Revista Exame

Os tablets estão entre nós

Os tablets finalmente chegaram ao mercado brasileiro. Mais do que inaugurar um segmento promissor, eles vêm com a promessa de impulsionar negócios diversos

Corretora da Tecnisa: a tablet da Apple é utilizada como ferramenta de vendas (Daniela Toviansky/EXAME.com/Site Exame)

Corretora da Tecnisa: a tablet da Apple é utilizada como ferramenta de vendas (Daniela Toviansky/EXAME.com/Site Exame)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

No fim de janeiro, quando Steve Jobs deu início ao primeiro evento de mídia da Apple no ano, o mercado de tecnologia parou para ouvir um anúncio carregado de expectativa. Rumores à parte, o que se sabia oficialmente era que o encontro traria o lançamento de um dispositivo móvel. Três meses depois, em abril, os primeiros iPads chegavam ao mercado americano. E o que se seguiu foi um roteiro pouco diferente de qualquer lançamento da Apple nos últimos anos: filas de compradores nas lojas, empurra-empurra e vendas, muitas vendas. Haveria mesmo lugar para uma nova categoria de computadores pessoais, sem teclado nem mouse? Questionamentos como esse logo perderam o sentido. Em três meses, as vendas do aparelho superaram previsões para o ano inteiro, que era de cerca de 3 milhões de unidades. De lá para cá, empresas como Research in Motion, Dell, LG, HP e Lenovo correram para apresentar soluções semelhantes. O iPad ganhou concorrência, e o mercado de tablets, enfim, nasceu. Até o fim do ano, o instituto de pesquisas Gartner estima vendas de mais de 19,5 milhões de aparelhos no mundo todo. Em 2014, o número de unidades de tablets comercializadas deverá passar de 200 milhões, segundo previsões do Gartner.

Quase oito meses depois do lançamento do iPad, os tablets estão finalmente chegando ao mercado brasileiro. O primeiro foi o Galaxy Tab, lançado em novembro pela coreana Samsung. Até o final do ano, espera-se que o iPad comece a ser vendido em distribuidoras da Apple de todo o país. Oito meses pode parecer pouco. Mas, levando em conta a trajetória meteórica desses aparelhos, é um tempo razoável para algumas constatações. A primeira delas: os tablets são e continuarão sendo uma das grandes apostas do mercado editorial dos últimos anos (mais sobre isso em breve). A segunda: ao que tudo indica, eles também têm algo a oferecer para negócios dos mais diversos ramos.

Em dias de expediente, até pouco tempo, a corretora de imóveis Keila Carminhola, de São Paulo, era vista carregando fôlderes e tabelas de preços de empreendimentos da Tecnisa, construtora paulista na qual trabalha. Há um mês, a papelada foi substituída por um iPad. A tarefa de demonstrar ofertas de imóveis ganhou novos ares. "Em vez de encher a mão de clientes com fôlderes e poluir visualmente a mesa de negociação, agora uso apenas um aparelho", diz Keila. Com o tablet, a corretora pode exibir vídeos de um empreendimento e de seu entorno. Ou então mostrar imagens de plantas-baixas e áreas comuns. "Dá para perceber mais animação e envolvimento do cliente", afirma. Para dar um pontapé na estratégia, a Tecnisa alugou 15 iPads. O desenvolvimento do aplicativo custou 7 000 reais, pouco mais de 10% do valor normalmente gasto em fôlderes de propaganda impressos para cada empreendimento lançado. "Os tablets logo serão ferramentas essenciais de vendas, e cada corretor terá o seu", diz Romeo Busarello, diretor de internet da Tecnisa. 


A grife de roupas femininas Farm, do Rio de Janeiro, busca um caminho semelhante. Desde maio, 15 iPads estão sendo usados como uma espécie de catálogo interativo em lojas da rede. Vendedores mostram às clientes fotos com produções de peças da coleção e aproveitam para apresentar o blog da marca. "Os iPads chamam atenção até de pais e namorados, e o tempo que as clientes passam nas lojas aumentou", diz Flávia Miranda, coordenadora de marketing da empresa. Os tablets também estão nas mãos de promotoras de vendas da Procter&Gamble. A empresa comprou 50 iPads, que são utilizados em demonstrações de produtos em mais de 100 pontos de venda em todo o país. O foco são produtos que propõem mudança de hábito dos consumidores, como o lançamento de um sabão de lavar roupas líquido. "A apresentação dos benefícios dos produtos no iPad é bastante ilustrativa", diz Gabriel Ferrari, gerente de marketing da P&G.

Houve empresas que se anteciparam à chegada oficial dos tablets no país lançando aplicativos que têm como alvo os usuários domésticos (desenvolvedoras de software estimam que cerca de 100 000 brasileiros sejam usuários de iPad, residentes ou não no país). Para essas companhias, a ordem é marcar presença na nova plataforma o mais rápido possível — mesmo que com aplicativos simplórios ou pouco diferentes de páginas web. Em setembro, o Pão de Açúcar lançou uma ferramenta de compras online para iPad, uma versão otimizada de seu site. Desde outubro, a BM&F Bovespa oferece de graça um aplicativo que permite a visualização de dados do mercado de ações no tablet da Apple. Bancos como Itaú e Bradesco também correram para adaptar aplicativos bem-sucedidos em smartphones. No caso do Itaú, a estreia nos tablets se deu com uma ferramenta que permite consultas de extrato, transferências e pagamentos de contas. Em breve, o banco lançará um sistema de transação de ações. "Muitos clientes pediam para fazer transações e ter acesso à conta quando não estavam em frente ao computador", afirma Ricardo Guerra, diretor de sistemas de canais de atendimento do Itaú. "Os tablets são uma oportunidade de atender a esse desejo."

Tamanho interesse tem impulsionado outro mercado — o de desenvolvedores de aplicativos. Nos últimos anos, surgiram no país pequenas startups para criar aplicações em smartphones. Com o lançamento do iPad, muitas passaram a desenvolver soluções também para os tablets. "Recebemos mais de 20 pedidos de orçamento de aplicativos de tablet por mês", diz Márcio Pissardo, fundador da LiveTouch, desenvolvedora de aplicativos móveis fundada em 2008 e que deve terminar o ano com faturamento de 1,2 milhão de reais.

Inovações

Até agora, no entanto, são poucas as aplicações que trazem experiências realmente inéditas para os usuários da nova plataforma. Uma exceção é a NET, maior operadora de TV paga e internet banda larga do país, que corre para lançar no início de 2011 um aplicativo para iPad que propõe uma nova dinâmica na experiência de ver televisão. "Acreditamos que os tablets vão ser o canal de interação do telespectador com o conteúdo exibido", diz Márcio Carvalho, diretor de produtos e serviços da empresa. Em uma primeira etapa, a NET oferecerá conteúdos extras e um guia de programação no iPad. Mais tarde, a ideia é que eles funcionem como substitutos dos controles remotos via sinais de Wi-Fi, explorando a interatividade e a tela sensível ao toque. Em uma etapa posterior, os assinantes poderão assistir a programas no próprio aparelho. Ao contrário de aplicativos mais básicos, usos inovadores como esse requerem estruturas de desenvolvimento complexas. "Não há solução pronta à venda no mercado para o que queremos fazer", diz Carvalho. Para desenvolver o aplicativo, a NET precisou contratar empresas de software, hardware e serviços.

Mas nenhum segmento, como era de esperar, está tão mergulhado no mundo dos tablets quanto o mercado editorial. Em todo o mundo, já são mais de 1 100 aplicativos de jornais e revistas lançados. No Brasil, praticamente todos os grandes grupos de mídia têm hoje versões de publicações para tablets, a maioria deles para iPad. O Galaxy Tab, da Samsung, chegou ao mercado brasileiro com nove títulos de jornais e revistas embarcados. A inspiração para as editoras brasileiras vem de casos de sucesso, como o aplicativo para iPad da revista americana Wired, que apenas no dia de lançamento vendeu mais de 24 000 cópias a 4,99 dólares — e hoje figura entre os mais vendidos da loja da Apple. Mas esse ainda é um terreno de muitas incertezas. Não há ainda definição, por exemplo, sobre o modelo de assinaturas a ser adotado. Como a Apple não vende assinaturas através de sua loja virtual, edições de revistas hoje são vendidas separadamente. Os jornais, até agora, têm adotado políticas de restrição de acesso a artigos de edições impressas. Durante muito tempo, houve expectativa de que a primeira banca digital de revistas fosse lançada pela Apple no iPad, mas o cenário mais provável hoje é que isso ocorra em tablets que irão rodar com o Android, sistema operacional do Google. Editoras de livros e livrarias também tentam garantir seu filão. No Brasil, a Saraiva já oferece mais de 1 400 títulos em português para tablets e leitores digitais. Ao mês, 10 000 livros digitais são vendidos, um número ainda pequeno perto do 1,4 milhão de livros em papel comercializados pela empresa mensalmente. "As possibilidades de interação e outros recursos oferecidos pelos tablets deverão ajudar a diminuir essa diferença", diz Marcílio Pousada, presidente da Saraiva.

Apesar dos prognósticos animadores, pouco se sabe de concreto sobre o futuro dos tablets. Mesmo entre os fabricantes, há discordâncias em relação a muitos aspectos-chave (telas de 7 ou 9 polegadas? Aparelhos com ou sem câmeras?). Uma das maiores dúvidas diz respeito à venda de aplicativos. No caso da Apple, fatores que foram determinantes para o sucesso das aplicações de iPhone não são garantia de consagração para o iPad. Nos dois primeiros meses de vida do aparelho, 8 500 aplicativos foram lançados, o que contribuiu para um crescimento de 21% do total de ofertas da loja virtual. Apesar disso, eles representaram apenas 3% do total de vendas no período. A tela maior em relação aos iPhones também pode ser um convite ao uso da internet pelo navegador. Até hoje, o Facebook não possui aplicativo para iPad — há poucos meses, Mark Zuckerberg declarou que os tablets não são dispositivos móveis. Sem a dinâmica de negócios gerada pela loja de aplicativos, os tablets podem até se tornar um sucesso de vendas. Mas talvez não alcancem o impacto esperado. A continuação dessa história será contada em breve — quem sabe, em um tablet.

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