Revista Exame

O novo banco Safra é mais do mesmo

O sétimo maior banco brasileiro entra na briga para comprar a operação do Citi no Brasil. Mas que ninguém espere grandes mudanças no mais tradicional banco do país


	Joseph Safra: o banqueiro mais rico do país dará a palavra final sobre a compra do Citi
 (Epitacio Pessoa)

Joseph Safra: o banqueiro mais rico do país dará a palavra final sobre a compra do Citi (Epitacio Pessoa)

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Da Redação

Publicado em 18 de junho de 2016 às 05h56.

São Paulo — Ninguém no mercado financeiro pode dizer que foi pego de surpresa pela decisão do Citi de vender sua unidade de varejo no Brasil. O banco americano tentou de tudo para fazer a subsidiária parar de pé. Chegou até a criar uma financeira voltada para a baixa renda, e tentar assim ganhar dinheiro com a ascensão da classe C — mas teve resultados pífios e encerrou o negócio.

A surpresa, no início, ficou por conta de um potencial comprador. Assim que o Citi anunciou a intenção de vender, a empresa de investimento XP — que nem tem autorização para funcionar como um banco no país — disse que queria comprar. Acabou desistindo semanas depois.

Parecia, portanto, que o leilão seria disputado pelos suspeitos de sempre: Santander e Itaú (o Bradesco está ocupado demais engolindo o HSBC). Mas eis que surgiu um interessado com potencial para bagunçar as coisas: o banco Safra, que decidiu fazer uma oferta pelo Citi.

Sétimo maior banco do país, o Safra nunca fez uma aquisição relevante por aqui e funciona há anos basicamente do mesmo jeito, atendendo empresas de médio porte e alguns poucos clientes de alta renda. Para quem acompanha o banco de longe, a tentativa de comprar o Citi parece um sinal de novos tempos para o banco, hoje comandado pelos irmãos Alberto e David Safra, filhos do patriarca, ­Joseph.

Mas a lógica por trás do interesse no concorrente americano mostra que o banco não mudou tanto assim. EXAME apurou que o Safra só irá adiante se o negócio com o Citi partir das mesmas premissas que orientaram o banco desde sempre. O conservadorismo financeiro é a principal delas.

Como nenhum concorrente parece disposto a pagar uma fábula pela modesta subsidiária do banco americano, os donos do Safra acreditam que conseguirão negociar e pagar relativamente pouco.

Com resultados pouco vistosos no Brasil, o Citi deve ser vendido por um preço mais baixo do que outros bancos que deixaram o país: a expectativa é que o preço de venda fique em torno de 6 bilhões de reais, pouco mais do que seu patrimônio. O HSBC foi vendido por 1,8 vez o patrimônio, ou 5,2 bilhões de dólares.

“É mais um movimento de oportunidade do que uma vontade de pagar o que for necessário para crescer mais do que os concorrentes”, diz um executivo que faz negócios com o banco.

O Safra sempre foi conservador — sua carteira de crédito cresceu bem menos do que a da concorrência nos últimos anos — e bastante rentável. Nada indica que a nova geração que começou a asssumir o banco há cerca de oito anos esteja disposta a mudar de estratégia.

Estrutura peculiar

Controlado por Joseph Safra, o banqueiro mais rico do país (com uma fortuna de 18 bilhões de dólares), o Safra tem uma estrutura de comando peculiar. O presidente oficial é Rossano Maranhão, que foi o principal executivo do Banco do Brasil de 2004 a 2006. Ele é responsável pelo relacionamento institucional — é quem costuma aparecer nas reuniões da Febraban, a federação dos bancos, por exemplo.

Alberto e David tocam o dia a dia. Com 36 anos, Alberto administra a área de atendimento a empresas, que responde por 90% da carteira de crédito do Safra. David, que tem 34 anos, cuida do segmento de clientes individuais, que inclui a corretora e a gestora de recursos.

Uma pesquisa feita no ano passado pela consultoria A.T. Kearney, que mediu a percepção de cerca de 30 empresas sobre os principais bancos do país, mostra que elas consideram os produtos e os serviços do Safra “excelentes” e veem a instituição como “flexível” e também “oportunista” — ou seja, é capaz de atender às necessidades dos clientes de forma rápida e personalizada, mas cobra caro por isso.

A negociação para comprar o Citi é a primeira grande operação que está sendo tocada pelos filhos, mas o aval para fechar negócio deverá vir do pai, que mora na Europa. O Safra não deu entrevista. A tentativa de compra do Citi vem num momento delicado.

Em abril, Joseph Safra e o ex-diretor João Inácio Puga tornaram-se réus no processo que investiga o suposto pagamento de propinas para obter decisões favoráveis à JS Administração de Recursos, que pertence ao grupo Safra, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. A investigação faz parte da Operação Zelotes. Em nota divulgada após a denúncia, o Safra disse que a acusação é “infundada”.

De acordo com funcionários da instituição ouvidos por ­EXAME, não houve nenhum comunicado interno sobre o episódio — muito menos reuniões ou orientações sobre o que os gerentes deveriam falar aos clientes que ligassem para saber o que estava acontecendo. “Recebi algumas ligações e disse para os clientes ficarem tranquilos porque estávamos funcionando normalmente”, diz um gerente.

Um diretor chegou a falar informalmente com seus subordinados que, caso alguém perguntasse, o melhor era procurar o departamento jurídico. À primeira vista, essa atitude pode surpreender. Para os clientes do Safra, no entanto, não fez a menor diferença: eles parecem habituados ao estilo ultradiscreto do banco, algo que vem de décadas.

Um levantamento feito, a pedido de EXAME, pelo Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas mostra que houve mais investimentos do que resgates nos fundos da instituição nos cinco primeiros meses de 2016. “A clientela do Safra é muito fiel”, diz um consultor do setor bancário. Além disso, os números do banco são excelentes.

A rentabilidade, de 20%, foi a maior do setor no primeiro trimestre deste ano, a inadimplência é baixa e o crescimento tem sido pé no chão e constante (veja quadro abaixo). Num relatório recente, a agência de classificação de riscos Fitch destaca a “boa qualidade de crédito do banco” e o monitoramento frequente da exposição a riscos operacionais.

Ao contrário do que acontece no Brasil, o Safra fez aquisições relevantes no exterior. Em outubro de 2014, em sociedade com a Cutrale, maior produtora brasileira de suco de laranja, pagou 1,3 bilhão de dólares pela Chiquita Brands, principal produtora de banana do mundo. Três anos antes, havia comprado o banco suíço Sarasin por 1 bilhão de dólares.

Executivos do mercado dizem que, lá fora, a estratégia do Safra não é procurar barganhas, mas ícones capazes de gerar receitas constantes por anos. O Citi no Brasil perdeu muito do brilho que tinha no passado, mas tem atrativos.

Para o Safra, o principal são os cerca de 200.000 clientes de alta renda. Se sair vitorioso, poderá aumentar seu total de ativos em quase 60%, para 222 bilhões de reais, e assim passar o BTG Pactual e se tornar o sexto maior banco do país. Maior, é verdade — mas do mesmo jeitão de sempre.

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