Revista Exame

"O protesto é positivo para a democracia", diz filósofo

Para Roberto Romano, da Unicamp, a eclosão das manifestações é uma prova de que o setor público no Brasil não tem respeito pelo cidadão

Romero Romano sobre os protestos em São Paulo: “No Fora, Collor, o PT estava por trás da mobilização. Agora o movimento é apartidário” (Grmisiti/Flickr)

Romero Romano sobre os protestos em São Paulo: “No Fora, Collor, o PT estava por trás da mobilização. Agora o movimento é apartidário” (Grmisiti/Flickr)

DR

Da Redação

Publicado em 20 de junho de 2013 às 12h00.

Última atualização em 20 de fevereiro de 2018 às 11h36.

São Paulo - Professor de ética e filosofia política da Unicamp, Roberto Romano é autor de inúmeros artigos sobre democracia. Ao longo de sua carreira, sempre procurou entrelaçar questões da atualidade com estudos de problemas fundamentais da tradição filosófica.

Para Romano, é um erro menosprezar as manifestações que tomaram as principais cidades brasileiras sob o argumento de que são mera demanda pela redução das tarifas de transporte público. “Os protestos são mais do que isso. Mostram que os brasileiros sabem reivindicar seus direitos.”

1) EXAME - Qual é o significado dos recentes protestos de rua em várias cidades do país?

Roberto Romano - O Plano Real atenuou a inflação e permitiu a inclusão de vastas camadas da população ao mercado consumidor. A estabilidade econômica deixou a população, de certa forma, adormecida diante dos outros problemas graves, como a péssima qualidade dos serviços públicos.

2) EXAME - A economia cresce pouco, mas no mercado de trabalho a situação ainda é de quase pleno emprego. A adesão aos protestos não surpreende?

Roberto Romano - Basta pegar um ônibus às 6 horas da manhã em Porto Alegre, Salvador, São Paulo ou Rio de Janeiro para ver o tipo de serviço oferecido. É péssimo. E isso ocorre no mesmo momento em que cresce a percepção de corrupção em várias esferas da administração pública. É só observar a quantidade­ de escândalos ligados a empresas de transporte. Isso cansa a população. Foi o que ocorreu.

3) EXAME - O que os protestos revelam do atual estágio da democracia brasileira? 

Roberto Romano - Nosso Estado — Legislativo, Executivo e Judiciário — tem muito pouco respeito pelo cidadão que paga os impostos. Os impostos são altíssimos, mas a qualidade dos serviços é baixíssima. De quebra, não há transparência. Mas, sinceramente, não sei até onde esses protestos podem ir. Por enquanto, é um sinal positivo de que efetivamente existe a possibilidade de nossa população reivindicar direitos.

4) EXAME - Quais são as diferenças entre esses protestos e os que tivemos no passado?

Roberto Romano - No caso do Fora, Collor, de 1992, o país vivia uma situação concreta de inflação altíssima e uma oposição, no caso o PT, organizada de norte a sul para mobilizar as massas. O PT era o catalisador. Depois, o partido chegou ao poder e abandonou essa característica. A novidade agora é os manifestantes fazerem questão de se declarar apartidários.

5) EXAME - O nível da violência não é um fator novo?

Roberto Romano - Desde a ditadura, a polícia é treinada para reprimir, não para orientar ou dissuadir. Se você trata o cidadão como inimigo, vai receber tratamento de inimigo. Isso não quer dizer que não houve excessos por parte da massa.

6) EXAME - Que tipo de mudanças esse movimento pode conquistar?

Roberto Romano - Não dá para prever. A Revolução Russa começou com reivindicações sobre pão e, de repente, virou um regime totalmente novo. Por outro lado, esses protestos também podem acabar na semana que vem. Ninguém sabe.

7) EXAME - Falta liderança ao movimento?

Roberto Romano - Não acredito em líder carismático. É possível que falte um programa. São diversos movimentos, com tendências distintas, e não há uma direção clara.

Acompanhe tudo sobre:ComportamentoEdição 1044EntrevistasFilósofosProtestosProtestos no BrasilTransporte público

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda