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O bolo cresceu: como a gaúcha Orquídea quer faturar R$ 2 bilhões com farinha, biscoito, massa e pão

Em cinco anos, a gaúcha Orquídea dobrou de tamanho e rompeu a barreira do bilhão de reais vendendo, essencialmente, derivados da farinha de trigo

Supermercado Sonda, em São Paulo: a varejista é uma das primeiras a receber as farinhas de trigo da gaúcha Orquídea (Leandro Fonseca/Exame)

Supermercado Sonda, em São Paulo: a varejista é uma das primeiras a receber as farinhas de trigo da gaúcha Orquídea (Leandro Fonseca/Exame)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 26 de outubro de 2023 às 06h00.

Quem está acostumado a comprar farinha de trigo em alguma das unidades do supermercado Sonda na capital paulista pode ter notado uma nova marca nas gôndolas. Há alguns meses, a varejista com atuação em São Paulo e parte de um grupo empresarial com laços no Rio Grande do Sul passou a vender os produtos da Orquídea, um nome familiar nos pampas. Com sete décadas de existência e um faturamento de 1,2 bilhão de reais em 2022, a Orquídea tem 25% do mercado gaúcho de farinhas domésticas, de acordo com dados da consultoria Scanntech. A fatia garante à empresa a liderança de vendas no Rio Grande do Sul, uma região de consumidores apaixonados por marcas locais. Uma das cervejas mais populares entre os gaúchos é a Polar, rótulo da Ambev só vendido no estado. Por ali, proliferam nomes desconhecidos no eixo Rio-São Paulo, como Tumelero (de itens para casa, vendida à francesa Saint-Gobain em 2017), Lebes (eletrodomésticos), Monjuá (roupas) e Nacional, uma rede de supermercados operada pelo Carrefour. Num varejo com tanto tempero local, redes nacionais costumam sofrer para conquistar o consumidor gaúcho.

A aposta da Orquídea em São Paulo quer vencer as diferenças culturais. O momento para avançar a expansão nacional não poderia ser mais oportuno. Sediada em Caxias do Sul, cidade a 125 quilômetros de Porto Alegre, a Orquídea dobrou de tamanho nos últimos cinco anos. Além de vender farinha a grandes clientes, como Nestlé e Bauducco, ampliou o portfólio de pães, biscoitos e massas com marca própria e de terceiros — a multinacional Mondeléz terceiriza parte da fabricação de biscoitos, como o Oreo, para a Orquídea. Agora a empresa gaúcha conclui um investimento de 200 milhões de reais em capacidade produtiva. Outros 30 milhões de reais foram destinados a uma fábrica a ser inaugurada em janeiro de 2024, em São Paulo. Será a primeira fora do Rio Grande do Sul. Hoje, os produtos vendidos nos supermercados paulistanos chegam diretamente das fábricas da empresa em Caxias do Sul, Farroupilha e Bento Gonçalves. O desafio é cortar custos logísticos, um nó a ser resolvido num mercado dominado por concorrentes nacionais e maiores. A cearense M. Dias Branco, dona de marcas como Adria, Estrela e Piraquê, faturou 10 bilhões de reais em 2022. A também cearense J.Macêdo, fabricante da farinha Dona Benta, a mais vendida no Brasil, teve receita de 3 bilhões de reais no ano passado. “Resolvemos abrir a fábrica em São Paulo porque o estado tem um poder aquisitivo acima da média brasileira, o que combina com o que queremos produzir lá”, diz Rogério Tondo, diretor-superintendente da Orquídea. “Além disso, a nova fábrica facilita o frete para além da Região Sul.”

Rogério Tondo, CEO da Orquídea: conservador nos investimentos (Fabio Campelo/Divulgação)

Como a Orquídea quer chegar a R$ 2 bilhões de faturamento

A meta da Orquídea com a expansão nacional é aumentar o faturamento em 50% até 2026, para 2 bilhões de reais. Trata-se de um objetivo ousado para uma empresa fundada em 1953 pelo descendente de italianos Dalvino Tondo, pai de Rogério. Dono de um armazém de secos e molhados em Pinto Bandeira, que herdou do pai e do qual cuidava com os irmãos, ele viu uma oportunidade comercial ao construir um moinho de trigo para beneficiar grãos colhidos no interior gaúcho e vender a produção em armazéns da região. Assim como em outras empresas familiares, a farinha permaneceu sendo o carro-chefe do negócio por décadas. Nos anos 1990, uma ala dos Tondo chegou a ser sócia da Isabela, fabricante de biscoitos, massas e torradas fundada em 1954, em Bento Gonçalves, também na serra gaúcha. Em 1997, a empresa foi vendida à argentina ­Socma, da família do ex-presidente Mauricio Macri, e, em 2013, à M. Dias Branco. “Cláusulas de non compete nos impediram de explorar o mercado de farináceos mais cedo”, diz Rogério Tondo. O início da produção de massas, por exemplo, ocorreu em 2006. A entrada no segmento de biscoitos foi seis anos depois.” De lá para cá, contudo, a farinha continua sendo a estrela da Orquídea: 65% das receitas vêm daí.

Agora, com a expansão nacional, a Orquídea quer redobrar os esforços para depender menos das vendas de farinha de trigo. Como? Concentrando investimentos em produtos premium. A fábrica de São Paulo, por exemplo, deve concentrar a produção de pães artesanais pré-assados e congelados, um nicho que ganhou força na pandemia com milhões de pessoas trancadas em casa e sem condição de ir atrás de um pãozinho quente. No ano passado, a venda de pães industrializados movimentou 12,7 bilhões de reais no Brasil. É uma alta de 78% sobre o volume de 2019, de acordo com dados da Abimapi, a associação de fabricantes de farináceos e derivados. No período, a receita com a venda de farinha in natura cresceu 90%, muito por causa do aumento nos preços do grão no mercado global após o começo da guerra na Ucrânia, um grande produtor global da matéria-prima, no ano passado. Ainda assim, com vendas anuais de 6 bilhões de reais, o segmento de farinha in natura é visto como um mercado de entrada por quem entende de panificação. “O setor costuma se desenhar assim: começa moendo trigo até buscar produtos de maior valor agregado”, diz Claudio Zanão, presidente executivo da Abimapi.

Qual a aposta da Orquídea para pães refinados

Na Orquídea, a busca por produtos premium deu origem à aquisição da marca Sabor de France, voltada para pães refinados, como ciabatta e multigrãos, além de quitutes típicos de padarias europeias, como croissants e pastéis de Belém. Hoje disponíveis aos clientes da Região Sul e com uma presença mais tímida no Sudeste, os produtos da Sabor de France devem ganhar força nos supermercados e padarias de outros estados a partir do ano que vem, após a inauguração da fábrica de São Paulo. Em paralelo, a Orquídea vem ampliando a linha de biscoitos, outro mercado com muito apetite: de 2019 para cá, o faturamento das fabricantes desse tipo de guloseima cresceu 54%, para 29,2 bilhões de reais. Recentemente, a empresa gaúcha lançou uma versão de bolachas de água e sal em embalagens menores, voltadas sobretudo para quem deseja fazer um lanche fitness no meio do trabalho. “É sempre uma aposta, porque fazemos produtos inovadores, que até então não estavam no mercado”, diz Rogério Tondo.

Moinho de trigo em Caxias do Sul (RS): início de uma operação que hoje é de 1,3 bilhão de reais (Fabio Campelo/Divulgação)

Nos últimos anos, negócios reconhecidos pelos gaúchos conquistaram novos públicos ao transpor as fronteiras do estado. A rede de farmácias Panvel, por exemplo, já tem um apelo significativo entre os consumidores das classes A e B em Santa Catarina e no Paraná, sobretudo com linhas próprias de cosméticos e produtos de beleza, e tem olhado para São Paulo. A Quero-Quero, de itens para casa, construção e eletrodomésticos, abriu o capital na B3 em 2020 e, de lá para cá, tem focado a expansão geográfica. Hoje são mais de 500 lojas nos três estados do Sul, além de Mato Grosso do Sul e São Paulo. A expansão nacional da Orquídea segue não apenas os passos de conterrâneos como também os dos concorrentes. A J.Macêdo começou em 1955 como um moinho em Fortaleza. Duas décadas depois, passou a vender biscoitos e massas. A presença nacional veio na virada dos anos 1980, com o lançamento da marca Dona Benta. O tempo dirá se os passos dados agora pela Orquídea para uma presença nacional terão sido na direção correta. Mas uma coisa é certa: a boa presença em solo gaúcho, uma terra de gente apegada aos negócios locais, acaba sendo uma vantagem competitiva relevante na hora de ir para outras bandas. “O importante para nós foi sempre termos sido conservadores nos investimentos”, diz Rogério. “Quando decidimos aportar 200 milhões, pensamos: e se tudo der errado, vamos conseguir passar por essa ponte? Se a resposta fosse ‘sim’, faríamos o investimento. Damos o passo conforme a perna. Se der algum problema, só tropeçamos, não caímos.”

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