Bruno Nardon, da Rappi: executivo é um dos que lidera a operação do unicórnio no Brasil (Germano Lüders/Exame)
Mariana Fonseca
Publicado em 21 de junho de 2018 às 05h00.
Última atualização em 21 de junho de 2018 às 05h00.
Demorou, mas os supermercados chegaram ao século 21. Na Coreia do Sul, vending machines instaladas em estações de metrô exibem produtos como leite e frutas que, com um toque no celular, podem ser enviados para o lugar que os clientes quiserem. Na China, a rede de supermercados Hema Xiansheng, do varejista online Alibaba, permite o pagamento com reconhecimento facial. Nos Estados Unidos, a Amazon lançou no início do ano o próprio supermercado futurista, em Seattle: ali, o cliente escolhe os produtos e sai da loja sem pagar nem falar com ninguém. Assim como no Hema, só entram consumidores portando smartphones ou smartwatches — eles sabem que os itens em suas sacolas serão debitados assim que passarem pela porta. No Brasil, o Grupo Pão de Açúcar permite que os clientes agendem horário nos caixas e recebam ofertas moldadas a seu padrão de compras. Mas, como costuma ocorrer em mercados em transformação, as novidades muitas vezes não nascem dentro das grandes companhias, e sim em pequenas empresas inovadoras.
As startups de varejo, ou retail techs, como são conhecidas mundo afora, têm um campo enorme a ser explorado. Somente no Brasil os supermercados faturam 353 bilhões de reais ao ano — e apenas 0,1% do valor das vendas vem do canal online, segundo o instituto de pesquisa eMarketer. Nos Estados Unidos, a fatia é de 1,5%; na China, já é de 6,2%. Nos Estados Unidos, 151 negócios que inovam o setor já receberam dinheiro de investidores, segundo a empresa de pesquisa CB Insights. Alguns exemplos são a empresa de fidelidade LevelUp, capitalizada pelo Google Ventures, e a empresa de realidade aumentada Augment, que recebeu dinheiro da companhia de software Salesforce.
Na China, o Alibaba investiu na startup de inteligência artificial SenseTime, avaliada em 4,5 bilhões de dólares, e outro varejista, a JD.com, criou uma aceleradora para startups de blockchain e de inteligência artificial. De acordo com pesquisa capitaneada pelo recém-inaugurado coworking para startups do varejo OasisLab, localizado na cidade de São Paulo, há 193 retail techs no Brasil. E o número só faz crescer.
O serviço que tem recebido mais atenção das startups é o maior gargalo dos supermercados na internet: a entrega. Nos Estados Unidos, Amazon e Walmart chegam a ponto de disputar para ver quem coloca mais produtos na geladeira dos consumidores — literalmente. O Walmart saiu na frente e, desde setembro de 2017, entregadores deixam as sacolas na cozinha dos compradores por meio de uma parceria com a startup de fechaduras inteligentes August Home. Semanas depois, a Amazon lançou um serviço similar e, em fevereiro, comprou a startup de fechaduras inteligentes Ring, numa transação de 1 bilhão de dólares.
Em abril, a Amazon ainda lançou um delivery que deixa sacolas no porta-malas dos carros dos clientes. Foi inspirada em outra startup americana, a Instacart, que também serviu de modelo no Brasil para o Supermercado Now em 2015. A Instacart entrega produtos em até 1 hora e já recebeu 1 bilhão de dólares em investimento. Os 60.000 usuários do Supermercado Now acessam o aplicativo, montam sua lista de compras em 70 estabelecimentos parceiros na cidade de São Paulo e recebem os produtos em até 2 horas. Os entregadores do Supermercado Now fazem as compras e levam os produtos ao endereço combinado.
Para os supermercados que são clientes, como Hirota e St. Marche, a startup funciona como um novo canal de vendas sem a necessidade de contratar mais funcionários e investir em aplicativos e lojas virtuais. Os pedidos online compõem até 5% do faturamento de algumas unidades. Os varejistas também recebem dados como perfil do cliente, taxa de recorrência e tíquete médio. “Podemos dividir dados importantes e ajudar o varejista a ajustar o estoque para os períodos de maior movimento”, diz Marco Zolet, presidente do Supermercado Now. Em troca, a startup cobra uma comissão de 12% do valor dos pedidos — segundo Zolet, as margens operacionais das lojas vão de 20% a 30%. Os consumidores pagam a taxa de entrega. O Supermercado Now faturou cerca de 5 milhões de reais em 2017 e planeja crescer de cinco a oito vezes neste ano.
Assim como é a mais promissora, a logística é também o terreno mais competitivo. Outra startup de olho no setor é a colombiana Rappi. Liderada no Brasil pelos empreendedores Bruno Nardon e Ricardo Bechara, a Rappi já captou 224 milhões de dólares em investimentos e atende varejistas como o Grupo Pão de Açúcar e o centro gastronômico Eataly. A Rappi atua de forma parecida com a Instacart e o Supermercado Now, mas com a proposta de entregar de tudo, e não só produtos de estabelecimentos credenciados. A startup espera expandir sua cobertura de cinco para 15 cidades brasileiras neste ano. Nos últimos três meses, já ampliou a área de supermercados em 150%. A empresa também atua na Argentina, no Chile, na Colômbia e no México.
Essas novas empresas conseguem levar ao varejo físico uma vantagem do comércio eletrônico: o uso intensivo de dados. A In Loco Media, por exemplo, usa GPS, sensores dos smartphones e sinais Wi-Fi numa tecnologia de localização que diz ser 30 vezes mais eficaz do que os localizadores comuns. Ao navegar em mais de 600 aplicativos parceiros, 60 milhões de usuários recebem promoções de lojas próximas, seja por anúncios nos próprios apps, seja por notificações digitais.
A In Loco, que recebeu aporte do grupo sul-africano Naspers, coleta dados de como o consumidor reagiu ao aviso: se ele foi ao supermercado indicado ou ao concorrente, por exemplo. A startup cobra seus clientes com base nas visitas geradas. “Os supermercados podem aproveitar a ponte entre o meio digital e o físico para adquirir uma vantagem competitiva que antes apenas o e-commerce tinha: melhorar a eficiência constantemente com base nos dados”, afirma André Ferraz, cofundador da In Loco Media. Com isso, a fabricante de bens de consumo Mondeléz aumentou as vendas em até 30%.
A In Loco faturou 32 milhões de reais em 2017. A Propz, outra startup, oferece aos varejistas informações como recorrência do cliente, canais de venda preferidos e melhor hora de fazer contato. Assim, criam-se campanhas otimizadas para cada comprador. Um dos clientes da Propz é a chilena Cencosud. A startup faturou 8 milhões de reais em 2017.
A startup Up Points, de Florianópolis, não mira os consumidores finais, mas, sim, os varejistas. A companhia trouxe eficiência às gôndolas por meio de inteligência artificial. Câmeras tiram uma foto por segundo e conseguem detectar padrões de comportamento dos consumidores — se enxergam ou conseguem pegar os produtos em determinada posição, por exemplo. De acordo com Cristian Fernandes, que fundou a empresa com o sócio Graciliano Passos, o processo permite um posicionamento em gôndolas até duas vezes mais eficiente do que o tradicional. Após um investimento-anjo de 1 milhão de dólares, o negócio passou por uma aceleração na Startup Farm e foi adquirido em 2017 pela fabricante de compressores Embraco.
Como mostram os casos da Up Points e das startups americanas citadas na reportagem, empreendedores que se dedicam a revolucionar mercados muitas vezes acabam vendendo os negócios a gigantes. Para os varejistas, comprar novatas inovadoras é uma forma de encurtar caminhos — no varejo tradicional, com suas margens apertadas, é também um jeito de ser mais assertivo colocando dinheiro em inovações já provadas. O Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, está selecionando startups para um programa de aceleração a ser sediado no OasisLab. “O número de retail techs só vai crescer. O de aquisições, também”, diz Helio Biagi, fundador do OasisLab. Para o consumidor, quanto mais inteligência na compra, melhor.