Revista Exame

Com os multifranqueados, o poder foi para a ponta

O mercado brasileiro de franquias está cada vez mais concentrado. São os multifranqueados, que já atraem até o interesse de fundos de investimento

Mauro Nomura:  31 lojas (Germano Lüders/Exame)

Mauro Nomura: 31 lojas (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 30 de janeiro de 2020 às 05h40.

Última atualização em 30 de janeiro de 2020 às 11h22.

Todos os anos, no mês de março ou abril, um grupo de empreendedores brasileiros embarca para Las Vegas, nos Estados Unidos, para a feira mundial de multifranqueados. O aumento do tamanho da turma revela uma evolução no mercado brasileiro de franquias. Em 2017, foram seis participantes; em 2019, 18. Multifranqueados são empreendedores que têm várias unidades de franquias, de uma ou mais marcas.

Nos Estados Unidos, alguns operadores têm mais de 1.000 lojas. No Brasil, a tendência é mais recente, mas cresce em ritmo acelerado. Em empresas como a fabricante de cosméticos O Boticário, alguns franqueados chegam a ter uma centena de lojas. O empreendedor Mauro Nomura, dono do Grupo Nomura, é exemplo desse novo tipo de empreendedorismo. Com 31 lojas de calçados Adidas, Arezzo e Schutz, em Florianópolis, São Paulo e Rio de Janeiro, Nomura deve faturar 230 milhões de reais neste ano, 33% mais do que em 2019. Em 2010, eram 11 lojas, com receita total de 35 milhões de reais. “Há cinco anos, ninguém sabia direito o que era um multifranqueado”, diz Nomura.

Iniciativas como essa têm se tornado cada vez mais frequentes — e muitas vezes incluem até planejamentos de expansão feitos sob medida para os bons operadores. A Domino’s, do Grupo Trigo, vendido ao fundo Vinci Partners em 2018 por cerca de 300 milhões de reais, acabou de fechar um plano minucioso de abertura de dez lojas na Região Sul. O trabalho foi feito especialmente para um dos multifranqueados.

“Trata-se de um ótimo operador, que queria abrir mais lojas em alguma região com potencial de retorno financeiro”, diz Carlos Eduardo Martins, presidente da Domino’s. Parcerias até mais incomuns estão surgindo. Há alguns meses, o empreendedor paulista Fabiano Lot, do grupo Faca, com 21 lojas de franquias de alimentação, tornou-se sócio da rede de restaurantes Mania de Churrasco em uma loja aberta recentemente em Brasília. Ele já administra nove franquias da Mania de Churrasco, nove da rede de comida italiana Spoleto e duas da Domino’s na Grande São Paulo.

“Nos shoppings paulistas, praticamente não há mais espaço disponível e eu queria ganhar mais escala”, diz Lot. Em conversas com a Mania de Churrasco, rede de restaurantes fundada em 2001 em São Paulo, com 78 lojas no Sudeste, Lot e os gestores da marca chegaram à conclusão de que valia a pena aprofundar a relação. “Lot é um excelente operador, com conhecimento do negócio e capacidade para nos ajudar na expansão”, diz Marcelo Cordovil, diretor de expansão da franqueadora. A loja de Brasília tem sido um sucesso, com 13 mil clientes em dezembro.

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Empreendedores como Nomura e Lot são expoentes de uma sofisticação no mercado brasileiro de franquias. Os grandes franqueadores preferiam diluir os riscos com a contratação de dezenas ou centenas de franqueados, numa estratégia de expansão definida na matriz. Ao franqueado cabia executar o já definido. Mas a crise econômica dos últimos anos acelerou uma mudança que, na visão de especialistas do setor, seria inevitável.

A dificuldade financeira de algumas lojas fez com que as franqueadoras acelerassem a busca por franqueados experientes, dispostos a assumir mais responsabilidade. “Os pequenos franqueados, que tinham só uma loja, tiveram mais dificuldade para enfrentar a perda de clientes”, diz o consultor de franquias Marcelo Cherto, presidente do Grupo Cherto.

Toque para ampliar. | Foto: Leandro Fonseca

Na rede Mania de Churrasco, que faturou 224 milhões de reais em 2019, o dobro de 2017, hoje 70% dos franqueados têm mais de uma loja. Há quatro anos eram apenas 30%. Na Domino’s, os multifranqueados têm metade das 224 franquias no país. Com uma estrutura operacional mais robusta, os multifranqueados em geral conseguem baixar custos, como gastos com energia elétrica e água e também com insumos básicos. Tudo isso ajuda a elevar a rentabilidade do negócio, mantém mais dinheiro em caixa e facilita o ganho de escala.

Alguns multifranqueados têm inovado também no pós-venda. O carioca Leonardo Sobral, franqueado de 24 lojas das redes de roupas Levi’s e Hering e da rede de cosméticos O Boticário, criou uma estratégia para tornar fiel a clientela. Os funcionários de sua empresa, a Sfera Multifranquias, telefonam para os consumidores para saber se gostaram do produto que compraram. Quando há alguma insatisfação com o produto, um funcionário da Sfera visita os clientes para entender os motivos da reclamação e procurar uma solução.

“Convidamos o cliente para ir à loja e oferecemos um atendimento especial”, diz Sobral. Com iniciativas dessa natureza, o valor médio de cada venda da Sfera aumentou 12% no ano passado. “Para as marcas, é um passaporte para o crescimento sustentável”, afirma Alberto Oyama, diretor da unidade de multifranqueados na Associação Brasileira de Franchising.

Os bons resultados dos multifranqueados começaram a chamar a atenção até de fundos de investimento. Segundo EXAME apurou, o Vinci Partners e o americano H.I.G. Capital, com 35 bilhões de dólares em ativos, estudam investimentos. A tendência de ganho de escala dos multifranqueados, a resiliência perante a crise econômica e o aumento da procura por alimentação fora do lar estão entre os fatores de atração. Nomura vem conversando com vários desses fundos. “Provavelmente, em 2021 receberemos algum aporte”, afirma ele.

Seria um divisor de águas no setor de franquias, um importante motor da economia. No ano passado, esse mercado movimentou quase 187 bilhões de reais, ante 175 bilhões em 2018. De 2014 a 2018, no auge da queda do consumo das famílias, o setor cresceu cerca de 30%. “O mercado ainda pode amadurecer mais, com a chegada de novas marcas e o fortalecimento cada vez maior dos bons operadores, como já acontece em outros países”, diz Oyama.

A referência é o mercado americano. Mais da metade dos franqueados por lá tem mais de uma loja. O Flynn Restaurant Group, que opera 1.245 restaurantes das marcas de fastfood Aplebee’s, Taco Bell e Arby’s e  da rede de padarias Panera Bread, faturou 2 bilhões de dólares em 2019. O grupo recebeu em 2014 investimentos da ordem de 300 milhões de dólares do Ontario’s Teacher’s Pension Plan, um dos maiores fundos de pensão canadenses. O NPC International não fica muito atrás, com 25 mil funcionários e mais de 1.000 lojas de Pizza Hut e Wendy’s, e um faturamento de mais de 1 bilhão de dólares.

Já o grupo mexicano Alsea, criado em 1997, opera mais de 3.000 restaurantes de Burger King, Starbucks, Domino’s, P.F Chang’s e Cheescake Factory. As lojas estão distribuídas por México, Chile, Argentina, Colômbia, Espanha e França. A empresa faturou 2,6 bilhões de dólares em 2018 e abriu o capital no México há seis anos. Neste ano, deve abrir na Espanha. “O mercado brasileiro está no caminho certo para chegar ao ponto de maturidade de outros países”, diz Cherto.

Toque para ampliar. | Foto: André Valentim

O risco dessa concentração é desvirtuar o próprio conceito de franquia, que proporciona à dona da marca o controle das decisões — e royalties livres de risco. Uma gestão descentralizada tende a reduzir margens, que passam do franqueador para o franqueado. Para empresas como Domino’s, O Boticário e Arezzo, parece que vale a pena apostar. 

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