, fez crescer o medo de que o país abandone o plano de austeridade imposto pela tría­de formada por FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia.

Os juros cobrados por investidores para financiar o país dispararam. Para Américo Amorim, o homem mais rico de Portugal (mesmo após perder cerca de 3 bilhões de dólares nos últimos anos), não há motivo para tanto barulho.

Maior acionista da Galp, empresa portuguesa de petróleo, e maior produtor mundial de cortiça, Amorim acredita que o país não vai desviar da política de austeridade — que, na sua visão, é a única maneira de corrigir os erros do passado.

Aos 78 anos e firme no comando do grupo de empresas que leva seu nome, ele defende o aumento da produtividade e das exportações como saída para tirar o país da crise.

No Brasil, costurou uma parceria entre a Galp e a Petrobras para a exploração de petróleo e está lançando um condomínio na praia do Forte, no litoral da Bahia, com investimentos de 185 milhões de reais. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que Amorim concedeu a EXAME por telefone.

EXAME - O que o senhor achou das recentes mudanças na equipe econômica do governo de Portugal?

Américo Amorim - Com certeza, a saída de Vitor Gaspar do Ministério das Finanças é significativa. Mas não acredito que haverá grande mudança na condução da política econômica. A ministra Maria Luis Albuquerque, que assumiu o posto, está há muitos anos no ministério e conhece bem o viés da política econômica adotada pelo atual governo.  

EXAME - As medidas implantadas em Portugal após o estouro da crise parecem estar corroendo a unidade entre os partidos que formam a coalizão do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho. A austeridade é necessária?

Américo Amorim - As reformas estruturais sempre têm um custo para a população. Mas é preciso encontrar um equilíbrio entre quanto o estado arrecada e o volume de gastos. Não se pode gastar de forma indefinida, superando o potencial de geração de riqueza da economia. 

EXAME - A austeridade é a melhor opção para enfrentar a crise? 

Américo Amorim - Os erros cometidos ao longo dos últimos anos tornaram inevitável a implementação de políticas de austeridade. É nítido que essas políticas tiveram impactos muito sérios na vida da população portuguesa, principalmente por causa do aumento do desemprego.


EXAME - Qual foi o maior erro de Portugal nas últimas décadas? 

Américo Amorim - É preciso ressaltar que o país se modernizou muito nos últimos tempos. Dito isso, o grande erro foi o aumento exagerado dos gastos públicos. Isso levou a uma elevação substancial da dívida e do déficit público. Não era possível continuarmos consumindo e gastando a riqueza que não produzimos.

Como não a produzíamos, acabávamos financiando a diferença com terceiros. Agora parece ter ficado claro que a presença do governo na economia era excessiva, o que limitava o investimento privado e o crescimento econômico.

EXAME - Países como Espanha e França têm demonstrado vontade de relaxar as reformas. Portugal vai seguir o mesmo caminho?

Américo Amorim - Não acredito nisso. O país vem encarando de maneira até simpática as necessidades de reformas estruturais. As greves são realizadas sem violência, o que demonstra o espírito pacífico da população. Claro, as pessoas estão sofrendo mais ou menos conforme a adoção de novas medidas.

Também é certo que não vivemos tão bem como antes. Mas não estamos desesperados. Isso nos dá um pouco de otimismo em relação ao futuro. Agora que já foram atingidos alguns dos objetivos do ajuste fiscal em andamento, podemos começar a pensar em executar políticas que fomentem o investimento privado, o crescimento e o emprego, sem repetir os erros do passado.

EXAME - O senhor acredita em uma retomada da economia portuguesa? 

Américo Amorim - A economia portuguesa irá, é claro, retomar o caminho do crescimento, mas será um processo lento. É essencial adotar de imediato políticas que beneficiem a economia no curto prazo e que tenham um custo razoável no longo prazo.

O aumento da produtividade e o comportamento das exportações serão determinantes para essa retomada. Sendo Portugal uma economia muito aberta para o exterior, que tem na Europa alguns de seus principais mercados, a recuperação estará muito ligada ao que acontecer com os parceiros comerciais.

EXAME - Suas empresas estão investindo em Portugal? 

Américo Amorim - Sempre investi em Portugal. A Galp acaba de concluir o maior investimento industrial da história do país. É preciso entender, no entanto, que somos uma economia pequena. Naturalmente os investimentos em outros países são maiores. 


EXAME - Qual é a participação de Portugal nos resultados apresentados pelo grupo Américo Amorim? 

Américo Amorim - Minha família, desde o início do grupo, buscou mercados fora de Portugal. A origem foi o negócio de cortiça, o que nos obrigou desde sempre a viajar pelo mundo para exportar nossos produtos. Hoje, as receitas no exterior representam cerca de 90% de nosso resultado. 

EXAME - Qual é seu conselho para os empresários europeus que estão em dificuldades por causa da atual crise? 

Américo Amorim - As dificuldades só serão superadas de duas formas. Produzindo na Europa, mas com redes de distribuição com escala mundial. E com investimentos em países de grandes populações e potencial de crescimento econômico.

EXAME - O senhor tem ampliado seus investimentos no Brasil, principalmente por meio da Galp. É o país em que o senhor mais tem investido?

Américo Amorim - Sim. O Brasil, por razões culturais, é um mercado natural para o investimento dos empresários portugueses. E é um país repleto de oportunidades. A Galp, da qual sou o principal acionista, tem investido muito no Brasil. É a segunda empresa, depois da Petrobras, com maior número de ativos na área da bacia de Santos.

Já no setor imobiliário, o grupo acaba de lançar um projeto no litoral da Bahia, com previsão de investimentos de 185 milhões de reais. Estamos planejando outro empreendimento na mesma região. Ainda temos participação no banco Luso-Brasileiro.

EXAME - Em quais outros mercados o senhor tem investido?  

Américo Amorim - Angola e Moçambique, dois países que têm grande afinidade com Portugal. Em Angola, fundamos o banco BIC, com mais de 185 agências atualmente. Temos também investimentos no setor imobiliário, principalmente em Luanda.

Em Moçambique, criamos o Banco Único há dois anos. E claro que no negócio da cortiça, no qual somos líderes mundiais, temos uma presença global, com exportações para mais de 100 países. 

EXAME - Segundo a revista Forbes, sua fortuna encolheu quase 3 bilhões de dólares nos últimos anos. Como o senhor lida com esse prejuízo? 

Américo Amorim - Em relação a 2009, continuo praticamente com os mesmos ativos, talvez mais. Nunca discuto publicamente a forma como foi ou poderá ser valorizado meu patrimônio. O que posso dizer é que hoje me sinto mais confortável, economicamente falando, do que há três anos.

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