Revista Exame

O negócio da confiança

Quer emprestar — ou tomar emprestado — uma furadeira, um home theater, um carro ou um apartamento? Essa é a ideia por trás de uma nova onda de negócios na web

Clark, da Relay Rides: aluguel de carros de pessoas para pessoas pela internet (David Paul Morris)

Clark, da Relay Rides: aluguel de carros de pessoas para pessoas pela internet (David Paul Morris)

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Da Redação

Publicado em 8 de setembro de 2011 às 20h19.

São Paulo - usar a internet pode ser arriscado. Novas modalidades de crimes digitais surgem a todo momento — vírus que atacam contas de Facebook; invasões de internet banking responsáveis por prejuízos milionários; golpe do bilhete premiado conquistando a rede.

Questões de segurança, como é de esperar, sempre ocuparam lugar importante em discussões do mundo online. Na contramão de todo o alarmismo, porém, esse é um problema que parece preocupar um grupo cada vez menor de pessoas.

Segundo um estudo divulgado recentemente pela Universidade de Melbourne, na Austrália, a internet é tida hoje como um lugar 20% mais confiável do que cinco anos atrás.

Números como esse refletem um fenômeno que aos poucos começa a ter efeitos pela rede. O principal — e mais recente — deles é o surgimento em massa de novos negócios online com base justamente na crescente confiança dos usuários na internet.

Criada no início de 2010, a Relay Rides, com sede na Califórnia, é uma das empresas a surgir na esteira do fenômeno. Tudo começou quando Shelby Clark, fundador e presidente da companhia, detectou algo que considerou um problema sério no modelo de negócios de locadoras de automóveis.

Em dias de pico de demanda, ele raramente conseguia alugar um carro. Nas ruas, porém, veículos vazios de particulares tomavam a paisagem.

Eis a ideia de Clark: e se as pessoas alugassem os próprios car­ros, umas para as outras, em períodos ociosos? Poucos meses depois, iria ao ar o protótipo da Relay Rides, um site de aluguel colaborativo de automóveis. 

A ideia, num primeiro momento, pode parecer um tanto absurda. Quem alugaria o próprio carro a um desconhecido? Mas há cada vez mais pessoas acreditando no futuro de negócios desse tipo.


Em março, a empresa recebeu um aporte da Google Ventures, fundo de investimento do Google. No início de agosto, a Relay Rides levantou outros 10 milhões de dólares em uma segunda rodada de aportes.

“Pode ser difícil imaginar um negócio desses dez anos atrás”, diz Clark. “Mas hoje as pessoas confiam muito mais em relações virtuais.” Com mais de 2 000 usuá­rios nas duas cidades em que atua, a Relay Rides inicia agora a expansão para outras regiões dos Estados Unidos. Seu faturamento, não divulgado, vem de uma comissão cobrada sobre a transação entre as partes. 

Mas os carros são apenas parte do fenômeno. Em toda a rede, internautas parecem hoje tomados por uma nova disposição para estabelecer relações comerciais com estranhos. A começar pelo compartilhamento de qualquer bem pessoal imaginável: furadeiras, home theaters, roupas de grife ou mesmo a própria casa.

“As pessoas são fundamentalmente boas”, diz o lema da AirBnB, empresa-símbolo da era do “consumo colaborativo”, conceito que abriga boa parte das novas iniciativas desse tipo. Em pouco mais de dois anos de vida, o sistema já foi utilizado em mais de 2 milhões de ocasiões por usuá­rios que se hospedam em moradias de outros membros do site por um valor fixo por noite, como em um hotel.

Com investimentos de 120 milhões de dólares, e avaliada em 1 bilhão de dólares, a AirBnB é tida como uma das mais promissoras do Vale do Silício. 

Dinheiro investido em negócios desse tipo pode ajudar. Mas especialistas atribuem o clima de confiança geral sobretudo à evolução de mecanismos de reputação surgidos na própria rede. As lições vêm de empresas como o eBay, uma das primeiras tentativas de aliar o comércio com o mundo online.

Mais do que provar que tal combinação era possível, o sucesso do eBay estabeleceu práticas de mercado hoje vistas como essenciais para o surgimento da nova geração de negócios na rede, como a criação de um engenhoso sistema de reputação de usuários.

Outros mecanismos se seguiram às criações do eBay ao longo dos anos: sistemas de sinalização, contas caução, avaliação de usuários.


Mais recentemente, a integração e a influência de redes sociais em sites de comércio eletrônico provaram ser outro vetor a contribuir para o aumento da percepção de segurança dos usuários.

De acordo com uma pesquisa do instituto Pew Internet, usuários do Facebook têm até duas vezes mais inclinação a confiar em desconhecidos. O efeito positivo, nesse caso, tem origem em padrões de segurança impostos pelas redes. No passado, a internet já foi vista como o paraíso do anonimato.

Atual­men­te, para fazer parte do Facebook, maior rede social do mundo, exige-se que o usuário utilize nome e sobrenome reais, checados por um departamento da companhia. Há três meses, funciona no Brasil o Descola Aí, um dos primeiros sites de consumo colaborativo do país, especializado em artigos domésticos.

Aspectos de segurança têm sido desde o início a principal preocupação dos fundadores da companhia. “Checamos o CPF das pessoas e recolhemos cheque caução a cada empréstimo”, diz Guilherme Brammer, fundador do Descola Aí. “Mas os mecanismos de segurança mais eficazes ainda são aqueles controlados pela própria comunidade.”

Nem sempre, no entanto, é possível evitar problemas. Desde julho, a ­AirBnB passa pela maior crise de imagem de sua curta história. Apesar das precauções e de sua ativa comunidade de usuários, nada pôde impedir que um dos membros tivesse a casa praticamente destruí­da por um visitante em São Francisco.

A empresa se defendeu dizendo que esse foi o único caso grave registrado em mais de 2 milhões de reservas. O risco pode bem ser de 0,5 em 1 milhão. Mas que existe, existe.

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