Revista Exame

Faltou a JBS combinar com os gringos

Após a série de aquisições que a transformou na líder global do setor, a JBS enfrenta problemas em suas operações lá fora

Rebanho do JBS, nos Estados Unidos: ajuste de contas de 500 milhões de reais com o BNDES (John Blake/EXAME.com)

Rebanho do JBS, nos Estados Unidos: ajuste de contas de 500 milhões de reais com o BNDES (John Blake/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Nos últimos cinco anos, os irmãos Batista, controladores da JBS, empreenderam uma expansão global sem precedentes. Ao fazer mais de 20 aquisições, os Batista — José, mais conhecido como Júnior, Joesley e Wesley — formaram a maior empresa de carnes do mundo, com vendas de 55 bilhões de reais em 2009. No papel, parecia uma estratégia cheia de lógica e ousadia de um grupo que nascera em Goiás e partia para conquistar o mercado global. O problema é que, como frequentemente acontece com os planos cheios de lógica e ousadia, nem tudo está correndo como previsto. Hoje, a JBS enfrenta uma miríade de dificuldades no exterior: brigas públicas com o sócio de sua operação italiana, fechamento de fábricas na Argentina e o iminente pagamento de uma espécie de multa de 500 milhões de reais referente a um empréstimo feito pelo BNDES para a compra da americana Pilgrim’s Pride. “Só erramos na escolha do sócio italiano. Nos outros casos, o que mudou foi o contexto — it is what it is”, diz Joesley Batista, presidente da JBS, internacionalizando também o discurso.

Em nenhuma das operações internacionais a situação é tão delicada quanto em Modena, na Itália, onde a JBS divide, há três anos, o controle da fabricante de carnes Inalca com a família Cremonini. A tensão entre os sócios é pública. Num sábado de julho, o diretor dos escritórios internacionais da JBS, Marco Bicchieri, presidente do conselho Inalca, foi barrado no portão da empresa pelos Cremonini. Bicchieri marcara uma reunião para aquele dia e foi impedido de entrar sob a alegação de que não havia expediente aos sábados. Ele e os outros dois conselheiros nomeados pelo JBS tiveram de fazer a reunião na calçada da empresa. O resultado dessa queda de braço é que, ao contrário do que ocorre em todas as ou tras companhias adquiridas, os Batista não têm o controle financeiro da Inalca. “São cenas de uma tragicomédia italiana”, afirma Bicchieri, ele mesmo um italiano criado no Brasil. “Compramos uma empresa e não conseguimos saber o que acontece dentro dela.”

O que já é ruim pode ficar pior se a geração de caixa da Inalca atingir 120 milhões de dólares neste ano — quase o dobro do registrado em 2009. No contrato fechado em 2007, a JBS se compromete a pagar um prêmio de 90 milhões de dólares à família Cremonini se o resultado for alcançado, reforçando os 300 milhões de dólares desembolsados na aquisição. Sem acesso ao dia a dia da empresa, os executivos do JBS temem que os números que serão apresentados no final do ano não traduzam a realidade — e a forcem a pagar por um desempenho que a Inalca não atingiu. De acordo com Bicchieri, três diretores financeiros indicados pela JBS nos últimos 12 meses foram demitidos pelos Cremonini antes mesmo que eles tivessem acesso aos dados da operação ou a extratos bancários. Em agosto, a acusação sobre o bloqueio às informações foi levada pela JBS à Câmara Internacional de Comércio de Paris, que julgará o caso. “Nossa geração de caixa vai ultrapassar os 130 milhões de dólares. É isso que preocupa a JBS”, afirmou a EXAME, por e-mail, Vincenzo Cremonini, presidente do grupo Cremonini. Em outubro, foi a vez de os italianos denunciarem os brasileiros na Câmara de Paris, alegando o descumprimento de cláusulas de não concorrência no mercado da Europa e da África, sobretudo depois da aquisição do frigorífico Bertin.

Embora não seja crucial para o resultado total da JBS — a Inalca responde por menos de 3% das vendas totais —, na época da aquisição, a operação italiana era considerada estratégica para acessar os mercados da Europa e da África. Era a mesma lógica que estava por trás da compra da Swift da Argentina, arrematada por estimados 200 milhões de dólares em 2005, e voltada historicamente para a exportação para Europa e Estados Unidos. No ano seguinte, porém, o governo argentino impôs restrições às vendas para o exterior com a intenção de fazer os preços caírem no mercado interno. Como consequência, o setor de carnes praticamente quebrou no país. Neste ano, quatro das seis fábricas da JBS na Argentina foram fechadas. “Mas não estamos desesperados para vendê-las”, afirma Joesley. “Juntas elas não representam nem 3% do patrimônio do grupo.”

O ajuste de contas mais imediato que a JBS tem a fazer diz respeito à sua maior operação no mundo hoje, nos Estados Unidos, que representa 70% de suas receitas líquidas. Trata-se do pagamento de 500 milhões de reais de juros sobre os 2 bilhões de dólares adquiridos em debêntures pelo BNDES para financiar a aquisição da processadora americana de frango Pilgrim’s Pride, em setembro de 2009. Inicialmente, o plano era converter a dívida em ações, por meio da abertura de capital da subsidiária americana neste ano. (Segundo o próprio Joesley, o IPO não deve sair até o terceiro trimestre de 2011.) “Em um ano, a operação americana deve valer quase o dobro dos atuais 9 bilhões de dólares”, diz ele. “Vamos pagar os juros ao BNDES felizes.” O mercado não reage com o mesmo humor. As ações da JBS acumulam a maior baixa do setor em 12 meses e valem hoje 20% menos do que no momento do IPO, em 2007. “A conversão das debêntures e incertezas sobre a Inalca devem prejudicar as ações no curto prazo”, diz o analista Gustavo Wigman, em um relatório do banco Goldman Sachs. Comprar as empresas pelo mundo afora parece ter sido a parte mais fácil da história até agora.

Acompanhe tudo sobre:AgronegócioAgropecuáriaCarnes e derivadosEdição 0981Empresas abertasEmpresas brasileirasJBSTrigo

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda