Revista Exame

Saída dos EUA do Acordo de Paris não paralisa corrida pelo clima

Para John Sterman, professor no MIT, a saída dos Estados Unidos do acordo do clima atrapalha — mas não paralisa — a busca por uma economia de baixo carbono

Protesto nos Estados Unidos: segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo está fora do acordo do clima (Divulgação/Getty Images)

Protesto nos Estados Unidos: segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo está fora do acordo do clima (Divulgação/Getty Images)

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Renata Vieira

Publicado em 17 de junho de 2017 às 05h55.

Última atualização em 17 de junho de 2017 às 05h55.

São Paulo — Na contramão de um dos maiores consensos científicos e diplomáticos da atualidade, o presidente americano, Donald Trump, demonstrou seu descaso em relação ao aquecimento global ao retirar o apoio dos Estados Unidos ao Acordo de Paris. Num discurso realizado no dia 1o de junho, o líder da segunda nação mais poluidora do planeta (depois da China) argumentou que o corte nas emissões de gases de efeito estufa estrangularia a economia. E minimizou o impacto do acordo ao citar dados do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) que indicariam a irrelevância da mobilização global para frear o avanço da temperatura do planeta.

A informação, no entanto, foi prontamente refutada por pesquisadores da própria universidade. Segundo o americano John Sterman, professor responsável pela iniciativa para a sustentabilidade do MIT, a análise mais recente mostra que os esforços contidos no Acordo de Paris podem frear o aquecimento da Terra em quase 1 grau Celsius — segundo ele, o planeta teria um aumento de 3,3 graus até 2100, e não mais os 4,2 graus projetados. Essa diferença poderá ser vital para a qualidade da vida na Terra. Sterman lidera um grupo de simulação de negociações climáticas que auxilia governos, pesquisadores e executivos a projetar danos decorrentes do efeito estufa. Para ele, a firme adesão de outros países — e também de estados e até cidades nos Estados Unidos — vai dar continuidade à busca por uma economia de baixo carbono. De Boston, Sterman falou a EXAME.

EXAME - O presidente Donald Trump atribuiu ao MIT dados que desqualificariam o Acordo de Paris. Segundo ele, o acordo evitaria a elevação de apenas 0,2 grau na temperatura da Terra. Esses dados refletem a posição do instituto?

John Sterman - Não. Sem o Acordo de Paris, nossas projeções indicam que o aumento da temperatura poderia chegar a 4,2 graus até 2100. Agora, estimamos que seja possível frear esse aumento em quase 1 grau — ou seja, o planeta aqueceria 3,3 graus até 2100. E, se as metas nacionais se tornarem mais ambiciosas daqui para a frente, a redução poderá ser maior.

EXAME - Qual é o impacto da saída dos Estados Unidos da coalizão pelo clima?

John Sterman - A boa notícia é que vários países reforçaram seus compromissos. Não importa o que o governo americano diga, União Europeia, China e muitos outros pretendem cumprir suas promessas. E a China pode preencher o vácuo de liderança que os Estados Unidos deixaram. Mesmo as emissões americanas devem continuar a cair, embora numa velocidade menor. Não se trata de parar a transição que está em curso. Ninguém vai parar essa corrida. Mas conseguiremos fazer essa transição para uma economia de baixo carbono a tempo? Quanto mais lentos formos, maiores serão os danos. A decisão de Trump não vai imobilizar os mercados de energia solar e eólica, mas isso poderá gerar incertezas para os investimentos.

EXAME - Estados e cidades americanas que repudiaram a posição de Trump poderão persistir sem o apoio dele?

John Sterman - Pelo menos 14 dos 50 estados americanos pretendem se manter firmes nas diretrizes estabelecidas pelo acordo climático. Califórnia, Virgínia e Minnesota são alguns exemplos. Metade das 500 maiores empresas americanas listadas pela revista Fortune também se compro-meteu a cortar emissões. Ainda assim, o recuo do governo federal poderá atrapalhar. Nos últimos oito anos, estados e empresas vinham se movendo na mesma direção que a Casa Branca. O plano energético do ex-presidente Barack Obama e a melhoria dos padrões de proteção ambiental que ele conduziu são provas disso. As políticas federais eram como o vento que soprava a favor. Agora, com Trump, o vento sopra contra.

EXAME - O que isso significa em termos práticos?

John Sterman - O orçamento para pesquisa e desenvolvimento em novas tecnologias energéticas, sejam elas em ganho de eficiência ou em armazenamento inteligente, provavelmente vai sumir ou encolher drasticamente. Isso é péssimo. Há quem ache que esse tipo de corte orçamentário seja uma boa ideia, que o governo não deve subsidiar esse tipo de atividade nem escolher vencedores e perdedores de mercado. Mas é uma forma limitada de ver as coisas. Quase todas as tecnologias críticas das quais dependemos hoje já foram subsidiadas por governos, como a internet e os tratamentos para o câncer. Sem falar que os combustíveis fósseis são subsidiados pelo poder público no mundo todo. É no mínimo ingênuo esbravejar contra a taxação das emissões de carbono ou contra os incentivos à geração de energia limpa quando a indústria do petróleo e a do carvão têm lobbies muito bem-sucedidos para baratear seus produtos.

EXAME - Nesse contexto, a ação do setor privado se torna ainda mais crucial?

John Sterman - Hoje existem centenas de empresas percorrendo esse caminho. Estamos falando de Tesla, Apple, Google, Walmart, Bank of America e Goldman-Sachs. São algumas das maiores companhias dos Estados Unidos e do mundo, todas reafirmando compromissos globalmente. Ainda assim, a vida ficará mais difícil para empreendedores e startups na área de energia. Sem incentivo, elas vão ter de competir com energias fósseis subprecificadas.

EXAME - Em que aspectos a falta de apoio do governo poderá atrapalhar o esforço individual dessas empresas?

John Sterman - Sem interesse do governo federal, tudo fica mais difícil quando pensamos numa grande transição de modelo econômico. Tome como exemplo o mercado de carros elétricos vislumbrado por Tesla, General Motors e Toyota. Ninguém vai comprar um carro movido a hidrogênio ou um carro elétrico se não puder abastecer seu veículo ou recarregá-lo a qualquer hora e em qualquer lugar. É preciso haver infraestrutura para isso. Por outro lado, ninguém vai investir bilhões de dólares nesse tipo de infraestrutura, a menos que tenha certeza de que o mercado para os carros elétricos existe. Inevitavelmente, há aí um impasse entre o ovo e a galinha. É por isso que interações entre as próprias empresas e entre elas e os governos são fundamentais. A perspectiva de transformação precisa ser sistêmica. Somente assim as políticas públicas têm eficácia.

EXAME - O recuo dos Estados Unidos poderá motivar o enfraquecimento do apoio de outras nações?

John Sterman - Apesar dos compromissos que vêm sendo reafirmados, é fácil imaginar um cenário em que ondas populistas e nacionalistas comecem a pressionar seus governos a cortar ou bloquear a transferência de recursos para o combate às mudanças climáticas em outros países. E que futuros candidatos que se proponham a fazer o que Trump fez derrubem os governos atuais, ainda signatários do Acordo de Paris. Não imaginávamos que isso poderia acontecer nos Estados Unidos, e as eleições mostraram que estávamos profundamente enganados. O movimento populista é mais forte do que se pensa.

EXAME - Para os países em desenvolvimento, esse risco de enfraquecimento das metas é maior?

John Sterman - Sim. Índia, Indonésia, alguns países africanos, países do Cone Sul, incluindo o Brasil, podem se questionar, ainda que não publicamente: “Se os Estados Unidos não vão se comprometer, por que eu deveria cortar minhas emissões? Afinal, foram os países desenvolvidos que prosperaram com a queima de combustíveis fósseis ao longo do século”. Mas esse argumento é frágil. Existe, sim, uma responsabilidade histórica por parte dos Estados Unidos e de seus pares. Mas a ideia de que os países em desenvolvimento podem queimar combustíveis fósseis sem se preocupar — já que outros fizeram o mesmo no passado — não funciona, e por uma razão simples: o planeta é um só; todos sofrerão as consequências da mudança do clima, e os países em desenvolvimento ainda mais. Esse raciocínio “nós-eles” é o jeito errado de olhar para a questão climática. É o que chamamos de jogo de soma zero, em que alguém ganha e alguém perde. Infelizmente, esse é o modo como o presidente Trump olha o mundo. Não se trata do interesse nacional dos Estados Unidos, ou da China, ou da Europa. Trata-se de um interesse coletivo, de cada cidadão, em qualquer canto do mundo.

EXAME - Há muitos dados que embasam a tese do aquecimento global, mas o senhor costuma dizer que pesquisas não bastam para convencer as pessoas. Por quê?

John Sterman - Mostrar pesquisas às pessoas não funciona. É o que acontece quando o assunto é vacina, por exemplo: não se pode esperar que quem não crê no benefício dela se convença do contrário diante de números. Podemos traçar um paralelo mais simples: a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança em carros. As pessoas sabem que é mais seguro usá-lo e, ainda assim, muitas não usam. É preciso empregar uma fórmula diferente no convencimento.

EXAME - E que fórmula é essa?

John Sterman - Aprendemos com nossas experiências. Sofrer um acidente de moto sem capacete — e, com sorte, não morrer — nos ensina que é preciso usar capacete. Observar o que aconteceu com outras pessoas que não usaram capacete também pode nos ensinar algo sobre segurança no trânsito. No caso das mudanças climáticas, não dá para falar em experiências individuais. Quanto mais tarde as pessoas se derem conta de quão danosas as mudanças climáticas podem ser, pior.

EXAME - Como sensibilizar diferentes públicos sobre o problema?

John Sterman - É preciso se adiantar às catástrofes e aprender sobre elas por meio da simulação. Isso não é novidade. Toda companhia aérea treina seus pilotos por meio de simuladores de voo, por exemplo. Só assim eles podem aprender a lidar com as emergências antes de encarar situações reais. No MIT, criamos uma experiência simulada de negociações climáticas. Desenvolvemos um modelo computadorizado para o uso de gestores públicos, da própria ONU, de executivos e de qualquer cidadão comum. Ele funciona como base para a reprodução de um ambiente de negociações diplomáticas. Os participantes são divididos em grupos — cada grupo representa uma delegação de negociadores com propostas de redução de emissões.

Os impactos das propostas são mensurados pelo sistema: além do aumento da temperatura, é possível estimar quanto o nível dos oceanos pode subir. Assim, as mudanças se tornam mais palpáveis e, conforme as rodadas de negociação vão acontecendo, percebe-se que há uma disposição maior para cooperação e proposição de compromissos mais ousados. Tudo isso porque eles experimentaram, ainda que numa simulação, as consequências de suas decisões: de um lado, secas; de outro, populações inteiras forçadas a migrar de regiões costeiras no Paquistão, na Índia ou em Bangladesh. É disso de que precisamos: um real sentimento de urgência para a preservação do planeta.

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