Câmara após a aprovação do impeachment: a parte difícil das mudanças nem começou (Ueslei Marcelino/Reuters)
Da Redação
Publicado em 20 de junho de 2016 às 11h41.
São Paulo — A falência de um governo não deveria ser comemorada, mas foi o que se deu na noite de domingo 17 de abril, assim que a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff foi aprovada pela Câmara dos Deputados.
A expectativa de quem viu no resultado uma vitória — caso de boa parte dos empresários, investidores e cerca de 60% da população brasileira, segundo uma pesquisa — é que o processo seja aprovado também no Senado, o vice-presidente Michel Temer assuma o lugar da presidente Dilma Rousseff e, assim, a economia comece a sair do buraco.
No mundo ideal, Temer trocaria ministros fracos por executivos e políticos capazes de engendrar soluções para estancar a crise. Também conseguiria uma base de apoio mínima para começar a propor reformas. Mais que isso, encerraria o capítulo do caos político, que paralisou o país e agravou a recessão. A realidade, porém, é que há uma série de dúvidas sobre um eventual governo Temer.
Analistas políticos calculam em 35% a chance de ele não terminar o mandato. O Tribunal Superior Eleitoral está analisando as contas da campanha de Dilma e Temer em 2014 e pode concluir pelo afastamento de ambos. E, caso ele fique até o fim, que governo conseguirá fazer? Com quantos parlamentares poderá contar, de fato, para aprovar reformas mínimas? Qual será a força do PT na oposição?
A única certeza, em qualquer panorama, é que a trajetória rumo à recuperação será bem complicada. “A economia precisa de mais clareza fiscal e política para se recuperar”, diz Roberto Setubal, presidente do banco Itaú. “Vários investimentos estão em compasso de espera.” Um estudo da consultoria britânica Oxford Economics obtido com exclusividade por EXAME ajuda a medir o tamanho das dificuldades.
Para seus pesquisadores, que analisam a economia e fazem projeções para cerca de 200 países, o impeachment traria um alívio já no curto prazo — ou seja, até o fim deste ano — para alguns indicadores. Os principais são o câmbio, o prêmio de risco que empresas e governo têm de pagar para captar recursos no exterior e a taxa básica de juro, a Selic.
O cenário traçado pela Oxford prevê que o otimismo gerado pela troca de governo levaria mais estrangeiros a investir no Brasil. Isso contribuiria para valorizar o real e, por consequência, ajudaria a controlar a inflação. Com menos pressão nos preços, é possível abrandar os juros, que poderiam cair para 10% ao ano até o começo de 2017, segundo a consultoria.
Além disso, se houver mais investidores animados com o Brasil, o custo de levantar financiamento no mercado externo diminuirá — dos atuais 15,5% ao ano para 12%, considerando um título público com prazo de vencimento de dez anos.
Essas mudanças seriam provocadas, basicamente, pela esperança de que o futuro será mais favorável — ou seja, que o governo conseguirá equilibrar, de alguma forma, as contas públicas e a economia voltará a crescer. “A volta da confiança é uma variável capaz de iniciar alguma retomada da economia no curto prazo”, diz João Morais, economista da consultoria Tendências.
Nas projeções da Tendências, uma continuidade do governo Dilma levaria a uma queda no PIB de 6% neste ano. Mas haverá um ganho de 2 pontos, para -4%, se o impeachment vingar. Com números mais moderados, a GO Associados prevê variação de -4,2% no PIB de 2016 se mantido o governo petista e uma melhoria para -3,5% no cenário Temer presidente.
“Fábricas que estariam a ponto de ser fechadas podem sobreviver com a mudança na expectativa”, diz Gesner Oliveira, sócio da GO.
A agenda econômica que deve pautar um possível governo Temer, e está resumida no Uma Ponte para o Futuro — documento do PMDB divulgado no fim de 2015 —, a reorganização dos ministérios que ele deverá fazer as sondagens de políticos e técnicos respeitados para ocupar as pastas alimentam uma visão mais otimista do futuro.
O plano inicial seria cortar o número de ministérios dos atuais 32 para 20 e criar três “superministérios”: Fazenda, Infraestrutura e Social.
Entre os cogitados para ocupar postos importantes estão os ex-presidentes do Banco Central Armínio Fraga e Henrique Meirelles; Pedro Parente, ex-presidente da multinacional Bunge no Brasil e ex-ministro da Casa Civil no governo Fernando Henrique Cardoso; o economista Ricardo Paes de Barros; o senador José Serra; e Murilo Portugal, presidente da Federação dos Bancos.
Caberia a eles encaminhar pelo menos parte das mudanças que constam no documento do PMDB, entre elas privatizações e reformas espinhosas, como a tributária e a da Previdência. A expectativa é que aconteça aqui algo semelhante ao que vem ocorrendo na Argentina desde que Mauricio Macri venceu as eleições presidenciais no fim de 2015.
Macri rapidamente tomou algumas medidas com carga simbólica no sentido de recuperar a confiança, como a liberação da taxa de câmbio, tornando as exportações mais competitivas. Também conseguiu fechar um acordo com credores internacionais. Com isso, o governo emitiu títulos da dívida no mercado externo pela primeira vez desde 2001.
Captou 16,5 bilhões de dólares, um recorde para países emergentes — e a demanda foi quatro vezes maior. As projeções para a economia argentina continuam ruins. O Fundo Monetário Internacional prevê contração de 1% do PIB argentino em 2016, além do aumento do desemprego.
Mas os investidores, sedentos para fugir do juro zero dos países ricos e embalados pelo otimismo com o novo governo, resolveram dar um voto de confiança. No Brasil, os ajustes imediatos que um novo governo terá de fazer para controlar a trajetória explosiva da dívida pública deverão prejudicar o desempenho da economia.
“Mesmo que o governo faça tudo certo, as medidas para conter a escalada do endividamento público são recessivas”, diz Marcos Casarin, chefe de pesquisa econômica para a América Latina da Oxford. Estão nessa categoria os aumentos de impostos, que o governo tenta aprovar há meses no Congresso, e os desejáveis cortes de gastos públicos.
Mais pessimista quanto à reação da economia do que a Tendências e a GO Associados, a consultoria britânica calcula que, com ou sem impeachment, o resultado no curto prazo será o mesmo: retração de 4% do PIB neste ano e de 0,4% no próximo.
Pode parecer paradoxal, e é, mas os pesquisadores explicam a coincidência dos números da seguinte forma: a austeridade esperada com um governo Temer teria efeitos recessivos no curto prazo, mas ajudaria a preparar as bases do crescimento futuro ao pôr rédeas no crescimento avassalador da dívida pública.
O governo do PT já provou que não está muito aí para um ajuste fiscal de verdade, e com isso está gerando um custo alto — a dívida pública já está em 70% do PIB e, se continuar solta, irá para 85% do PIB em 2018. Se parte desse aumento for contida, o país colherá um alívio na forma de crescimento de 2019 em diante.
“Nesse sentido, o impeachment não acaba com a crise de imediato, mas coloca o país num rumo melhor”, diz a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson, de Washington. Dado o estrago já feito nos últimos anos, não vai ser nada fácil embicar no rumo certo. Um termômetro da incerteza ainda predominante é o comportamento do mercado de crédito.
Sem conseguir prever, minimamente, como estarão os resultados das empresas e o orçamento das famílias nos próximos meses, os bancos estão sentados em cima do dinheiro. Depois de crescer, em média, 11% ao ano de 2009 a 2014, o saldo do crédito bancário teve retração real de 3,6% no ano passado.
Para a consultoria Tendências, mesmo com o impeachment, haverá neste ano um encolhimento de 10% nas concessões de novos empréstimos e de 2,7% no saldo de financiamentos. A queda se deve, em parte, à recessão: o consumo está murchando e os investimentos desabaram, reduzindo a demanda por crédito.
Mas a procura por empréstimos de curto prazo — necessários para manter as empresas funcionando, pagando fornecedores e comprando matérias-primas — existe, e os bancos estão escolhendo a dedo a quem emprestar. Também estão cobrando mais caro pelos financiamentos (veja quadro na pág. 82). “Os bancos precisam ser cautelosos.
É perigoso aumentar as concessões de crédito num momento em que os fundamentos econômicos estão tão frágeis. Isso geraria mais problemas no futuro”, diz Alejandro Garcia, diretor responsável por instituições financeiras na América Latina da agência de classificação de risco Fitch Ratings. Para as empresas, porém, as consequências dessa cautela têm sido desastrosas.
Para conseguir manter uma demanda mínima por seus caminhões, desde janeiro a fabricante alemã MAN passou a conceder leasing aos clientes. “Cerca de 90% dos nossos clientes precisam de financiamento para conseguir comprar. Se não tomássemos a iniciativa, as vendas, que já caíram, seriam ainda menores”, diz Roberto Cortes, presidente da MAN no Brasil.
Em 2013, a empresa ampliou a capacidade de produção de sua fábrica em Resende, no interior fluminense, para 100 000 caminhões por ano. Mas vendeu apenas 21 000 desde o início de 2015. A companhia aérea Gol, que fechou o ano passado com prejuízo de 4,3 bilhões de reais, precisou aumentar as garantias que oferece para manter os empréstimos.
No caso dela, a principal garantia não são bens, mas dinheiro mesmo: do total de 1,1 bilhão de reais que a empresa tem em caixa, 735 milhões estão numa conta separada, reservada para pagar os bancos em caso de dificuldades financeiras. Em 2014, o valor destinado aos credores não chegava a 340 milhões de reais.
Com esse tipo de exigência e restrição, os bancos tentam se proteger de levar novos calotes — o índice de inadimplência das companhias aumentou quase 50% desde o fim de 2014, para 2,8%; a taxa é quase duas vezes maior entre pequenas e médias.
Como dezenas de outras grandes empresas brasileiras, a Gol está renegociando a dívida externa, de 800 milhões de dólares, e o pagamento de um título de dívida de 1 bilhão de reais que foi comprado por Banco do Brasil (BB) e Bradesco. O objetivo principal é obter mais prazo para pagar o que deve. A incorporadora Rossi concluiu seu processo de reestruturação em março.
Em vez de ter de quitar 1 bilhão de reais até 2017, conseguiu um prazo de carência de um ano, em que não precisa pagar nem o principal nem os juros da dívida, e cinco anos para liquidar o endividamento, que também está concentrado no Bradesco e no BB. Segundo executivos do mercado financeiro, houve ainda um desconto médio de 25% nos juros.
Em troca, a Rossi teve de oferecer garantias, como terrenos e imóveis, que correspondem a 80% da dívida. “Começamos a enxugar a empresa no meio de 2015, reduzindo o número de filiais, cortando despesas administrativas e funcionários.
Também vendemos 100 milhões de reais em ativos, mas vimos que isso não seria suficiente, então começamos a conversar com os credores antes que tivéssemos problemas mais sérios”, diz Fernando Miziara, diretor financeiro da Rossi.
A empresa de telefonia Oi, a incorporadora PDG, a companhia de logística Rumo ALL e o grupo Moreno, de açúcar e álcool, entre outras empresas estão em meio a processos semelhantes. Há também milhares de empresas de menor porte tentando sair do sufoco. No Banco do Brasil, são aprovadas diariamente novas condições de pagamento para cerca de 200 pequenas empresas.
Segundo o Banco Central, o total de dívidas sendo renegociadas no país chega a 105 bilhões de reais — o volume é 60% maior do que o de um ano atrás. “Nunca vimos um movimento tão amplo de reestruturação“, diz Marcelo Gomes, diretor-geral da Alvarez & Marsal, uma das principais consultorias especializadas em reorganização de dívidas do país.
Esse segmento, claro, não tem crise. A base de clientes da Alvarez & Marsal cresceu 50% em um ano e o total de dívidas sendo renegociadas, que inclui empréstimos e títulos no Brasil e no exterior, saltou de 10 bilhões de reais em 2015 para 120 bilhões de reais. “Os bancos estão sendo flexíveis porque sabem que a recuperação das empresas não depende apenas delas, mas da economia.”
Um risco adicional para os próximos meses é a evolução das dívidas das empresas brasileiras no exterior. Estimativas de mercado indicam que o volume total seja de 800 bilhões a 1 trilhão de reais. Segundo uma pesquisa inédita da consultoria EY, metade das dívidas externas das 50 maiores companhias brasileiras, o equivalente a 320 bilhões de reais, vencerá até 2017, e o pepino será pagar ou rolar esse montante.
Quando o Brasil e muitas das grandes empresas contavam com o grau de investimento nas agências de classificação de risco, emitir um título para captar recursos no mercado internacional custava de 6% a 7% ao ano. Hoje, o custo triplicou — isso para as empresas que conseguem compradores para seus papéis.
Alguns fundos estrangeiros de renda fixa só podem investir em títulos de companhias com grau de investimento. Os mais flexíveis estão reticentes em comprar papéis brasileiros com medo de ficar sem receber. Só em 2015 o total de calotes de companhias do Brasil chegou a 3,2 bilhões de dólares.
Em razão da piora da capacidade de pagamento, a agência Moody’s rebaixou as notas de risco de 71 empresas brasileiras desde 2014. Das 240 companhias avaliadas pela agência, só a fabricante de bebidas Ambev mantém o grau de investimento. Boa parte dos empréstimos que têm de ser pagos hoje pelas empresas foi tomada nos anos de euforia, entre 2010 e 2012.
As empresas se endividaram para crescer, construindo fábricas, inaugurando lojas e comprando concorrentes. O plano era pagar as dívidas com o fluxo de caixa gerado pelos investimentos. Mas, com a crise, os resultados ficaram abaixo do esperado. “O impacto da recessão está sendo muito expressivo.
Houve queda na geração de caixa das empresas e isso reduziu sua capacidade de tomar mais crédito e mesmo de pagar as dívidas atuais”, diz Setubal, do Itaú. Os juros altos contribuem para agravar o problema. Na maioria dos países, quando há crise, o Banco Central corta os juros para tentar reanimar a economia. Aqui, a resistência da inflação impede que isso ocorra, ampliando o custo do endividamento.
Além disso, no ano passado, o real desvalorizou, pressionando o caixa de empresas com dívida externa. Um levantamento feito, a pedido de EXAME, pelo Centro de Estudos do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais com 186 companhias abertas e fechadas mostra que a relação média entre a dívida e a geração de caixa mais que triplicou desde 2010: saiu de duas para 6,6 vezes.
Nesse ambiente, o futuro de muitas empresas é incerto. As que renegociaram suas dívidas basicamente ganharam mais prazo — e, para conseguir pagar o que devem daqui a dois, três ou quatro anos, é preciso que haja alguma recuperação da economia. Para uma parcela dos analistas e executivos do mercado financeiro, parte dessas dívidas é impagável e os bancos sabem disso, mas evitam reconhecer o prejuízo.
Quando uma companhia entra em recuperação judicial, os bancos são obrigados a mostrar a perda total nos balanços, e isso reduz os lucros. Além do mais, como há uma fila de credores e os processos são todos negociados, fica mais difícil, e demorado, receber qualquer pagamento. “Os bancos estão no esquema extend and pretend (estender os prazos e fingir que vão receber)”, diz um diretor de banco.
Num relatório recente, a agência Moody’s alertou para o risco desse processo, afirmando que os bancos brasileiros não estão elevando as provisões para créditos duvidosos no mesmo ritmo do aumento das reestruturações. “A boa prática bancária é ficar perto dos clientes, especialmente em períodos difíceis. As dificuldades de muitas empresas são temporárias.
Quando conseguimos antecipar os problemas e fazer uma renegociação, a solução fica mais fácil”, diz Antonio Pardo de Santayana, vice-presidente executivo de gestão de riscos do Santander. A boa vontade dos bancos, porém, não se estende a todas as empresas. Sem saída, quase 1 300 companhias entraram em recuperação judicial no ano passado, um recorde (em 2014, foram 828).
Foi o caso da fabricante de roupas femininas Barred’s, que pediu recuperação judicial depois que suas linhas de crédito foram quase totalmente extintas. Os bancos fizeram isso quando um fornecedor protestou um título de dívida da empresa por falta de pagamento. “Ficamos sem capital de giro para funcionar”, diz Valberto Mangabeira, presidente da Barred’s.
Isso, aliado a uma queda de 40% nas receitas desde 2014, levou a empresa a acumular uma dívida de 100 milhões de reais, igual a seu faturamento. Desde o início do socorro judicial, a Barred’s fechou 20 lojas (hoje, tem 100) e pretende investir em roupas masculinas e infantis para tentar reverter os resultados ruins.
A Operação Lava-Jato é outro fantasma que assombra os bancos — e, consequentemente, os milhares de empresas que dependem deles. Desde 2014, pelo menos dez empresas investigadas pediram recuperação judicial, entre elas as empreiteiras OAS, Galvão, Mendes Júnior e Schahin. Como os desdobramentos da operação são imprevisíveis, a dúvida é quais outras empresas ainda poderão ter problemas com a lei.
Além disso, grandes companhias enfrentam dificuldades — às vezes, devastadoras — em sua cadeia de fornecedores. A Lupatech, fabricante de válvulas e cabos usados em plataformas de exploração de petróleo, é uma prova disso. A empresa era uma das fornecedoras mais promissoras da Petrobras no tempo do oba-oba com o pré-sal. A Lupatech abriu o capital em 2006 e captou 453 milhões de reais.
O plano era usar o dinheiro para transformar uma empresa média, fundada no interior gaúcho nos anos 80, numa fornecedora global. Mas a Petrobras passou a cancelar encomendas e a atrasar pagamentos. Além disso, muitos bancos cortaram o crédito para o setor para evitar exposição aos riscos da Lava-Jato. Asfixiada, a Lupatech entrou em recuperação judicial em maio de 2015.
Seus credores se tornaram acionistas, houve demissões, corte de custos e, agora, a empresa diz estar pronta para voltar ao mercado em alguns meses: planeja ampliar as exportações e a atuação no exterior (hoje, tem uma operação na Colômbia) e torce para que os atuais investimentos do pré-sal sejam mantidos.
“Mas temos de sobreviver com crédito bancário restrito, amparado por muitas garantias”, diz Ricardo Doebeli, presidente da Lupatech. No passado, segundo ele, bastava apresentar o contrato de encomendas da Petrobras para conseguir financiamento. Hoje, é necessário mostrar as notas fiscais dos produtos entregues e títulos que indicam quanto ainda tem a receber da estatal.
Nenhum desses entraves será resolvido do dia para a noite, mas a euforia de curto prazo pode se transformar em crescimento sustentado se um futuro governo Temer encaminhar parte das propostas para mudar os rumos da política econômica.
Ao divulgar, no fim de 2015, o documento Uma Ponte para o Futuro, elaborado por economistas como Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, e Marcos Lisboa, professor na escola de negócios Insper, o PMDB de Temer explicitou o que defende — e quais alterações faria no modelo atual. Algumas mudanças nem são tão complicadas.
É o caso da proposta que permite que empresas, inclusive estrangeiras, explorem campos de petróleo sem ter a Petrobras como sócia. “O Senado já aprovou um projeto sobre o tema e há apoiadores na Câmara”, diz o cientista político Fernando Schüler, da escola de negócios Insper. Isso permitira a retomada de investimentos, já que a Petrobras está paralisada em razão do altíssimo endividamento.
Mas as reformas que realmente farão diferença no futuro são mais complicadas. As principais são a tributária e a da Previdência, que precisam de ampla aprovação do Congresso. Exemplo: a reforma da Previdência, que depende de emendas à Constituição, precisa ser aceita por 60% dos deputados e senadores.
A abertura do processo de impeachment foi aprovada por 367 deputados, que representam pouco mais de 70% da Câmara. Para iniciar o percurso no Senado, é necessário 50% mais um dos votos dos senadores (um total de 41). Mas é improvável que os parlamentares favoráveis ao impeachment formem a base de apoio de um eventual governo Temer.
Estima-se que ele começaria com cerca de 200 aliados na Câmara e 37 no Senado, número que poderia crescer conforme a composição de sua equipe. “Mesmo que ele tenha aliados em bom número, é difícil saber se eles apoiarão reformas espinhosas”, diz o consultor político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas.
Para os analistas, as dificuldades seriam maiores num governo de transição que não foi eleito e, portanto, não tem o apoio expresso da maioria da população. Temer está longe de ser uma figura popular. Pesquisas indicam que, se houvesse eleições presidenciais hoje e ele fosse candidato, teria apenas 2% dos votos. É pouco, e pode diminuir com o avanço da Lava-Jato.
Temer foi citado nas delações do senador Delcídio do Amaral e do lobista Julio Camargo, que confessou ter pagado propina a integrantes do PMDB na intermediação de negócios com a Petrobras. “Temer precisa convencer logo a sociedade de que pode conter a crise. Sem isso, não haverá sossego para seu governo”, diz João Augusto de Castro Neves, diretor para a América Latina da consultoria política Eurasia.
Indo bem ou não, Temer enfrentaria a oposição ferrenha do PT e seus aliados, o PCdoB e o Psol. De todo modo, é possível que uma parcela dos deputados queira fazer parte de um governo de salvação nacional. O desafio de Temer, agora, é mostrar a 200 milhões de brasileiros que essa salvação existe.