Revista Exame

O drama do desemprego entre os jovens

Puxado pelas estatísticas dos países ricos, o desemprego entre jovens dispara no mundo e ameaça a economia global com efeitos que devem perdurar por várias décadas

Agência de empregos na Espanha: com o desemprego em alta, 63 000 espanhóis deixaram o país, a maioria jovens (Cesar Manso/AFP Photo)

Agência de empregos na Espanha: com o desemprego em alta, 63 000 espanhóis deixaram o país, a maioria jovens (Cesar Manso/AFP Photo)

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Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2012 às 16h22.

São Paulo - Em 2008, quando o dublinense Thomas Horrigan estava prestes a terminar o ensino médio, a Irlanda entrou de cabeça na crise. Sem dinheiro, Horrigan largou o sonho de entrar numa faculdade de engenharia e foi trabalhar na oficina mecânica do pai. Um ano depois, o negócio fechou por falta de clientes e tudo voltou à estaca zero.

A partir de então, Horrigan só encontrou trabalhos temporários, com contratos de 11 semanas de duração, no máximo. Atualmente, está no setor de empacotamento de uma fábrica de bebidas em Dublin. Ganha pouco mais de 1 500 euros por mês, seu maior salário até agora, mas já sabe que em menos de um mês voltará para as deprimentes estatísticas dos desocupados.

Na última década, a taxa de desemprego entre jovens na Irlanda saiu de 6% para 31%, uma das maiores altas registradas entre os membros da OCDE,­ o clube das nações mais ricas.

Desde a eclosão da crise, a taxa média de desocupação entre os 15 e os 24 anos nos países desenvolvidos saltou de 12,5% para 18%, o principal fator por trás da elevação do desemprego juvenil em todo o mundo, um fenômeno que hoje atinge 75 milhões de pessoas. 

O pior é que, até onde a vista alcança, as vítimas precoces do desemprego não têm motivos para se animar. Pelos cálculos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a situação não deve voltar aos níveis pré-crise, no mínimo, pelos próximos cinco anos.

“Os jovens costumam ser os primeiros a sentir os efeitos de uma recessão e também tendem a ser os últimos a sair dela”, afirma Adriana Kugler, economista-chefe do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, país onde a desocupação atinge 17% dos trabalhadores com menos de 25 anos.

No plano pessoal, o desemprego costuma ser uma tragédia. Pesquisas realizadas nas últimas quatro décadas comparam o estresse causado pela perda do trabalho à morte de um amigo próximo ou à doença de um parente — quem já teve a infelicidade de passar por essa experiência sabe exatamente o desgaste que ela pode provocar.

Do ponto de vista da sociedade como um todo, a falta generalizada de emprego é igualmente funesta — algo que ganha proporções desastrosas quando afeta os mais jovens. “É um desperdício deixar a parcela mais dinâmica e criativa da força de trabalho simplesmente fora do jogo”, afirma Theodoor Sparreboom, economista sênior da OIT.


O drama é que, caso esse quadro não seja revertido, os jovens (e os países) afetados vão sentir seus efeitos por décadas — mesmo quando a esperada queda do desemprego se materializar. Um extenso estudo feito pela ONG inglesa Acevo indica que, no Reino Unido, onde a taxa de desemprego juvenil atinge quase 22%, um ano sem trabalho na juventude pode significar salários de 6% a 8% menores quando o profissional alcançar a faixa dos 30 anos.

O desemprego precoce tem um efeito tão devastador e persistente que, mesmo aos 40 anos, a pessoa pode receber até 20% menos. Deixar de trabalhar no que deveria ser o início da vida profissional também eleva a chance de que o desemprego volte a acontecer no futuro.

“Nessa corrida, quem sai muito depois da largada fica com lacunas no currículo, demora a formar uma rede de contatos e, em muitos casos, acaba aceitando funções mais mal remuneradas”, diz José Ramón Pin, professor da escola de negócios Iese, de Barcelona. Nesse sentido, o caso do espanhol Carles Plasencia, de 25 anos, é esclarecedor.

Plasencia se formou em linguística e literatura em junho na Universidade de Valência. Sem nenhuma esperança de encontrar emprego na sua área, Plasencia já se candidatou, sem sucesso, a vagas de garçom e de vendedor de loja. No desespero, chegou a bater na porta de um McDonald’s, mas nem lá conseguiu o que queria.

“Se não encontrar nada até metade de 2013, vou seguir os passos de alguns amigos meus e emigrar”, diz Plasencia. A Espanha, que, assim como a Grécia, tem mais da metade de seus jovens sem emprego, está vendo sua população economicamente ativa sangrar. Em 2011, 63 000 espanhóis deixaram o país,­ quase 60% com menos de 30 anos.  

A falta de trabalho nos primeiros anos do percurso profissional coloca a vida em suspenso. Na Itália, onde 35% dos jovens não encontram trabalho, a população de mammones — os marmanjos que continuam morando na casa dos pais mesmo depois de adultos — proliferou.

Atualmente, 42% das pessoas de 25 a 34 anos permanecem sob a barra da saia materna, a maioria por razões financeiras. Na década de 90, a proporção não chegava a um terço. Pelos cálculos da Universidade Bocconi, de Milão, os italianos que começam a trabalhar mais tarde têm um aprendizado mais lento e um retardo de produtividade de cinco a dez anos em comparação à média da OCDE. 


Individualmente, a procrastinação na vida adulta é uma questão estritamente privada. Quando os adiamentos na compra do primeiro carro, na aquisição da casa própria e na formação de uma família ganham proporções de fenômeno social, porém, a economia como um todo sente — e aí esse passa a ser um dos principais temas do debate público.

Um levantamento do instituto de pesquisa Pew Research Center publicado neste ano mostra que 31% dos americanos até 34 anos decidiram adiar os planos de casar e ter filhos, o que complica a situação do setor da construção. Para a indústria automobilística americana, é justamente a menor demanda desse público que emperra a recuperação de suas vendas.  

Nos países europeus, os jovens chamados de neets, acrônimo para not in employment, education or training (fora do trabalho, da educação e do treinamento), custam, em média, 1,1% do PIB a cada ano. O cálculo considera os gastos com seguro-desemprego e o que eles deixam de produzir.

Nessa conta, porém, não constam os custos adicionais com saúde pública. Mais da metade dos jovens desconectados do mercado de trabalho e do mundo da educação se sente frequentemente deprimida ou ansiosa, segundo levantamento da ONG inglesa Prince’s Trust.

Apenas um terço tem esperança no futuro, metade da taxa dos jovens que estão trabalhando. Quanto mais tempo um jovem fica desempregado e mais entrevistas fracassadas de emprego faz, mais suscetível fica à tristeza. Que o diga a portuguesa Carla Esteves, de 31 anos.

Ao terminar, no começo deste ano, o doutorado em psicologia no Instituto Universitário de Lisboa, Carla se viu em uma armadilha. Nas universidades de Portugal, onde planejava se tornar professora, as contratações estão congeladas há meses. Carla, então, começou a procurar emprego na área de recursos humanos de empresas privadas, mas, nos processos de seleção, tem ouvido que é muito qualificada para as vagas disponíveis.

“É muito desanimador perceber o tempo passar e não conseguir se sentir útil para a sociedade”, diz. Jovens como o irlandês Horrigan, o espanhol Plasencia e a portuguesa Carla, expostos a períodos longos de recessão, costumam acreditar que o sucesso tem mais a ver com a sorte do que com o esforço pessoal. E isso é uma catástrofe tanto do ponto de vista econômico como do social, para eles e para seus países.

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