Revista Exame

2013 foi o ano da virada em aeroportos e estradas no Brasil?

O governo tirou da gaveta sete concessões em 2013, e o investimento privado em transportes bateu recorde. Agora é preciso manter o ritmo

Novo terminal do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo: a obra, entregue em dois anos e meio, amplia em 40% o tráfego  anual de passageiros (Andre Lessa/EXAME/Site Exame)

Novo terminal do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo: a obra, entregue em dois anos e meio, amplia em 40% o tráfego anual de passageiros (Andre Lessa/EXAME/Site Exame)

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Da Redação

Publicado em 18 de junho de 2014 às 08h51.

São Paulo - A presidente Dilma Rousseff se afasta — felizmente ­— cada vez mais daquela candidata à eleição de 2010 que criticava as privatizações em debates públicos. Diante da marcha lenta do Programa de Aceleração do Crescimento, adotou um discurso pró-concessões pouco tempo depois de assumir o cargo.

Em 2012, foi além e lançou um plano nacional que prevê 206 bilhões de reais de investimentos privados em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos ao longo de três décadas. Passados três anos de seu governo, os resultados da política de atração do capital privado começam a aparecer.

No primeiro semestre de 2014, Dilma marcou presença na inauguração de três novos terminais aeroportuários concedidos à iniciativa privada, em Brasília, São Paulo e Rio Grande do Norte. No discurso de abertura do terceiro terminal do Aeroporto de Guarulhos, em maio, a presidente não poupou elogios às empresas responsáveis pela obra.

Em dois anos e meio, o consórcio Invepar ACSA, que ganhou o leilão do aeroporto, montou uma estrutura de 200 000 metros quadrados que amplia em 33% o fluxo anual de passageiros. Deverão passar por Guarulhos, a cada ano, 48 milhões de pessoas. “Em pouco tempo, as empresas construíram uma excepcional infraestrutura”, disse a presidente, entre sorrisos e aplausos. 

O fato é que o governo passou a reconhecer que, sozinho, não pode resolver o problema da infraestrutura, negligenciada há muito tempo no país. Agora, admite que as empresas são mais ágeis para tocar os empreendimentos e recorre ao capital privado para a realização de grandes obras.

“O poder público depende de uma burocracia que atrapalha a gestão”, diz o ex-secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda Gesner Oliveira, um dos organizadores do livro Parcerias Público-Privadas: Experiências, Desafios e Propostas. “A iniciativa privada é mais livre para executar obras e tomar decisões.”

Com o Planalto mais pragmático, abriu-se um espaço para que as empresas entrassem em campo. E assim 2013 encerrou um ciclo de oito anos em que os investimentos públicos em infraestrutura de transportes — embora muito baixos — superavam os privados.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostra que as concessionárias desembolsaram o valor recorde de 16 bilhões de reais para rodovias, aeroportos, ferrovias e portos no ano passado, 44% mais do que o poder público.

“Mesmo com o avanço, ainda estamos no meio do caminho”, diz Paulo Fleury, presidente do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). “O Brasil precisa de um total de 1 trilhão de reais para alcançar o nível da infraestrutura americana.”  

Em abril, o consórcio Inframerica inaugurou o píer sul do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, considerado um dos piores pelos usuários. Em dois anos, o operador foi capaz de aumentar a capacidade do aeroporto em 30%, para 21 milhões de passageiros por ano.

O consórcio Aeroportos Brasil, responsável por Viracopos, no interior de São Paulo, está atrasado. As obras deveriam ter sido entregues até maio. Apesar de fora do prazo, a concessionária conseguiu concluir mais de 90% do projeto.

Se comparada com o setor público, ainda assim está bem à frente. Dados do Ilos mostram que as 12 maiores obras de infraestrutura do governo têm atraso médio de quatro anos. 

Ao que tudo indica, ao menos nos setores de aeroportos e de rodovias, as concessões começaram a deslanchar. Na atual gestão, o governo conseguiu leiloar seis aeroportos e seis trechos de estradas federais. Só no ano passado foram sete projetos que saíram da gaveta. Se depender das empresas, há apetite para mais.

“Se o projeto for bom, temos interesse em participar”, diz Gustavo Rocha, presidente da Invepar, vencedora dos leilões do Aeroporto de Guarulhos e da BR-040, que liga Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais, passando pela região metropolitana de Belo Horizonte.

Os contratos de concessões têm prazo definido e, por isso, as empresas buscam renovar suas carteiras para manter a perpetuidade do negócio. Como a primeira fase de concessões no Brasil ocorreu na década de 90, muitos contratos estão chegando ao fim. No ano que vem, vence a concessão da ponte Rio-Niterói, que garante ao grupo CCR cerca de 150 milhões de reais ao ano.

“Vamos participar novamente do leilão para não perder essa receita”, diz Leonardo Vianna, diretor de novos negócios da CCR, que assumiu no ano passado o Aeroporto de Confins, em Minas Gerais, e o trecho da BR-163 em Mato Grosso do Sul. 

Os grupos que dominam o mercado de concessões no Brasil são verdadeiros gigantes — em sua base estão grandes empreiteiras, como Odebrecht e Engevix. Só no setor de rodovias, o número de empresas criadas por eles para operar cada um dos trechos arrematados dos leilões dos governos federal e estaduais cresceu 50% desde 2007, para um total de 54 concessionárias.

No caso dos aeroportos, as empresas criadas já aparecem na lista das maiores do país por receita líquida nesta edição de Melhores e Maiores. A concessionária do Aeroporto de Guarulhos, a GRU Airport, é a 166a do ranking, com receita de 3,1 bilhões de reais no ano passado.

Quatro dos grandes grupos de concessões têm ações negociadas na bolsa de valores: CCR, Arteris, EcoRodovias e Triunfo. Juntos, eles têm valor de mercado de quase 50 bilhões de reais e uma dívida que corresponde a um terço desse montante. De acordo com analistas que acompanham os resultados dessas companhias, a maioria dos grupos tem condição financeira de assumir novas concessões. 

O governo tem dado um empurrão para que as empresas participem de leilões. Ninguém tem sido tão importante para a nova onda de concessões no Brasil quanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A instituição estatal financia até 70% da obra com juros de 7% ao ano — 4 pontos percentuais abaixo da taxa básica da economia, a Selic.

O banco prevê que nos próximos quatro anos o investimento em logística de transportes no país some 171 bilhões de reais. “O Brasil não tem um problema de falta de recursos”, diz Dalmo Marchetti, gerente de logística do BNDES. “Mas o país tem um desafio, que é desenvolver outras fontes de financiamento para as concessões além do BNDES, como o mercado de capitais.”

Apesar do progresso, a nova onda de concessões está longe do fim. No caso das rodovias, um terço dos 7 000 quilômetros previstos no programa de investimento em logística, lançado em 2012, ainda não foi leiloado. Neste ano, o governo já anunciou que quer conceder mais cinco rodovias, um total de 2 600 quilômetros.

Esses trechos não estavam no plano de dois anos atrás e devem somar 18 bilhões de reais em investimentos. Já nos aeroportos, agora o foco do governo está na aviação regional. A ideia é reformar ou construir 270 aeroportos de médio e pequeno porte. Neste momento, o governo analisa a melhor solução para cada um desses terminais no que diz respeito à administração.

Ela pode ficar a cargo da União, dos estados, dos municípios ou ser concedida à iniciativa privada. No setor privado, há expectativa quanto a futuras concessões de aeroportos maiores, como os de Recife e Salvador. 

Para que o ritmo de concessões ganhe mais força, o governo precisa destravar os leilões de portos e ferrovias. Os modelos para esses setores não dão segurança aos investidores. Nos portos, a ineficiência da Companhias Docas é uma preocupação para quem atua em terminais públicos.

Essas empresas só conseguem usar um terço dos recursos liberados pelo Tesouro a cada ano por falta de projetos e ingerência política. Dessa forma, investimentos importantes como os de dragagem — obra de aprofundamento do canal — deixam de ser feitos. Já no caso das ferrovias, o setor privado quer reduzir o risco da estatal Valec.

Hoje uma empresa de engenharia, ela seria encarregada de adquirir toda a capacidade de transporte das ferrovias privatizadas. O temor é que, ao longo dos 35 anos de concessão, o governo mude de ideia ou não ponha dinheiro suficiente para que a empresa honre o compromisso.

“Da forma como o marco regulatório das ferrovias está, não há condições de investir”, diz Carlo Alberto Bottarelli, presidente da Triunfo Participações e Investimentos, concessionária de Viracopos. “No entanto, o governo tem discutido o tema do marco regulatório com as empresas para que uma solução seja encontrada.” O que foi feito até agora já é um avanço, mas ainda há um longo caminho pela frente.

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