Palafitas em Manaus: quase metade da população brasileira vive em áreas sem coleta de esgoto (MICHAEL DANTAS/AFP)
Carla Aranha
Publicado em 18 de junho de 2020 às 05h00.
Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 12h41.
A precariedade do saneamento básico no Brasil, que chega a ser pior do que em países como o Iraque e o Azerbaijão, não é novidade. Agora os pesquisadores tentam entender a relação entre a falta de acesso a água tratada e esgoto coletado e a transmissão da covid-19. Em maio, a Universidade Federal de Pelotas (UFP) realizou uma pesquisa nos maiores municípios de cada região do país — ao todo, foram 133 cidades — para identificar quais apresentavam maior incidência de casos per capita de coronavírus.
No topo da lista aparecem cidades em áreas remotas, como Breves e Castanhal, no Pará, e Tefé, no Amazonas. Em Breves, com 100.000 habitantes, um em cada quatro moradores está contaminado. Em Tefé, onde a densidade demográfica é de apenas 2,5 pessoas por quilômetro quadrado, uma das mais baixas do país, 20% da população já teve contato com o vírus. Em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, esse índice mal chega a 3% da população.
Nos municípios que ocupam o topo do ranking de casos per capita de covid-19, o abastecimento de água é precário. “Mesmo onde há o serviço, ele costuma falhar e, não raro, é interrompido ao longo do dia”, diz Carlos Édison, presidente do Instituto Trata Brasil. Para quem vive nesses locais, higienizar as mãos com frequência, como recomendam os médicos, é uma tarefa quase impossível.
“Não é coincidência que as principais cidades do ranking sejam justamente as que mais têm déficit no saneamento”, diz o epidemiologista Pedro Curi Hallal, reitor da UFP e coordenador do estudo sobre a incidência de covid-19. “A falta de água pode não ser o único fator que explique o alto índice de coronavírus nesses municípios, mas certamente é um deles.”
Para piorar, para quem não consome água tratada os problemas de saúde não tardam a aparecer. “Essas pessoas acabam ingerindo microrganismos que causam uma série de doenças”, diz o bioquímico Sinval Brandão, pesquisador da Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. “Elas têm uma saúde mais debilitada, o que é um prato cheio para a covid-19.”
A cada ano, segundo o Trata Brasil, 230.000 pessoas são internadas com doenças causadas pela ingestão de água sem tratamento e pelo contato com esgoto a céu aberto, como hepatite, leptospirose, esquistossomose, diarreias intensas e outras infecções. Em todo o país, 35 milhões de pessoas não têm acesso a água tratada e metade não conta com coleta de esgoto. Mais uma vez, o Brasil está pagando a conta por décadas de negligência.