Revista Exame

A líder Nokia está em xeque

A Nokia perdeu o passo da telefonia celular e agora corre contra o tempo para alcançar a concorrência numa disputa que vai acontecer em um terreno novo para a empresa: o software

Loja da Nokia: os aparelhos da fabricante deixaram de ser objeto de desejo

Loja da Nokia: os aparelhos da fabricante deixaram de ser objeto de desejo

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Tudo começou com uma fábrica de papel, há 145 anos. De lá para cá, a finlandesa Nokia mostrou uma primorosa habilidade para adaptar seus negócios e aproveitar oportunidades em mercados promissores. Do papel, passou a fabricante de itens de borracha, de madeira e de cabos elétricos. Em 1981, começou a virada que a transformaria em um nome conhecido no mundo inteiro: investir na então novíssima tecnologia da telefonia móvel. Com a explosão dos celulares, nos anos 90, a empresa ganhou o planeta. Hoje, a Nokia vende 440 milhões de aparelhos por ano e é a líder incontestável quando se contam os aparelhos vendidos. Mas esse número é um reflexo do passado - é o futuro que preocupa a Nokia. A empresa perdeu o passo na mudança que foi desencadeada com o lançamento do iPhone, três anos e meio atrás. Muito mais que um objeto de desejo, o iPhone mudou a lógica do mercado de celulares ao fazer deslanchar o mercado de software para smartphones. As iniciativas da Nokia nesse terreno ainda são tímidas, e a empresa fica cada vez mais distante das concorrentes Apple, RIM (fabricante do BlackBerry) e Google. "As transformações do mercado hoje acontecem mais rápido e a Nokia não está conseguindo acompanhá-las como antigamente", diz Pete Cunningham, analista da empresa inglesa de pesquisas em tecnologia Canalys Research.

Essa tensão de mercado levou a Nokia, no início deste mês, a nomear pela primeira vez em sua longa história um presidente que não é finlandês. O canadense Stephen Elop era responsável pela divisão de software de negócios da Microsoft, e entre suas responsabilidades estavam os produtos do pacote Office, um dos grandes geradores de dinheiro da empresa fundada por Bill Gates. Para muitos analistas, a opção por alguém com essa experiência não é trivial. "Eles quiseram mostrar seu direcionamento", diz Chris Marsh, analista sênior da empresa de análises em tecnologia e telecomunicações Yankee Group. Na coletiva de imprensa em que foi anunciada sua nomeação, Elop repetiu a palavra "mudança" 13 vezes em uma fala inicial de menos de 10 minutos. Não será a primeira tentativa de superação feita pela maior empresa finlandesa. Em 2007, a Nokia anunciou com grande estardalhaço que se tornaria, a partir daquele momento, uma empresa de software. Foi quando suas ações atingiram o auge. Mas as sucessivas tentativas para colocar a estratégia em prática nunca deram frutos.

A empresa manteve a tradição de excelente design dos aparelhos e de manter uma azeitada cadeia produtiva, enquanto as rivais avançavam no terreno do software, mais dinâmico: um programa pode ser lançado com rapidez, e os aprimoramentos são introduzidos gradualmente.


Enquanto os celulares Nokia tinham câmeras fotográficas sofisticadas, sistemas de localização via satélite ou de gravação de vídeos em alta definição desenvolvidos internamente, os concorrentes abasteciam suas lojas de aplicativos com dezenas de milhares de programas criados por terceiros. Apesar de haver muitos aparelhos equipados com o sistema Symbian, da Nokia, eles são muito diferentes entre si, o que complica a vida dos desenvolvedores externos. Esse é um dos motivos pelos quais a App Store, a loja de aplicativos da Apple, lançada em 2008, possui 250 000 ofertas, ante apenas 13 000 na novata Ovi Store, a loja da Nokia inaugurada no ano passado. "A Nokia estimou mal as dificuldades para abandonar sua herança de dedicação ao hardware", diz Neil Shah, analista de telecomunicações da empresa de pesquisas Strategy Analytics.

Elop não terá apenas de transformar a Nokia em uma empresa capaz de competir em software com especialistas, entre as quais a própria Microsoft, cuja nova versão do sistema para celulares deve chegar ao mercado neste ano. Ele também terá de estancar a queda nas vendas. A Nokia ainda é a líder mundial em celulares, mas essa primazia que já foi folgada está encolhendo. Além de perder espaço no segmento de aparelhos sofisticados, de maiores margens, no mercado de modelos mais simples a concorrência vem especialmente das coreanas Samsung e LG. O resultado foi uma queda no valor das ações de 41 dólares, em novembro de 2007, para 9 dólares, em setembro de 2010, quase 80% menos em três anos. Na Bolsa de Valores de Nova York, a empresa tem um valor de mercado de 36 bilhões de dólares, ante 263,5 bilhões de dólares da Apple, que no primeiro semestre deste ano ficou com 39% do lucro do setor. Juntas, Nokia, Samsung e LG ficaram com menos, 32%. (Procurada por EXAME, a Nokia não quis se pronunciar.)

Futuro

A companhia finlandesa já atravessou períodos difíceis no passado, mas a crise atual é mais complicada. Sempre haverá mercado para aparelhos mais simples, para consumidores de menor poder aquisitivo. Mas os telefones serão cada vez mais parecidos com computadores: aceitarão programas e executarão mais funções que hoje ficam restritas aos PCs. A Nokia anunciou no início do ano, em parceria com a Intel, uma nova plataforma de software, batizada de Meego, para ser usada em smartphones e computadores portáteis, como netbooks e tablets, como o iPad. Mas para alguns observadores talvez a solução mais adequada fosse a simples capitulação: adotar o sistema do Google ou da Microsoft (a Apple não licencia seu iOS) e se concentrar no que faz melhor, os aparelhos. Usando essa estratégia, a HTC, fabricante de Taiwan, vem crescendo rapidamente em todo o mundo. Mas, se as transformações dos últimos 145 anos são alguma indicação, em Espoo, subúrbio de Helsinque onde fica a sede da Nokia, ninguém ainda está pronto para admitir derrota.

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