Um mosaico de problemas: um país que eleva os custos e joga contra os negócios e o enriquecimento da população (Claudio Edinger)
Da Redação
Publicado em 8 de novembro de 2012 às 11h04.
São Paulo - Uma das obras mais fascinantes e menos conhecidas do escritor russo Fiódor Dostoiévski, O Duplo conta a história do funcionário público Goliádkin, um sujeito pacato que um dia depara com um homem que é sua cópia exata. No princípio, o duplo tenta fazer amizade com Goliádkin.
Aos poucos, porém, toma seu lugar no mundo e age para prejudicar sua imagem. Não é exagero dizer que a economia brasileira tem um duplo que, como o fantasma do personagem de Dostoiévski, atua em seu malefício. O Brasil é um país com um imenso mercado consumidor, um sistema financeiro sofisticado, solos férteis e matérias-primas em abundância.
Tem potencial de crescimento que poucos podem igualar. Esse potencial, no entanto, é eclipsado por uma faceta perversa: instituições arcaicas, que fazem do país das oportunidades um inferno para investidores, empreendedores e trabalhadores.
“O Brasil tem uma cultura hostil ao capitalismo”, diz Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central. “É um país com uma carga tributária, uma insegurança jurídica e um Estado cartorial que impedem a existência de um ambiente de negócios sadio.”
EXAME inicia nesta edição uma série de reportagens retratando as dificuldades vividas por quem produz e trabalha, e que retardam o crescimento e a prosperidade do Brasil. O tema tratado nesta edição é o caos tributário brasileiro — nas próximas, falaremos de problemas como burocracia, leis trabalhistas arcaicas e insegurança jurídica.
O que dizer de um país que edita, em média, 518 normas federais, estaduais e municipais por dia? Como ser empreendedor diante de um aparato burocrático que demanda 120 dias e 13 idas e vindas a cartórios e órgãos públicos para a mera abertura de uma empresa — tarefa que, nos países ricos, é feita em, no máximo, 12 dias?
Como uma empresa brasileira pode ser competitiva arcando com custos sobre salários superiores aos de países ricos e obtendo índices de produtividade de emergente? Por que jogamos fora nossas oportunidades, como ocorreu com a indústria do etanol — descartada após a descoberta do petróleo do pré-sal — e agora ameaçamos fazer com o próprio pré-sal? Para ficar só no setor de energia, no momento, 32 parques eólicos estão prontos e não podem gerar por falta de ligação com o sistema distribuidor.
A raiz do problema é uma confusão entre órgãos públicos e empresas estatais que envolve licenciamento ambiental, questões fundiárias e falhas de planejamento. Como se não bastasse, outra parte do setor elétrico está em polvorosa com mudanças de regras que o governo anunciou para diminuir a tarifa. Isso faz com que o enorme potencial do Brasil na área fique relegado ao que sempre foi: um potencial.
Há 20 anos, o Brasil convivia com a hiperinflação. Graças a uma rodada de reformas, os macroproblemas foram resolvidos. Foi um passo suficiente para que começasse a aflorar uma economia pujante e que aspira ser moderna. Mas a transição para o novo Brasil não foi completa.
“A economia brasileira hoje é completamente diferente”, diz Paulo Leme, economista do banco Goldman Sachs. “Mas ainda temos um arcabouço institucional que ficou parado no passado.” A empacada área de infraestrutura é farta de exemplos de como as instituições não evoluíram. Tome-se o pacote de concessões de rodovias e ferrovias lançado pelo governo em agosto.
Na melhor hipótese, os trâmites e as aprovações ambientais necessários só permitirão que as obras comecem em março de 2015. Para Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, a criação de regras claras retiraria esses entraves e provocaria um longo ciclo de expansão.
“Temos uma grande oportunidade de crescimento não só pelos investimentos em si mas pelo efeito multiplicador que a melhora da infraestrutura provocaria”, diz Lisboa. Não se trata de um caso isolado. A modernização das instituições tem o poder de criar um ambiente mais favorável aos negócios e ao desenvolvimento.
Países com boas instituições, como Suíça, Noruega e Holanda, estão entre os de maior renda per capita. Na obra de Dostoiévski, o duplo perverso do funcionário Goliádkin conseguiu levá-lo à loucura. EXAME acredita que o desfecho aqui pode ser diferente — e que o Brasil está pronto para derrotar seu fantasma.