Revista Exame

Guarulhos virou "Bagulhos"

A oitava maior economia do mundo não tem seu principal aeroporto sequer na lista dos 100 melhores do planeta. Entenda por que estamos tão atrás dos outros países emergentes

Guarulhos: a primeira imagem do Brasil para muitos estrangeiros (Mario Rodrigues/EXAME.com)

Guarulhos: a primeira imagem do Brasil para muitos estrangeiros (Mario Rodrigues/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 11 de abril de 2013 às 17h32.

Diz o ditado que a primeira impressão é a que fica. Se isso for verdade, estamos em maus lençóis. O primeiro contato de dois terços dos turistas e executivos estrangeiros com o Brasil se dá no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo - e é difícil achar alguém que goste da experiência. Só para deixar a sala de desembarque com as malas nas mãos e o visto aprovado, o viajante demora cerca de 1 hora e meia. No aeroporto de Incheon, que serve Seul, capital da Coreia do Sul, o trâmite não passa de 13 minutos. "Chego quebrado após 12 horas de voo e ainda tenho de encarar horas entre esperas e filas", diz Vicente Picarelli Filho, sócio da consultoria Deloitte, que passa por lá ao menos uma vez por semana. Picarelli não está sozinho na insatisfação. De acordo com pesquisa da consultoria britânica Skytrax, realizada anualmente com quase 10 milhões de viajantes de 100 países, Guarulhos é o 121o colocado em qualidade dos serviços numa lista de 210 aeroportos. Uma posição vergonhosa para uma economia que já é a oitava maior do planeta e almeja ser a quinta. Não é por acaso que Guarulhos fica cada vez mais conhecido entre os usuários pelo revelador apelido de "Bagulhos".

Por que a principal porta de entrada do Brasil chegou a essa situação? Inaugurado em 1985, Guarulhos logo ficou pequeno. "O aeroporto foi desenhado para receber voos domésticos e de alguns países da América do Sul, mas se tornou o maior polo de chegadas ao país", diz Adalberto Febeliano, especialista em transporte aéreo. Quando foi inaugurado o segundo terminal, em 1991, o primeiro já operava acima da capacidade. Desde então, ao longo de 20 anos, os poucos investimentos foram paliativos. Enquanto isso, o mercado no país evoluiu sem parar. Em Guarulhos, o movimento de passageiros cresceu mais de 70% desde o início da década. O choque entre as duas realidades é a sobrecarga no aeroporto: neste ano, ele deve ser utilizado por quase 23 milhões de passageiros, volume 33% acima da atual capacidade, de 17 milhões.

Quem sofre com isso são os viajantes. Nos horários de pico, o saguão principal parece uma saída de estádio de futebol, com longas filas se entrecruzando. Não há opções de lazer nem acesso à internet. Nos terminais de Kuala Lumpur, capital da Malásia, há internet sem fio grátis desde 2007. A sala de embarque de Guarulhos é acanhada, com pédireito baixo. Em caso de problemas meteorológicos e voos cancelados, o ambiente fica sufocante. No aeroporto da Cidade do México, as paredes têm 6 metros de altura e o clima é arejado. No desembarque, o primeiro problema enfrentado por quem chega a Guarulhos é a retirada da bagagem. Há apenas 12 esteiras nos dois terminais, todas coladas, deixando pouco espaço para os carrinhos. Na Cidade do México, com movimento de 24,7 milhões de passageiros no ano passado, são 37 as esteiras e o espaço é amplo - é só se aproximar, pegar a mala e sair com tranquilidade. Nos bastidores, o sistema de gerenciamento de Guarulhos também é obsoleto. Manejamos 7 200 malas por hora, enquanto só o terminal 3 do aeroporto de Pequim, construído para a Olimpíada de 2008, entrega 19 200 volumes. Lá, as malas saem diretamente do avião para as esteiras e chegam à área de passageiros a um ritmo de 2 000 itens por hora. Aqui, funcionários transferem manualmente as malas do porão dos aviões para um trator levá-las às esteiras, que operam à velocidade de apenas 600 itens por hora. Ao final, em 4 minutos e meio os usuários do aeroporto chinês estão com as malas nas mãos. São 40 minutos de demora em Guarulhos.


A canseira continua com o atendimento precário - principalmente para os estrangeiros - da Polícia Federal. O aeroporto Atatürk, em Istambul, na Turquia, conta com 90 guichês de imigração. Em São Paulo, são apenas 32 balcões. A Polícia Federal mantém seis policiais por turno de 24 horas e preenche apenas parte dos guichês com 22 brasil aeroportos empregados terceirizados. Além de insuficientes, os terceirizados são mal selecionados. "Eles deveriam falar ao menos dois idiomas, mas é difícil achar um ali que saiba bem o português", diz Francisco Carlos Sabino, vice-presidente do sindicato dos agentes da Polícia Federal. Sabino também cita casos de prisão em flagrante de terceirizados por cobrança de propina para liberar a entrada e a saída de estrangeiros. No aeroporto de Incheon, na Coreia, a tecnologia ajuda a diminuir as filas. Ao sair do país, os coreanos registram suas impressões digitais em máquinas como as usadas por alguns bancos no Brasil. Na volta, basta colocar o polegar em um sensor para ser liberado. Um equipamento de infravermelho também checa a temperatura dos passageiros nos corredores em busca de possíveis infecções - só os que mostrarem alguma anomalia serão parados para verificação.

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Para as empresas aéreas que operam em Guarulhos, o maior problema é o tamanho do pátio. A capacidade atual é de apenas 67 aeronaves em solo. Apesar de a demanda por novos voos não parar de crescer, a Infraero, estatal que administra o aeroporto, só libera rotas nos horários da madrugada e do meio da tarde. A solução está no papel há mais de 25 anos - a construção do terceiro terminal, prevista desde o projeto piloto do aeroporto. Apesar de incluída no Programa de Aceleração do Crescimento desde janeiro de 2007, a licitação da obra ainda está em andamento. A mais recente previsão da Infraero é que a obra começará em 2011, numa corrida para ficar pronta até a Copa do Mundo no Brasil. O terminal aumentaria a capacidade do aeroporto para 30 milhões de passageiros ao ano - volume que, em 2014, já será insuficiente.

O que os bons exemplos de aeroportos em outros países emergentes ensinam ao Brasil? Em primeiro lugar, que os investimentos não podem parar - nunca. "Aeroporto bom é aeroporto em obras", diz Respício Espírito Santo Jr., presidente do Instituto Brasileiro de Políticas Públicas em Transporte Aéreo. Em segundo, a tecnologia é um elemento- chave para criar atalhos nas soluções. Decorre daí a terceira lição: em países em que os governos não têm recursos suficientes para investir, a privatização pode ser uma ótima saída - já adotada em Singapura e Pequim, entre outros. "Os melhores aeroportos do mundo estão nas mãos da iniciativa privada", afirma Juliana Roque, secretária do Conselho Internacional dos Aeroportos na América Latina. Infelizmente, nada disso se vê em Guarulhos. Por ora, serão criados pela Infraero três "puxadinhos" para aliviar temporariamente o caos. O risco é que só eles saiam do papel - e que a imagem que os turistas levem do Brasil seja a de um país com a infraestrutura em frangalhos.

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