Revista Exame

Os coreanos da Mirae são especialistas em periferia

O grupo financeiro coreano Mirae cresceu de maneira fulminante ao concentrar seus esforços longe dos grandes centros financeiros mundiais. Mas tudo indica que conquistar os investidores brasileiros será mais difícil que o habitual

O coreano Martin Lee (à frente) e a equipe da Mirae: falta convencer os investidores brasileiros (.)

O coreano Martin Lee (à frente) e a equipe da Mirae: falta convencer os investidores brasileiros (.)

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Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2013 às 18h38.

Está na moda desdenhar de Wall Street. A crise de 2008, como se sabe, desidratou os grandes centros financeiros mundiais e aumentou a força relativa de países emergentes como China, Brasil e Índia. Nada mais natural que surgissem instituições cujo objetivo declarado é crescer com dedicação total à periferia. É o caso do BTG Pactual, o banco do carioca André Esteves. Desde que o BTG recomprou dos suíços do UBS a operação do Pactual, em abril do ano passado, Esteves empunhou a bandeira de criar o maior banco de investimento com base em mercados emergentes do mundo. Com essa filosofia, o BTG avança não apenas pela clássica rota financeira, como Londres e Nova York, mas também em locais menos óbvios - o banco já possui um escritório em Hong Kong e manifestou o interesse de estar presente no México. Se quiser seguir com essa estratégia, Esteves tem muito a ganhar estudando a carreira de um coreano completamente desconhecido no Brasil: o financista Hyeon-Joo Park, uma espécie de especialista em periferia.

Aos 52 anos, Park controla um dos maiores grupos financeiros da Ásia - a Mirae, que recentemente voltou suas atenções para o mercado brasileiro. Em pouco mais de dez anos, Park transformou sua pequena consultoria financeira em uma companhia com 75 bilhões de dólares sob gestão, mais que o dobro do total de ativos sob a responsabilidade do BTG. Por capitanear esse rápido crescimento, Park se tornou neste ano objeto de estudo na Universidade Harvard. Uma parte de seu sucesso pode ser explicada pela conjuntura na qual nasceu a Mirae, em 1997. Naquela época, quando Park deixou de ser um simples operador de uma corretora para montar sua empresa de investimentos, a maior parte do dinheiro dos coreanos estava aplicada no mercado imobiliário e em depósitos bancários. O investimento em ações era visto como especulação financeira. A desconfiança era tão grande que Park não encontrou nenhuma agência de publicidade disposta a endossar as ideias de uma recém-criada empresa financeira que pregava a popularização de uma aplicação duvidosa. A saída foi elaborar, ele próprio, os primeiros anúncios a ser publicados nos jornais e nas revistas locais. Apesar da dificuldade inicial, o fato de ser uma instituição pioneira em um setor pouco explorado deu à Mirae uma posição de destaque à medida que o mercado se desenvolveu - hoje, a empresa representa sozinha um terço do mercado de fundos de ações da Coreia.


Pelas beiradas

Nascida fora de um grande centro financeiro mundial, a Mirae se manteve na rota alternativa ao buscar o crescimento externo a partir de 2003. Isso, não custa lembrar, antes que Brics, Next-11 e assemelhados entrassem no vocabulário de gurus de investimento mundo afora. Para encontrar os mercados mais prósperos, os coreanos procuravam locais com altas taxas de crescimento, níveis elevados de recursos naturais e tendência de crescimento populacional. Com o olhar de hoje, os destinos que passaram a fazer parte do mapa-múndi da Mirae não surpreendem: Índia, China e Hong Kong. Um ano depois de ingressar no mercado indiano, a Mirae já estava entre as dez melhores gestoras de recursos do país no ranking elaborado pela MorningStar, consultoria americana especializada na avaliação de fundos. No Brasil, o desembarque dos coreanos começou em 2008, quando a empresa montou uma gestora de recursos local para oferecer fundos de investimento. Na prática, porém, a operação brasileira serviu quase que integralmente para atender à demanda dos clientes asiáticos por aplicações no Brasil - atualmente, 90% dos investidores dos fundos locais são coreanos.

Agora, a Mirae tenta avançar - e é aqui que os problemas devem começar a aparecer. No setor de fundos, sem conseguir atrair os clientes locais com o próprio esforço, os coreanos passaram a buscar novos canais de distribuição. Desde março, o Citibank e o Itaú Unibanco colocaram os fundos da Mirae entre as opções de aplicação de seus clientes. Na área de corretagem, o plano é investir 100 milhões de dólares para replicar no Brasil a estratégia utilizada na Coreia: lançar a corretora mais barata do mercado e criar pequenas filiais espalhadas pelos grandes centros para atrair novos investidores. Na Coreia, a corretora da Mirae inaugurou 115 lojas desde seu lançamento, em 2000, e atingiu 1,5 milhão de clientes - o triplo do total de pessoas físicas que hoje investem na BM&F Bovespa. "Estamos dispostos a ter prejuízo nos primeiros anos para ganhar espaço no mercado brasileiro", diz o coreano Martin Lee, responsável por montar a corretora no país.

Até agora, a única tarefa fácil para os coreanos foi comprar o lanche dos funcionários - como o preço das frutas no Brasil é baixíssimo para os padrões coreanos, a geladeira do escritório está sempre abastecida. Fora isso, o caminho tem sido penoso: as licenças para operar demoram a sair, os imóveis comerciais em São Paulo estão raros e caros e o número de instituições financeiras disputando profissionais no país é cada vez maior. Além de enfrentar a dificuldade geral do mercado para formar sua equipe, a Mirae ainda precisa lidar com o fato de ser desconhecida no Brasil, o que não ajuda a atrair profissionais. Para completar, terá de convencer os investidores brasileiros, para os quais não faltam boas opções. A Mirae deu seu salto ao concentrar esforços em países emergentes quando os concorrentes estavam olhando para o outro lado. Mas eis o seu problema atual - eles decidiram apostar no Brasil quando o potencial do país já não é novidade para mais ninguém.


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