Revista Exame

Os partidos políticos vão mudar desta vez?

Há tentativas de mudança em curso no país, mas elas encontram resistências e devem demorar a trazer resultados

Os partidos no Congresso: resistência às mudanças | Pedro Ladeira/Folhapress /  (Pedro Ladeira/Folhapress/Reprodução)

Os partidos no Congresso: resistência às mudanças | Pedro Ladeira/Folhapress / (Pedro Ladeira/Folhapress/Reprodução)

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Flávia Furlan

Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 05h00.

Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 10h07.

Mais um episódio embaraçoso entrou para a lista dos que escancaram o modus operandi dos partidos políticos no Brasil. Até recentemente, o Partido Social Liberal, com 230 000 filiados, sinalizava uma mudança de estrutura. A legenda incubou em 2015 o movimento Livres, de caráter liberal e perfil mais jovem, para uma oxigenação de seus quadros. A corrente conquistou 12 dos 27 diretórios estaduais, angariou 9 000 membros (o dado, do PSL, não é corroborado pelo Livres) e, até dezembro, ajudaria a rever o estatuto da sigla. Com as novidades, em 3 de janeiro, dez deputados da ala jovem do PSDB cogitavam um embarque no PSL. Mas a paquera não durou. No dia 5, o deputado federal Luciano Bivar, presidente do PSL, abriu as portas para o pré-candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, seduzido pelo fato de ele estar entre os mais votados nas pesquisas eleitorais. O Livres, que prega o liberalismo econômico e ideias liberais também nos costumes, não concordou com a chegada de Bolsonaro e sua pregação radical e decidiu sair do PSL. “A parceria simboliza uma forma de fazer política com a qual não concordamos”, diz Paulo Gontijo, porta-voz do Livres, que pode aderir a outro partido ou distribuir os membros por várias legendas. Bivar é mais pragmático: “Com Bolsonaro, agregamos mais pessoas do que perdemos”. Nas entrelinhas, está o choque entre o velho e o novo jeito de fazer política nos partidos.

É justamente a forma tradicional como os partidos agem que está em xeque no mundo. O comportamento dos políticos, notoriamente dedicados a se perpetuar no cargo, reduz a confiança dos eleitores na serventia dos partidos para defender seus interesses. Soma-se a isso uma classe média descontente com fenômenos que afetam sua qualidade de vida. Na Europa e nos Estados Unidos, ela reclama dos empregos perdidos para a tecnologia e para a globalização. Nos países latino-americanos, exige dos políticos melhores serviços públicos, após a frustração com o fim da fase próspera do superciclo das commodities. “Nada substitui os partidos: são eles que estruturam a política democrática”, diz o cientista político Scott Mainwaring, professor de estudos brasileiros na Universidade Harvard. “Quando os partidos estão frágeis, as democracias ficam vulneráveis.” 

No Brasil, o imbróglio do PSL se repete de outras formas e reforça a impressão de que, na prática, aqui toda legenda tem um dono. Outro exemplo é a recente indicação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha do presidente do partido, Roberto Jefferson, para o Ministério do Trabalho. Mesmo barrada pela Justiça por ter sido condenada por não pagar direitos trabalhistas a ex-funcionários, Cristiane teve a nomeação mantida por Temer (pelo menos até 15 de janeiro, quando esta edição foi finalizada). A tentativa de entrega do ministério a ela é parte das negociações com Jefferson para ter apoio do PTB à reforma da Previdência. Com a fartura de episódios desabonadores para os políticos, é compreensível o repúdio da população. Segundo o Instituto Ipsos, 93% dos eleitores desconfiam dos partidos, o mais alto grau de desaprovação entre as instituições do país. O nível de desconfiança na Presidência é de 90%. Além de serem considerados ruins, os partidos ainda custam caro. Via impostos, os brasileiros são obrigados a destinar cada vez mais dinheiro às legendas. Em 2018, o saldo do fundo partidário será de 890 milhões de reais, mais que o dobro do que era quatro anos atrás. O aumento foi aprovado — obviamente — pelos parlamentares sob a alegação de que é para compensar o veto a doações de empresas às legendas desde 2015.

Além de lidar com o eleitor descontente, outro desafio para os partidos brasileiros é atender à reforma política feita em 2017. Pelas regras antigas, as siglas recebiam em média 1 milhão de reais por ano do fundo partidário e tinham direito a alguns segundos de tempo de televisão e rádio. Algumas legendas menores não lançavam candidatos e vendiam esse tempo de divulgação às maiores. Com as regras novas, para acessar o fundo, o partido terá de conseguir nas eleições para deputados pelo menos 1,5% dos votos válidos do país, distribuídos em pelo menos nove estados, ou eleger nove candidatos em pelo menos nove estados. Um estudo do Movimento Transparência Partidária mostra que, se as regras tivessem sido aplicadas nas eleições de 2010 e de 2014, 15 partidos seriam afetados. Juntos, eles receberam 254 milhões de reais do fundo partidário desde 2011. “A cláusula de desempenho compromete a sobrevivência dos partidos ao cortar os recursos públicos direcionados a eles”, diz o cientista político Marcelo Issa, coordenador do Transparência Partidária. “Eles serão obrigados a conquistar filiados e eleitores.” 

Gastos na mira

A obscuridade nas finanças partidárias é uma das razões da barra suja dos partidos com os eleitores. A prestação de contas é precária, sem padrão, e os gastos são questionáveis. EXAME apurou que há dirigentes com salários de 40 000 reais por mês. Outros contratam serviços bizarros, como o caso de um presidente de partido que encomendou a pesquisa de todas as pessoas do país com sobrenome igual ao dele. Há ainda quem gaste 15 000 reais por mês no aluguel de um escritório próprio, enquanto o partido paga 1 000 reais para manter sua sede. Todos os gastos têm de ser avaliados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Mas, como o TSE só tem nove servidores para checar as 180 000 páginas de documentos anualmente enviadas, o último ano com análise de todos os partidos foi 2011, quando apenas 3,5% das contas foram aprovadas. Outros 61% foram aceitos, mas com ressalvas — havia inconsistências em alguns gastos, um dinheiro que terá de ser devolvido. Uma boa notícia: neste ano, o TSE lançará um sistema online para a prestação de contas. As legendas vão ter de preencher todos os campos exigidos, ou não conseguirão encaminhar sua documentação.

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A batalha pela transparência é dura. De tempos em tempos, há uma tentativa de tornar as contas mais obscuras. Nos últimos anos, foram aprovadas normas consideradas retrocessos: uma desobriga os partidos de dar detalhes sobre viagens aéreas e outra eleva a fatia das receitas direcionada a gastos com pessoal. Não é só aqui que as tentativas de afrouxamento são frequentes. Em Portugal, no fim de 2017, os parlamentares aprovaram uma lei que permitia que os partidos arrecadassem mais dinheiro com leilões e festas, um canal aberto para a corrupção, e que aumentava sua isenção de impostos. A forte reação da sociedade levou o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a vetar a lei. “A indignação social impediu o abuso, mas não mudou a cultura do poder”, diz João Paulo Batalha, presidente da Transparência Internacional em Portugal. Mas alguns países têm avançado. O Chile aprovou em 2016 uma lei de transparência que obriga as legendas a abrir seus dados aos cidadãos e a contratar auditorias externas, o que tem sido cumprido.

O alto grau de descontentamento tem levado a sociedade civil a se mobilizar em prol da renovação política. Um caminho natural é abrir novos partidos, como é o caso do Novo e da Rede no Brasil, fundados em 2011 e 2013, respectivamente. Com eles, surgem novas práticas. Em ambos há um tempo máximo de mandato da diretoria e auditoria externa. A Rede reserva um mínimo de vagas para candidaturas independentes. E o Novo promove processo seletivo para os candidatos e não tem comissões estaduais provisórias. Muitos partidos mantêm escritórios provisórios, cujos líderes não são eleitos, mas indicados pelo comando nacional, para concentrar poder. Com estruturas mais modernas, a Rede quer crescer de quatro para 18 deputados federais em 2018. O Novo, em sua primeira eleição nacional, mira 35 vagas. “O desgaste com a política, com a crise econômica e com a Lava-Jato antecipou a abertura de espaço para partidos novos”, diz João Amoêdo, pré-candidato à Presidência pelo Novo. “Mas, ao mesmo tempo, temos o desafio de fazer o público conhecer o partido e suas ideias.”

Outro caminho é a oxigenação via movimentos políticos. Alguns deles oferecem formação aos eleitos ou a quem quer ingressar na vida pública, como a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, criada em 2012 por Guilherme Leal, sócio da fabricante de cosméticos Natura, ou o Renova Brasil, fundado em 2017 por Eduardo Mufarej, ex-presidente da empresa de educação básica Somos. Já o movimento chamado Agora!, lançado em 2017, oferece uma agenda para o país que deve ser aceita pelos partidos que receberem seus membros — o PPS e a Rede têm interesse. “A lógica é parar de jogar pedra e fazer parte da solução”, diz Leandro Machado, um dos fundadores do Agora!. Em outros países, movimentos da política viraram partidos. Na Espanha, o sistema dominado pelo Partido Popular (de direita) e pelo Socialista Operário (de centro-esquerda) foi rompido pelo partido Podemos em 2014. Ele foi criado na onda do grupo Indignados, que protestou em 2011 contra as elites e a austeridade fiscal, e chegou a ocupar o maior número de cadeiras no Parlamento. Hoje, desgastado após escândalos de recebimento de dinheiro ilegal, o Podemos está em terceiro lugar entre os partidos espanhóis. Na Índia, o Partido do Povo nasceu de protestos contra a corrupção, conquistou 68 dos 70 assentos da Assembleia de Nova Délhi em 2015 e está conseguindo aprovar leis em âmbito estadual.

Preocupados com as demandas por mudanças, os caciques dos partidos tradicionais — as legendas protagonistas da crise de imagem, com medalhões enrolados até o pescoço na Lava-Jato — tentam pelo menos ajustar o discurso. Uma saída comum é a troca de nome. O PMDB, no final do ano, voltou a ser MDB. Com novo nome, mas sob a mesma direção, vêm uma promessa de contratação de um serviço de compliance e uma mudança de estratégia. “Não dá para o maior partido do país ter foco apenas em governabilidade. Queremos ter um candidato próprio à Presidência em 2022, com uma agenda definida”, diz o senador Romero Jucá, presidente do MDB. O PT, por sua vez, diz que estuda investir em compliance, mas não está aberto para os novos rumos da política. “Não entendemos a política como um lugar para pessoas sem experiência e com o viés só de gestão. Acreditamos em políticos profissionais”, diz a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT. O PSDB não respondeu às questões da reportagem. 

O descontentamento com os partidos tem feito surgir candidatos populistas ou extremistas, a exemplo de Donald Trump, nos Estados Unidos. Ou, então, candidatos novatos, como Emmanuel Macron, na França. “Num quadro de descontentamento com partidos, abre-se espaço para um salvador da pátria”, diz Frances Hagopian, também professora de estudos do Brasil na Universidade Harvard. Mas o fato é que todos eles têm perdido a popularidade muito rapidamente, embora tenham conseguido avançar com algumas reformas em seu país. “Estamos entrando numa era de governos pouco populares e politicamente mais enfraquecidos”, diz Christopher Garman, chefe para mercados emergentes da consultoria política americana Eurasia. Numa época em que ganhar o voto dos cidadãos está mais difícil, os partidos estão sendo obrigados a se reinventar. Pode até levar tempo, mas é bom que seja um caminho sem volta. Disso depende a qualidade de nossa democracia. 

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