Revista Exame

Agro, saúde, mineração e mais: a inteligência artificial já está em mais lugares do que se imagina

De seguradoras de veículos a laboratórios de saúde, a inteligência artificial generativa já está presente em lugares que nem sequer desconfiávamos

Robô da Vale: equipamentos usados para mapeamento de dutos e galerias (Divulgação/Divulgação)

Robô da Vale: equipamentos usados para mapeamento de dutos e galerias (Divulgação/Divulgação)

Marcus Lopes
Marcus Lopes

Jornalista colaborador

Publicado em 5 de outubro de 2023 às 06h00.

Há cerca de três anos, para cada pacote de açúcar produzido e embalado pela Uisa, uma das maiores biorrefinarias do país, eram ensacados cerca de 11 gramas a mais do produto, excedente equivalente a pouco mais de uma colher de sopa. Graças a um sistema que combina inteligência artificial e dosador gravimétrico, que gera mais precisão na pesagem, hoje são apenas 2 ou 3 gramas a mais por pacote, somente como margem de segurança.

Depois que o sistema foi instalado na linha de produção da usina, foram economizados, no total, 520 toneladas de açúcar e 1,470 milhão de reais para os cofres da companhia, números referentes apenas à safra de 2022.

Outro exemplo de tecnologia de ponta está no controle de pragas nas plantações da Uisa. Antes, o controle era manual e poderia levar mais de dez dias entre a identificação da praga e a aplicação de um herbicida eficiente. Hoje, o processo foi reduzido a algumas horas. Por meio de uma fotografia feita por um profissional no campo, a IA identifica o tipo de praga, indica o remédio correto e a área de aplicação, que é feita por meio de drones.

“Quanto antes o controle da praga é feito, maior é a nossa produtividade”, explica Rodrigo Ribeiro Gonçalves, diretor de tecnologia e inovação da Uisa. Segundo ele, a tecnologia de ponta ajudou a companhia nos últimos quatro anos a aumentar a produtividade geral de 88% para 94% e reduzir em 8% o consumo de diesel nas unidades de produção.

Instituto Tecnológico Vale, em Ouro Preto: laboratório de robótica (Nilmar Lage/Divulgação)

A persistência da Fujifilm

A inteligência artificial serve como ferramenta para uma marca tradicional no mercado de filmes e câmeras fotográficas, a Fujifilm. Ao contrário de outras empresas do ramo que também se estabeleceram nos tempos analógicos da fotografia, e sucumbiram após a digitalização das câmeras e o advento dos smartphones, a Fuji se reinventou e oferece ao mercado câmeras fotográficas de última geração.

Os equipamentos digitais são providos de sistemas como o ­Autofocus, que utiliza a IA para detectar objetos e é capaz de identificar animais, automóveis, veículos e pássaros, possibilitando maior precisão e qualidade à imagem captada.

“A inteligência artificial estará cada vez mais presente na vida das pessoas. O futuro da fotografia com inteligência artificial é promissor e continuará trazendo avanços significativos, como melhoria na qualidade das imagens, edição inteligente e interação com dispositivos e aplicativos”, explica Shin Tagawa, presidente da Fujifilm do Brasil. Tagawa também destaca soluções em equipamentos de saúde, como na unidade portátil do raio X, em que a tecnologia de IA ajuda a detectar doenças imediatamente, como a tuberculose e a covid-19.

A ficção científica se tornou realidade

O conceito moderno de inteligência artificial surgiu em meados do século passado, como algo bastante abstrato e restrito a matemáticos e cientistas. Décadas se passaram, e o que parecia ficção científica tornou-se uma realidade cada vez mais presente no dia a dia das pes­soas, mesmo que elas não saibam disso. Da seguradora que identifica o roubo de um veículo antes do proprietário ao aplicativo que detecta células cancerígenas em pets, os algoritmos já estão presentes em lugares que nem sequer desconfiávamos.

“Conseguimos diminuir de 55 para 24 minutos o tempo de resposta ao ponto de localização de um veículo roubado ou furtado. Quanto mais rápido a notificação vier para a nossa central, maiores serão as chances de recuperação do veículo”, explica Amit Louzon, CEO da Ituran Brasil. A seguradora de matriz israelense utiliza inteligência artificial para detectar, imediatamente após a ocorrência, movimentos do veículo que indicam que ele foi alvo de roubo. Para isso, são utilizados algoritmos que comparam rotas e até o comportamento de quem está ao volante com os dados do proprietário.

Inteligência artificial é o futuro

Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira de Automação-GS1 com setores produtivos mostra que, até o fim de 2022, 9% das indústrias brasileiras já utilizavam algum tipo de inteligência artificial em suas atividades, mais do que o dobro do registrado em 2021. Entre as empresas de comércio e serviços, pelo menos 6% já haviam aderido à tecnologia de ponta, índice que sobe para 10% quando é feito um recorte apenas no setor de varejo.

“Um em cada dez varejistas já usa, de alguma maneira, a inteligência artificial em suas operações”, diz a CEO da associação, Virginia Vaamonde. No total, foram entrevistadas para a pesquisa 2.887 empresas dos setores de comércio e de serviços e 2.064 indústrias de todo o Brasil.

Mudanças na área da saúde

Na saúde, o processamento de informações por meio de algoritmos tem feito a medicina avançar várias casas em direção a diagnósticos mais precisos, rápidos e, resultado disso, tratamentos mais eficazes. Uma pesquisa feita pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), em conjunto com a Associação Brasileira de Startups de Saúde (ABSS), revela que 62,5% dos hospitais privados do Brasil já utilizam a inteligência artificial de alguma maneira, tanto na área clínica como na administrativa. Os dados foram levantados entre julho e setembro deste ano.

“Além de possibilitar diagnósticos mais precisos, a IA pode auxiliar na personalização do tratamento, monitoramento contínuo de pacientes crônicos em casa, e melhora nas pesquisas médicas, trazendo uma evolução ainda maior na descoberta de novos tratamentos”, explica Felipe ­Cabral, coordenador da Anahp e gerente médico de saúde digital do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.

Em alguns casos, o cruzamento de dados por meio de informações do paciente já permite detectar pacientes mais suscetíveis a determinadas doenças, como câncer. Além disso, os médicos contam com o auxílio da inteligência artificial para o prognóstico de pacientes.

“Em vez de o médico ficar olhando no microscópio, a inteligência artificial indica quais aspectos merecem mais atenção nos exames do paciente, para que seja tomada a melhor decisão. A IA também pode indicar tratamentos complementares necessários, conforme o caso”, explica Bruno Benigno, urologista e oncologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.

Isso não quer dizer, explica Benigno, que os médicos serão substituídos, no futuro, pelos algoritmos, mas a ferramenta deve tornar-se uma aliada tão poderosa quanto o bisturi. “A medicina mudou. Os médicos que não utilizam inteligência artificial provavelmente serão substituídos por aqueles que utilizam”, diz Benigno.

A opinião é compartilhada por Osvaldo Landi Júnior, gerente médico de inovação e dados da Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem (Fidi), que utiliza algoritmos no processo de avaliação de exames clínicos em que são identificados os casos mais graves.

“Os exames com achados críticos são priorizados na lista de trabalho dos radiologistas, garantindo a atenção necessária no menor tempo possível. Com a capacidade de processar grandes volumes de dados e aprender com eles, a IA pode auxiliar profissionais de saúde e otimizar o atendimento aos pacientes”, explica Landi.

Exames médicos

A Fidi, uma organização de saúde filantrópica, realiza mais de 5 milhões de exames por ano, sendo a maior prestadora de serviços por imagem do Sistema Único de Saúde (SUS). No caso da saúde pública, explica Landi, a tecnologia de ponta ­poderia ser utilizada na rede pública para a identificação de casos mais graves, que precisam ser priorizados no acesso a procedimentos de alta complexidade.

“A análise de dados também é uma forma de identificar populações desassistidas para determinados tipos de tratamento, avaliar a oferta e a demanda para serviços de saúde e apoiar decisões de políticas públicas”, enumera.

Saúde dos pets

A saúde dos pets também já conta com a inteligência artificial. A Mars, por meio do centro de inovações da companhia, desenvolveu uma tecnologia para veterinários que identifica, em poucos minutos e com ajuda da IA, tumores em cães e gatos. O processo é o seguinte: a biópsia é escaneada e gera uma imagem digital. O algoritmo detecta a região do tecido comprometido e começa a localização e a contagem das células em mitose.

Após o processamento da imagem, um relatório com os resultados é enviado ao clínico para conclusão do diagnóstico. “Um veterinário que levava 200 minutos analisando as imagens para chegar a uma conclusão gasta hoje menos de 3 minutos. Isso contribui para início mais rápido e maior precisão do tratamento”, explica Renato Monteiro, diretor executivo de tecnologias digitais da Mars. Desde que a ferramenta foi criada, no começo de 2022, mais de 1,5 milhão de biópsias de pets já foram realizadas.

Virginia Vaamonde, da Associação de Automação: IA presente no varejo (Douglas Luccena/Divulgação)

Ciências jurídicas

Os algoritmos também contribuem para o dia a dia das ciências jurídicas. Antigamente, os profissionais ligados à Associação dos Advogados (AASP) recebiam, de forma manual e impressa, num sistema “recorta e cola”, as intimações referentes aos processos em que atuam publicadas nas edições de diários oficiais de todo o país. Agora, com a ajuda dos algoritmos, os advogados recebem não apenas a notificação por e-mail mas sugestões de jurisprudência e doutrina relacionadas ao processo.

O programa está sendo aprimorado pela entidade. “A proposta é facilitar ainda mais, já que o profissional recebe, em questão de segundos, informações que antes levariam horas ou mesmo dias, em longas pesquisas. O tempo passa a ser um recurso a favor dele, que consegue trabalhar melhor e com mais dedicação”, diz Eduardo­ Mange, presidente da AASP.

Mineração

Na mineração, o foco principal com o uso da IA é a segurança das pessoas e a otimização de processos. A Vale já utiliza robôs tanto para o monitoramento e mapeamento de cavernas quanto para inspeção em dutos, galerias de barragens e outros locais perigosos e de difícil acesso.

Para 2024, a mineradora prevê, com a ajuda da IA, a implantação de um projeto de rotores cilíndricos para o deslocamento de navios por meio do mais antigo combustível para embarcações: o vento. Ao rotacionarem com a ajuda do vento, os rotores impulsionam o navio para a frente. Até o próximo ano, a Vale também pretende instalar em toda a frota de navios da companhia sistemas de IA para otimizar o plano de rota das embarcações, possibilitando o monitoramento trecho a trecho, de forma a maximizar o desempenho do navio em suas viagens.


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