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Da Redação
Publicado em 15 de julho de 2011 às 12h32.
O ator americano Ashton Kutcher, de 32 anos, nunca foi levado muito a sério fora do circuito de Hollywood - e não seria maldade dizer que nem mesmo lá. Apesar de ter estrelado mais de 20 filmes no cinema na última década, o bonitinho Kutcher permaneceu praticamente desconhecido do público até meados de 2000, quando passou a encarnar um adolescente bobalhão no seriado de TV That 70’s Show, exibido no Brasil pelo canal Sony.
A fama, para valer, veio depois de seu casamento com a atriz Demi Moore, em setembro de 2005. Desde então não emplacou nenhum sucesso estrondoso nos cinemas. Mas quem precisa de Hollywood quando tem a internet a seus pés? Ashton Kutcher é hoje a maior celebridade da rede. Seu perfil no Twitter (@aplusk) conta com 4,4 milhões de seguidores, quase o dobro de Demi Moore, uma veterana do showbiz.
A popularidade crescente foi a senha para que o ator encarnasse recentemente outro personagem: o de homem de negócios. Em meados do ano passado, criou a Katalyst Media, uma pequena agência especializada na produção de programas e eventos voltados para a internet (ele já era dono da produtora de filmes Katalyst). Seu primeiro seriado, um reality show mostrando o dia a dia da agência, foi visto por 9 milhões de pessoas em apenas três meses - e despertou o interesse de empresas - leia-se anunciantes - como Nestlé, Kellogg, Pepsi e Burger King.
"Não há nada parecido na internet", afirma Peter Doyle, da Media Marketing Consultants, empresa americana especializada em redes sociais. "Kutcher tem tudo para se tornar um magnata da mídia no mundo virtual." Guardadas as devidas proporções, ele seria uma versão 2.0 de Rupert Murdoch, o poderoso dono da News Corporation.
DIFERENTEMENTE DO QUE SE poderia imaginar, o seriado produzido por Kutcher não difere muito dos vídeos caseiros encontrados em sites como o YouTube. O Katalyst HQ, como o programa foi batizado, traz uma sequência de episódios de 5 minutos com o que seria uma rotina entediante de executivos de marketing - não fosse, claro, pelo fato de um ator hollywoodiano (o próprio Kutcher) atazanar a vida desses pobres mortais.
Sem roteiro predefinido ou nenhum tipo de produção mais sofisticada, fica claro que o grande atrativo do programa não é o conteúdo ou a qualidade técnica, mas justamente o fato de ser mal-acabado e espontâneo - num episódio, Kutcher solta um peru vivo no escritório. O humor rasteiro faz de Katalyst HQ uma febre - cada episódio é repassado a pelo menos 65 internautas, fazendo da série um dos maiores sucessos da rede no mundo.
"Kutcher produz um misto de entretenimento com interatividade e propaganda", diz Brent Csutoras, consultor de mar keting especializado em redes sociais. "E, como na web é muito fácil criar um viral, fica cada vez mais fácil e barato conquistar novos espectadores."
Como é praxe em empresas de internet, a Katalyst Media começou de um jeito um tanto mambembe. Em 2003, quando o seriado That 70’s Show ainda estava no auge, Kutcher uniu-se ao produtor Jason Goldberg para capitalizar em cima da popularidade de seu personagem.
Nascia, assim, o programa Punk'd, exibido pela MTV, que trazia pegadinhas envolvendo celebridades. O resultado foi apenas ok. Até que, no início de 2009, Sarah Ross, veterana da área de marketing do Yahoo!, decidiu se juntar ao time - e tirar proveito do séquito de fãs de Kutcher na web.
O primeiro teste veio com um trabalho quase voluntário para a ONU. Um dos amigos de Sarah na instituição queria encontrar uma forma de chamar a atenção do mundo para o Dia Contra a Malária. Na época, Kutcher contava com "apenas" 750 000 seguidores no Twitter. A Katalyst lançou, então, uma corrida contra a CNN para ver quem conseguiria chegar primeiro a 1 milhão de seguidores (a rede de TV americana contava com o segundo perfil mais popular do Twitter).
Caso vencesse, Kutcher contribuiria com 100 000 dólares do próprio bolso para a causa. A CNN topou o desafio e passou a dedicar espaço em sua programação para atualizar os espectadores quanto à corrida. Até o sisudo apresentador Larry King entrou na brincadeira. Ao final, Kutcher venceu a disputa e ainda conseguiu atrair a atenção de diversas celebridades para a causa do combate à malária. Resultado: arrecadou mais de 900 000 dólares para a ONU.
"Nas redes sociais não basta postar notícias", diz Doyle, da Media Marketing Consultants. "É preciso mobilizar grandes grupos em torno de uma causa. E ninguém conseguiu fazer isso tão bem quanto Kutcher."
EVIDENTEMENTE, TAMANHA mobilização não passou despercebida por algumas das maiores empresas do mundo, ansiosas por surfar a onda das redes sociais. Antes mesmo que terminasse a corrida contra a CNN, a Kellogg contratou a Katalyst para divulgar suas ações de combate à fome no continente americano (a empresa tinha um programa social para tirar crianças da linha de pobreza, mas quase ninguém conhecia a iniciativa).
Como o público-alvo da marca eram mulheres com mais de 25 anos, Kutcher pediu ajuda à sua mulher, Demi. Os dois postaram no Twitter um pedido para que as pessoas enviassem vídeos com depoimentos sobre pobreza. A atriz editou as imagens e publicou o material na página da Kellogg no Facebook (junto, claro, com informações sobre as doações da empresa à causa).
Em menos de um mês, o site já contava com audiência de cerca de 200 000 pessoas, mais de dois terços delas mulheres. "Atin gimos exatamente a audiência que buscávamos", afirma Kris Charles, porta-voz da Kellogg. "E de um jeito nada convencional.
É provável que levássemos mais tempo para obter um resultado parecido com o das agências tradicionais." Mas é no recente trabalho com a Pepsi que as maiores expectativas em relação à Katalyst estão depositadas. Em março, a produtora lançará na web uma ação em que os internautas poderão não só escolher o nome e o rótulo de um novo sabor do refrigerante Mountain Dew como também postar comerciais para o produto.
"Algumas empresas se sentem inseguras em relação ao grau de exposição das marcas nessas mídias", diz o consultor Csutoras. "Mas é justamente o engajamento das pessoas nesse tipo de empreitada que cria valor para a marca."
Embora pareça simples, o modelo de negócios criado pela Katalyst não é exatamente fácil de ser reproduzido - tampouco está livre de riscos. Na internet, ao contrário do que acontece na vida real, quanto mais uma celebridade se associa a uma marca ou produto, menos influência sobre seu público ela tem - um paradoxo ainda não solucionado pelo próprio Kutcher.
O que aconteceu recentemente no Brasil com o apresentador Marcelo Tas dá uma idéia das consequências dessa marcação cerrada. Em março de 2009, Tas contava com o perfil mais popular do Twitter no Brasil, com 18 000 seguidores. Até que ele começou a incluir em seus posts informações sobre um novo serviço de banda larga da Telefônica, concessionária de telefonia do estado de São Paulo.
O acordo publicitário foi celebrado pelo Wall Street Journal como uma forma inovadora de trabalhar a marca na internet, mas isso não impediu que Tas recebesse uma avalanche de críticas de seus seguidores. "Todo mundo ainda está tateando nesse terreno", diz Tas. Na dúvida, o também apresentador Luciano Huck, dono do perfil mais popular do Twitter no país hoje, com 1,7 milhão de seguidores, tem procurado mobilizar seus fãs na rede para causas sociais, como a ajuda às vítimas do terremoto no Haiti.
Os acordos de patrocínio ficaram em segundo plano. "No Twitter e no Facebook, os famosos são percebidos como pessoas próximas, quase como amigos", diz Marcelo Coutinho, professor de marketing da Fundação Getulio Vargas. "Qualquer pisada na bola pode colocar em xeque essa credibilidade. Os internautas costumam ser muito conservadores quando se trata desse tipo de associação." Recentemente, Kutcher começou a testar o potencial de projetos que não estejam vinculados à sua imagem.
O primeiro deles é o Fantasy Football, programa semanal sobre futebol americano apresentado por um consultor fanático pelo esporte - mas totalmente desconhecido do público. "Eventualmente eu apareço por lá", disse Kutcher numa entrevista recente à revista americana Fast Company. Os números mostram que, a despeito do esforço, os internautas querem mesmo é ver a carinha do ator na tela de seu computador. Cada episódio sem o astro é visto por aproximadamente 500 pessoas. Com ele, a audiência é multiplicada por 10.
O frenesi que as iniciativas de Kutcher causaram na web não repercutiu em seus negócios offline. Sua produtora de filmes, por exemplo, tem obtido resultados medíocres. Sua mais recente produção, Spread, um roteiro independente que conta com Kutcher no elenco, faturou modestíssimos 250 000 dólares nos Estados Unidos.
O seriado de TV The Beautiful Life, outra obra da Katalyst, foi cancelado após a exibição de apenas dois episódios - os cinco restantes, como era de imaginar, foram postados no You- Tube. A Katalyst não revela seu faturamento (nem da parte digital) e se limita a divulgar que opera no azul. "Sabemos que os riscos são grandes", diz Jason Goldberg, sócio do ator, sobre a formação dessa nova empresa de mídia. "Mas, por enquanto, tudo o que queremos é aprender a navegar nesse universo."