Revista Exame

"Não vivo da caridade do governo", declara Joesley Batista

Joesley Batista, dono da processadora de carne JBS, nega o papel do governo na compra da empreiteira Delta e explica o que viu na empresa ameaçada de ruir sob a CPI do Cachoeira

Joesley Batista, do JBS: ele diz que o governo não teve nada a ver com a compra da Delta (Daniela Toviansky/EXAME.com)

Joesley Batista, do JBS: ele diz que o governo não teve nada a ver com a compra da Delta (Daniela Toviansky/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 25 de maio de 2012 às 09h10.

São Paulo - Polêmica não é novidade para o empresário goiano Joesley Batista, um dos controladores do grupo J&F — holding da qual faz parte o frigorífico JBS. Em sua fulminante trajetória de mero açougue a maior processador de carne do mundo, o JBS vive apanhando por sua ligação umbilical com o banco estatal BNDES, que tem 31% das ações do JBS.

Para os críticos, só a relação com o governo pode explicar o crescimento do grupo. Joesley e seus irmãos, claro, dão de ombros e gostam de dizer — não sem razão — que ter o apoio do BNDES não é exclusividade do JBS. Pois, em maio, a empresa voltou a render uma baita polêmica após a compra da enroscadíssima empreiteira Delta, do enroscadíssimo empresário Fernando Cavendish.

Por que, diabos, o maior frigorífico do mundo comprou uma construtora que, além de envolvida num escândalo de corrupção, está tendo suas obras canceladas?

Não tardou a surgir a versão segundo a qual os Batista teriam atuado em cooperação com o governo federal — a Delta, como se sabe, é a maior empreiteira do Programa de Aceleração do Crescimento. Em entrevista exclusiva a EXAME, Joesley Batista explica o que viu na Delta.

EXAME - A compra da Delta é uma operação de salvamento acertada com o governo, o BNDES e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva? 

Joesley Batista - Essa versão é uma maluquice. Chega a me ofender. Não existe essa história de que o Meirelles (Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e presidente do Conselho Consultivo da J&F) foi falar com o Lula. Nunca pediram para a gente fazer nenhum negócio e, se pedirem, vou negar.

Eu não vivo da caridade do governo. O BNDES é nosso sócio investidor. O problema é que as pessoas não são capazes de atribuir nosso sucesso à nossa capacidade de fazer as coisas, o que me frustra. Como empreendedor, considero a Delta uma excelente oportunidade.


Você, por acaso, está vendo outra construtora desse tamanho à venda? Ela é a sexta maior do setor. E não é qualquer sexta. Equivale à metade da primeira. Ela tem condições reais de construir abaixo do preço dos concorrentes. Dizem que suas obras têm problemas. Liga na CGU (Controladoria-Geral da União) e pergunta: todas as empreiteiras têm problemas lá.

EXAME - Mas seu irmão José Batista Júnior disse que o governo sabia da operação e a aprovava. O seu irmão se enganou?

Joesley Batista - Há sete anos que o Júnior não assina um papel aqui. Ele está fora da empresa. Não é que ele falou o que não podia: falou o que não sabia. Quando compramos a Swift (processadora de carnes americana) e o Bertin (frigorífico brasileiro), nos questionaram do mesmo jeito. O tempo mostrou que estávamos certos. O mesmo vai acontecer com a Delta. 

EXAME - Como o negócio com a Delta chegou até o senhor?  

Joesley Batista - Há um ano e meio, saí do JBS para me dedicar à holding. A proposta é transformar a J&F num grupo de investimentos em empresas de diferentes setores. Já estamos em consumo, commodities, capital intensivo e finanças. Mas espero que a J&F possa abrir o capital. Para manter o crescimento, preciso ampli ar os negócios.

Por isso, estava há al­guns meses olhando o setor de infraestrutura, especificamente construtoras. Eu nunca tinha ouvido falar na Delta até ela aparecer nos noticiários. Achava que fosse uma pequena empresa de Goiás, ligada a um contraventor.

Quem veio me falar do Fernando (Fernando Cavendish, sócio-diretor da Delta) foi a Patricia Moraes, do banco JP Morgan, que trabalha com a gente há anos. A minha primeira reação foi perguntar: você endoidou? 

EXAME - Ainda assim, o senhor concordou em avaliar a Delta?

Joesley Batista - Quem nos conhece sabe que nossa história é comprar empresas em dificuldades e recuperá-las. Fizemos isso na Swift, no Bertin — e podemos fazer na Delta. Tudo ocorreu em cima da hora, há duas, três semanas. Eu aceitei visitar a Delta, no Rio de Janeiro. Encontrei o Fernando na sede da empresa na segunda-feira, 30 de abril.


Praticamente passei o dia lá. Ele reuniu diretores, mostrou relatórios e resultados. Tive surpresas positivas. Não vi sofás luxuosos para receber políticos. Vi que a Delta é uma empresa de engenheiros, não de lobistas. Investe nos funcionários. Tem gente lá com 15, 20 anos de casa.

Me apresentaram uma operação enxuta e descentralizada. Voltei de lá com uma boa impressão. Nos encontramos outra vez em São Paulo, naquela mesma semana. Ele almoçou lá em casa. Foi quando começamos a acertar as bases do acordo. 

EXAME - E quais são essas bases?

Joesley Batista - A Delta é controlada por dois fundos, dos quais Fernando é um dos cotistas. Falei para ele: podemos nos tornar o gestor dos fundos e eu, como gestor, passo a eleger os integrantes da empresa. Alguém precisa gerenciar o negócio. Há 200 obras em andamento e 30 000 funcionários trabalhando, mas a empresa ficou acéfala.

O Fernando virou um ser sozinho sobre a Terra. Nenhum banco ou político quer falar com ele. E o Fernando entendeu que era impossível tocar a empresa. Que precisa passar para alguém. Teve uma atitude que poucos empresários têm. Normalmente é difícil convencer o dono a sair quando o problema é ele.

EXAME - Cavendish não consegue gerenciá-la porque ele e a empresa perderam credibilidade num escândalo. Não o preocupa assumir uma empresa nessa condição?

Joesley Batista - Acreditei na explicação do Fernando, de que o problema ocorreu apenas numa regional, com um ex-diretor que tinha relações com um sujeito investigado pela Justiça (referindo-se a Carlos Augusto de Almeida Ramos, o bicheiro Carlinhos Cachoeira). Esse sujeito era validado por um senador.

Se um dos maiores amigos dele era o senador Demóstenes Torres, quem poderia duvidar dele? Goiás, onde tudo ocorreu, é 10% do negócio da Delta. Mas eu não quero ser dono de um problema. Não comprei a empresa. Primeiro, nós vamos passar a Delta a limpo. Até porque não sei o que podemos encontrar lá dentro.

Estou cercado dos melhores profissionais para fazer esse trabalho (no fechamento desta edição, a KPMG tinha dez auditores na empresa e esperava concluir o primeiro relatório em 30 dias). Acho ótimo que o governo e o Ministério Público façam o mesmo.


Eu faço a avaliação do lado de cá e eles fazem do lado de lá. Se ficar provado que ocorreu um fato isolado, tenho a opção de compra. Aí, sim, o preço será definido.

EXAME - A Delta já saiu de grandes obras, como a reforma do estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. O que vai restar da empreiteira?

Joesley Batista - Quando assumimos, o Fernando já tinha tirado a empresa de obras maiores, mas os anúncios da decisão saíram depois. Ele se livrou das obras que tomariam mais capital de giro, estavam em consórcios e poderiam ser assumidas por sócios. A Delta ainda tem quase 200 obras em andamento, com um saldo de 4,7 bilhões a receber.

Mas vamos pensar no limite: que amanhã cancelem todos os contratos. Vai sobrar uma empresa que tem 300 milhões em máquinas e equipamentos e um acervo técnico de alto nível. Eu olhei os balanços: é uma empresa saudável. Tem condições de cumprir os contratos, mas, se perder, pode fazer obra privada. A Delta está sofrendo bullying empresarial, mas tem condições de sobreviver.

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