Revista Exame

“É essencial evitar uma guerra comercial”, diz diretor-geral da OMC

Para o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, é urgente interromper o aumento das tensões comerciais

Azevêdo, da OMC: “É essencial evitar uma guerra comercial” (Qilai Shen/Getty Images)

Azevêdo, da OMC: “É essencial evitar uma guerra comercial” (Qilai Shen/Getty Images)

FS

Filipe Serrano

Publicado em 5 de julho de 2018 às 15h05.

Última atualização em 10 de julho de 2018 às 17h07.

A Organização Mundial do Comércio (OMC), dirigida pelo diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, vive uma prova de fogo com a escalada das disputas comerciais entre os Estados Unidos, a China e a Europa. Em entrevista a EXAME, ele diz que o comércio internacional não é o culpado pela perda de empregos.

Apesar dos alertas, o governo Trump está disposto a adotar tarifas contra a China. Qual é a gravidade dessa situação?

Uma escalada de medidas restritivas e de retaliações mútuas seria muito grave. Ela pode causar sérios danos à economia mundial. Mas, além do impacto econômico, devemos nos preocupar com as motivações e as consequências sistêmicas. As raízes dessas tensões comerciais são as profundas transformações trazidas pelas novas tecnologias, responsáveis por cerca de 80% dos empregos perdidos. Medidas comerciais protecionistas não vão resolver o problema — ao contrário. A piora nas condições do emprego é debitada na conta do imigrante ou do produto importado, mas na verdade é estrutural. É mais fácil culpar o que vem de fora do que aceitar que os problemas são estruturais e que são necessários ajustes importantes e demorados nas políticas nacionais.

Ainda é possível evitar uma guerra comercial?

É essencial evitar uma guerra comercial. Precisamos reverter urgentemente esse processo de escalada nas tensões. Estamos trabalhando duro em Genebra para isso — ainda que muitas vezes fora do radar da opinião pública. O ideal é sempre que as partes cheguem a soluções mutuamente satisfatórias e saudáveis para o sistema como um todo. Mas um diálogo franco e objetivo em busca de soluções nem sequer começou propriamente e será demorado.

Qual seria o impacto sobre a economia mundial, caso a disputa tarifária continue?

Difícil mensurar a extensão do impacto. Vai depender do curso de ação adotado. Num primeiro momento, falávamos de um setor, agora outros setores e vários países estão sendo envolvidos. Num mundo de cadeias produtivas globalizadas, insumos e produtos cruzam fronteiras várias vezes antes de chegarem ao consumidor final. Ações que dificultam e encarecem esse fluxo penalizam produtores, comerciantes e consumidores em todo o mundo, mesmo em países que não aparecem nas manchetes dos jornais. Todos saem prejudicados.

Caso as tensões continuem durante o governo Trump, como o Brasil seria afetado?

Numa economia mundial interconectada, tensões comerciais impactam todos, mesmo aqueles não diretamente envolvidos. O Brasil não será exceção. Mas o Brasil está mais bem posicionado do que outros países menores. Conta com um mercado doméstico grande. Tem uma atividade econômica diversificada. Atua tanto no setor industrial quanto no setor agrícola e de serviços. Tem uma pauta exportadora sortida e destinada a vários e diferentes mercados. Mas, assim mesmo, haverá impacto. Uma forma de reduzi-lo seria ampliar o acesso a mercados externos, como o Mercosul tem procurado fazer, por exemplo, com a União Europeia.

Algumas tarifas adotadas pelo governo americano se baseiam em argumentos de segurança nacional. Alguns analistas tem alertado isso abre um precedente para que outros governos usem a mesma alegação. O senhor concorda com esta visão? Este risco existe?

O risco sempre existe. No momento não vejo sinais nesse sentido. Todos entendem as sensibilidades e o perigo de caminharmos nessa direção. Há, na verdade, um esforço de vários países no sentido de desencorajar o uso do argumento da segurança nacional.

O sistema multilateral de comércio vive uma crise?

É claro que medidas protecionistas e retaliações recíprocas colocam o sistema sob muita pressão. Mas, por mais paradoxal que possa parecer, elas também evidenciam o valor de contar com uma organização que promove um ambiente previsível, transparente e seguro para os negócios. É impressionante o nível de apoio que temos recebido do setor privado e de lideranças políticas de peso. E vale lembrar que essa não é a primeira vez que a OMC enfrenta uma prova de fogo. Após a crise financeira de 2008, passamos por um período muito crítico de pressões protecionistas. E nós só não tivemos uma guerra comercial naquele momento graças ao sistema multilateral de comércio.

Acompanhe tudo sobre:ChinaComércio exteriorEstados Unidos (EUA)EuropaGuerras comerciais

Mais de Revista Exame

Melhores do ESG: os destaques do ano em energia

ESG na essência

Melhores do ESG: os destaques do ano em telecomunicações, tecnologia e mídia

O "zap" mundo afora: empresa que automatiza mensagens em apps avança com aquisições fora do Brasil

Mais na Exame