Sebastian Mejía, cofundador da Rappi: 1,7 bilhão de dólares em investimentos em menos de quatro anos (Germano Lüders/Exame)
Filipe Serrano
Publicado em 9 de maio de 2019 às 05h26.
Última atualização em 24 de julho de 2019 às 16h43.
Existem poucas empresas de tecnologia no mundo que já levantaram mais de 1 bilhão de dólares com fundos de capital de risco em apenas uma rodada de investimentos. Até mesmo no Vale do Silício, onde não falta dinheiro para financiar desde aplicativos de paquera até fabricantes de carros autônomos, é raro encontrar startups que tenham arrecadado tamanho volume de recursos. Nas poucas ocasiões em que isso ocorreu, as empresas tornaram-se candidatas naturais a liderar a “próxima revolução” da tecnologia. Foi assim com o aplicativo de transporte Uber, com a empresa de escritórios compartilhados WeWork e com o site de hospedagem Airbnb. A nova empresa a entrar para essa lista de privilegiados é a Rappi, um aplicativo de entregas criado há três anos e nove meses por empreendedores colombianos e que cresce como poucas vezes se viu na América Latina.
No fim de abril, o conglomerado japonês Softbank — que tem investimentos em uma série de empresas de tecnologia, incluindo a Uber — revelou ter feito um aporte de 1 bilhão de dólares na Rappi. Metade dos recursos veio do Vision Fund, fundo da empresa japonesa destinado a apostas de longo prazo no setor de tecnologia. A outra metade teve origem no Innovation Fund, fundo de 5 bilhões de dólares criado recentemente também pelo Softbank para investir em startups latino-americanas.
Mas a realidade é que o investimento total levantado pela Rappi é maior do que o anunciado. Ele soma 1,2 bilhão de dólares (aproximadamente 4,8 bilhões de reais). Os 200 milhões de dólares adicionais foram aplicados pelos fundos de capital de risco que já tinham participação no aplicativo de entregas, entre eles os americanos Sequoia Capital, Andreessen Horowitz e Tiger Global, além do DST Global, fundo criado pelo bilionário russo-israelense Yuri Milner. Esses fundos são alguns dos principais investidores por trás das maiores empresas de tecnologia do planeta.
Com a nova rodada de investimentos — a quarta da Rappi —, o volume total já levantado pela empresa subiu para 1,7 bilhão de dólares. É um feito sem precedentes para uma empresa de tecnologia da América Latina em tão pouco tempo de existência. “Para mim, não faz muito sentido que a América Latina, com um mercado tão grande, com mais de 640 milhões de pessoas, uma economia equivalente à metade da China, um PIB per capita quatro ou cinco vezes mais alto do que o da Índia, não receba mais investimentos assim. A gente espera que a Rappi seja parte de uma mudança desse cenário”, diz Sebastian Mejía, de 34 anos, um dos fundadores da Rappi, em sua primeira entrevista depois do novo investimento.
Mejía fundou a empresa com os sócios Simón Borrero, presidente executivo, e Felipe Villamarin, responsável pela área de tecnologia. Os três já tinham uma startup que oferecia uma ferramenta digital para que os supermercados criassem suas lojas online, chamada Grability. Daí para desenvolver a Rappi foi um pulo.
O que tem atraído o interesse de investidores pela Rappi e por outras startups de entregas ao redor do mundo é a combinação entre uma mudança de comportamento do consumidor e o avanço das novas tecnologias. Nas grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, as pessoas buscam cada vez mais conveniência e usam seus smartphones para resolver as tarefas no dia a dia.
A Rappi aposta nisso. O aplicativo de entregas permite não só pedir uma pizza ou outra opção de comida em casa ou no trabalho, assim como os concorrentes iFood e Uber Eats, mas também um leque crescente de produtos — compras de supermercado, itens de farmácia, fraldas para bebês, bebidas alcoólicas, ração para animais etc. Outros serviços também estão disponíveis, como despachar encomendas ou pedir a entrega de dinheiro em espécie. Num dos pedidos mais inusitados já feitos, segundo Mejía, um usuário chegou a encomendar a entrega de uma iguana pela Rappi.
Assim como as pessoas passaram a usar aplicativos de táxi ou de carro particular, a expectativa é que cada vez mais consumidores passem a fazer compras cotidianas sob encomenda. Nos Estados Unidos, o número de consumidores que utilizam aplicativos para fazer compras de supermercado e mantimentos deverá passar de 18 milhões em 2018 para 30 milhões em 2022, na estimativa da consultoria eMarketer. No Brasil e na América Latina, os números são mais modestos, mas o crescimento segue a mesma tendência.
A Rappi tem hoje 6,5 milhões de usuários nos sete países em que atua (Brasil, México, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Uruguai), que fizeram cerca de 70 milhões de pedidos nos últimos 12 meses. O Brasil, onde a empresa desembarcou em 2017 e está presente em 20 cidades, já é responsável por, aproximadamente, 35% das vendas. O volume de entregas no país tem crescido 30% ao mês, segundo os executivos da startup. A expectativa é que o novo investimento ajude a acelerar a expansão nas cidades onde a empresa já atua e também nos demais municípios do país com mais de 400.000 habitantes.
Supermercado em casa
Nem sempre é mais prático e rápido fazer uma compra de supermercado num aplicativo, pois a entrega pode levar horas até chegar em casa, dependendo do volume. Mas, por causa do trânsito e da vida corrida nas cidades, cada vez mais pessoas vêm se acostumando com essa ideia. No ano passado, as vendas de alimentos e bebidas pela internet estiveram entre as que mais cresceram, de acordo com a consultoria Ebit, uma das principais fontes de dados sobre as vendas na internet no Brasil. A categoria ainda é incipiente, mas tem ganhado participação no comércio eletrônico, um setor que, ao todo, deverá movimentar mais de 61 bilhões de reais neste ano no país.
É de olho nesse mercado que varejistas como o Grupo Pão de Açúcar, dono das redes Extra, Pão de Açúcar e Assaí, tem apostado em soluções digitais. Além de permitir realizar compras pela internet, hoje é possível fazer o pagamento pelo aplicativo da empresa. Em algumas lojas da rede Pão de Açúcar também dá para escolher os produtos pessoal-mente e pedir para que sejam entregues em casa. Já os usuários que não querem ir ao supermercado têm a opção de fazer o pedido pelo aplicativo James Delivery, uma startup concorrente da Rappi comprada pelo Pão de Açúcar no ano passado. Antes disponível apenas em Curitiba, a James Delivery começou a fazer entregas em São Paulo em maio.
Segundo uma fonte ouvida por EXAME, o Grupo Pão de Açúcar preferiu apostar na própria startup porque viu a atividade da Rappi como parte do negócio central da companhia, já que todo o conhecimento sobre os hábitos de compra dos consumidores acaba ficando com o aplicativo. “É como se o supermercado virasse um mero fornecedor da Rappi”, diz a fonte. Um risco, porém, é perder vendas por estar fora do aplicativo. Outros varejistas, como o grupo Carrefour, preferem investir na parceria com a Rappi, adaptando as lojas para atender os pedidos feitos pelo aplicativo e enviar as compras por meio de seus entregadores.
As entregas de compras de supermercado já são a segunda maior categoria da Rappi, depois do atendimento a pedidos de restaurantes. Mas é essa última área que a Rappi deseja expandir nos próximos meses. Mejía, o cofundador, afirma que a startup deve implementar uma estratégia agressiva para integrar mais restaurantes em sua plataforma.
É uma briga que deve esquentar o já aquecido mercado de entrega de comida pela internet. Só o aplicativo iFood atende 66.000 restaurantes, tem 12,6 milhões de usuários e processa 17,4 milhões de pedidos por mês. Já o Uber Eats tem crescido no Brasil fazendo promoções agressivas para atrair usuários. Como se pode ver, a briga entre as empresas para entregar a pizza em sua casa — ou sua compra de supermercado — nunca foi tão emocionante.
* Texto alterado para atualizar os números do iFood, referentes a março de 2019.