Revista Exame

Brasil pode liderar em papel e celulose

A crise abalou as finanças das empresas de papel e celulose, mas a competitividade alcançada nas últimas décadas não vai desaparecer

Viveiro de eucalipto da suzano: tecnologia na área florestal reduziu o tempo de corte da planta

Viveiro de eucalipto da suzano: tecnologia na área florestal reduziu o tempo de corte da planta

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Da Redação

Publicado em 19 de maio de 2011 às 13h02.

Hoje, no brasil, o retrato mais acabado do abismo que pode separar o mundo das finanças e o mundo das realidades é o setor de celulose. No universo dos derivativos, dos bancos de investimento e das ações cotadas em bolsa, a cena para parte dessas empresas é dantesca. Na vida real - onde as coisas palpáveis e visíveis acontecem - a imagem é de vigor. Os dois mundos se misturaram, como já ficou evidente. A dúvida é qual deles irá prevalecer ao final da tempestade.

Primeiro, o mundo real. Empurrada por uma competitividade muito superior, a produção brasileira de celulose foi multiplicada por 13 nos últimos 30 anos e todas as previsões eram de novos saltos. Os investimentos já anunciados - de 14 bilhões de dólares até 2012 - deveriam levar o Brasil da quinta à terceira posição no ranking mundial de produção.

A tese da escalada se apóia em fatores de competitividade que não podem ser reproduzidos pelos demais concorrentes. Não há outro lugar no mundo em que o eucalipto, principal fonte da celulose, cresça tanto e tão rapidamente como no Brasil.

Agora, o mundo de Wall Street e da Faria Lima. Grandes exportadoras, as quatro maiores fabricantes brasileiras de celulose anunciaram enormes prejuízos que, pelo menos no curto prazo, podem comprometer a irrigação de capital nos negócios. Estripulias com derivativos ligados ao dólar - hoje chamados de tóxicos, mas até algumas semanas atrás vistos como uma espécie de negócio da China - colocaram a Aracruz na berlinda.

Com uma exposição de mais de 6 bilhões de dólares, a empresa perdeu seu grau de investimento e suspendeu o projeto de uma nova fábrica em Guaíba, no Rio Grande do Sul. Até o fechamento desta edição, no dia 24 de outubro, a Aracruz tentava renegociar com os bancos seu débito, e sua situação estava indefinida.Também foi suspensa a fusão com a Votorantim Celulose e Papel, a terceira no ranking de celulose no Brasil.

A união criaria um gigante com praticamente dois terços da produção nacional. A demanda mais fraca por celulose na Ásia resultou em anúncios de redução temporária na produção da VCP e da Suzano. E a desvalorização cambial afetou duramente os balanços das empresas.


O cenário atual é ruim para a maioria - e especialmente ruim para a Aracruz. Mas nem ele é capaz de impedir que os eucaliptos continuem crescendo mais rapidamente no Brasil e que o país se mantenha competitivo em termos globais. "No momento, as empresas estão avaliando os impactos deste cenário no curto prazo.

O Brasil tem condições de continuar seu avanço no mundo", diz Elizabeth de Carvalhaes, presidente da Associação Brasileira de Celulose e Papel. O otimismo do setor era tamanho que, antes dos mercados financeiros desabarem, as empresas já discutiam uma nova rodada de investimentos a ser realizada entre 2012 e 2015, que poderia levar o Brasil ao segundo lugar do ranking, desbancando o Canadá para ficar atrás apenas dos Estados Unidos.

Por ora, os investimentos estão condicionados aos desdobramentos dos próximos meses. Já é certo que uma desaceleração global acarretará queda na demanda por celulose e, conseqüentemente, preços mais baixos. Mas o Brasil não necessariamente irá perder mercado - pode até avançar sobre a concorrência.

"Num cenário de menos demanda, quem perde inicialmente são as indústrias de celulose do Canadá e da Europa, que têm custos maiores de produção", diz Marcelo Brisac, analista de recursos naturais da Itaú Corretora. Num mercado mais apertado, elas são as primeiras candidatas a fechar as portas, deixando espaço para os competidores mais eficientes. "Além disso, a desvalorização cambial ampliou a competitividade brasileira", diz Brisac. Nesse sentido, o aumento das receitas em real com as exportações de celulose deverá compensar a queda na cotação internacional do produto.

É por isso que muita gente aposta em novas safras de boas notícias quando as coisas voltarem a se acalmar. A previsão no longo prazo é de crescimento vigoroso da demanda global por papel e celulose. O consumo de papel no mundo vinha crescendo com o aumento de renda dos países emergentes - com impactos diretos nos segmentos de papéis de higiene, de embalagens alimentícias e de imprimir e escrever.

Todas as previsões estão sob análise agora, mas espera-se que a tendência positiva em algum momento seja retomada. "Até 2020, a demanda mundial de papel subirá 25%, o que deve impulsionar investimentos no Brasil, especialmente das empresas estrangeiras", disse a EXAME Teresa Presas, presidente do Confederação Européia das Indústrias de Papel.

O Brasil tem condições de ficar com boa parte desse aumento de demanda. Afinal, os fabricantes brasileiros levam vantagem em dois fatores fundamentais: produtividade e sustentabilidade. Uma tonelada de celulose brasileira chega à Europa custando cerca de 250 dólares, metade do custo europeu.


E a distância de custo deve aumentar a partir de 2009. A Rússia, uma das principais fornecedoras de madeira para os países escandinavos, passará a sobretaxar em 200 euros cada 4 metros cúbicos de matéria-prima exportada, quantidade necessária para produzir 1 tonelada de celulose. "Será inviável produzir nesses termos na Europa", diz Otávio Pontes, vice-presidente da sueco-finlandesa Stora Enso na América Latina. "O Brasil é o principal candidato a fornecer celulose para as fábricas de papel européias."

A estratégia global da Stora Enso é avançar rumo ao hemisfério sul e à China para compensar as quatro unidades fechadas nos últimos tempos na Finlândia, em razão, além da baixa produtividade, das questões ambientais. Aí novamente o Brasil bate o resto do mundo. Nenhuma folha de papel no país é produzida com mata nativa - ao contrário de europeus e americanos, que exploram suas florestas naturais.

O modelo brasileiro é baseado em plantações de eucalipto e pínus (em menor quantidade), recortadas por corredores de floresta nativa, o que garante a flora e a fauna da região. Embora o setor seja um dos alvos preferenciais dos ambientalistas dentro do país, as boas práticas da indústria brasileira vêm sendo reconhecidas por selos internacionais, como o do Conselho de Manejo Florestal, passaporte de entrada para mercados cada vez mais exigentes. 

Para atender a essa demanda, as empresas têm planos de expansão - que ainda não foram revistos. A Suzano, por exemplo, prevê ampliar em 150% sua atual capacidade produtiva. A idéia, se confirmada, é construir três novas fábricas até 2015: uma no Piauí, outra no Maranhão e uma terceira em lugar ainda não definido, cada qual a um custo de cerca de 2 bilhões de dólares.

A Klabin, especializada na produção de papéis para embalagem, estuda a possibilidade de construir uma fábrica de celulose com capacidade para pelo menos 1,3 milhão de toneladas por ano, o que garantiria seu suprimento para futura expansão no segmento de papéis e excedente de celulose para ser exportado.

A Stora Enso está investindo numa base florestal no sul do país. Já foram comprados 45 000 hectares de terra no Rio Grande do Sul (área que, por enquanto, é alvo de uma pendenga jurídica por estar próxima da fronteira com o Uruguai). A empresa estuda implantar na região uma nova fábrica de celulose.


O que faz do Brasil uma potência florestal? Uma parte dessa alta produtividade se explica pela condição climática privilegiada do país. Qualquer planta - seja um eucalipto de 27 metros de altura, seja um pé de soja de 80 centímetros - é movida a água, luz e gás carbônico, elementos que impulsionam seu metabolismo interno, resultando em massa vegetal.

Nos quesitos sol e chuva, o Brasil é imbatível. Aliado a isso, é um dos poucos países no mundo com terras disponíveis para agricultura. Hoje, as florestas plantadas para obtenção de celulose ocupam apenas 1,7 milhão de hectares - o que equivale a 18% do total da área destinada ao cultivo de cana-de-açúcar. "Se o país multiplicar por três a área destinada às florestas plantadas, teremos condições de brigar pela liderança mundial na produção de celulose", diz Reinoldo Poernbacher, diretor-geral da Klabin.

No entanto, o fator determinante do sucesso da celulose no país é fruto de puro desenvolvimento tecnológico. Há mais de 40 anos o Brasil investe no processo de melhoramento genético do eucalipto, por meio do qual foi possível selecionar as árvores mais produtivas e resistentes - o que provavelmente torna o setor de papel e celulose um dos pioneiros em pesquisa científica privada no Brasil.

Isso resultou numa tecnologia 100% nacional na área florestal, compartilhada pelas empresas do setor e que colocou o país entre os grandes produtores de celulose no mundo. "Nada do que aconteceu nesse setor foi por acaso. Foram investimentos em tecnologia e gestão que transformaram o Brasil no mais competitivo produtor de celulose do mundo", diz João Comério, diretor florestal da Suzano.

O resultado é que, enquanto um pínus nos Estados Unidos demora 25 anos para alcançar o ponto de corte, no Brasil o eucalipto leva em média seis anos - prazo que pode cair mais. Entre as empresas existe uma espécie de corrida para encurtar o tempo de crescimento do eucalipto. A Aracruz já identificou plantas aptas para o corte após cinco anos e meio.

Na Suzano, em algumas áreas de produção, já são extraídos eucaliptos com cinco anos de idade. Nos laboratórios da empresa foi confirmada uma nova variedade que produz em quatro anos a mesma quantidade de fibras que uma árvore de seis anos. Essa planta deve demorar ainda três anos para sair do laboratório e chegar ao campo.


O reconhecimento da excelência da pesquisa nesse setor - raro segmento científico em que o país é líder - ocorre neste exato momento nos Estados Unidos. O Joint Genome Institute (JGI), centro financiado pelo governo americano, está fazendo o seqüenciamento genético total do eucalipto. A planta escolhida pelo JGI para o mapeamento foi desenvolvida pela Suzano: o Brasuz 01 - apelidado de Brazuca pelos funcionários da empresa.

A variedade criada em terras brasileiras foi considerada pelos cientistas americanos a melhor amostra da espécie, graças ao processo de aperfeiçoamento genético. Com isso, o eucalipto brasileiro desbancou exemplares de todo o mundo, inclusive da Austrália, país de origem da planta.

A história da indústria de celulose no Brasil é um daqueles exemplos de que o empenho pessoal de um empreendedor - motivado por uma simples demanda do dia-a-dia - foi capaz de mudar as feições de um setor da economia. No final dos anos 40, Leon Feffer, fundador da Suzano, então apenas fabricante de papel, enfrentava dificuldades na importação de celulose.

Em busca de uma alternativa local, ele delegou ao filho Max a missão de descobrir uma árvore que fornecesse as fibras necessárias para compor a matéria-prima da produção de papel. Nos Estados Unidos, Max concluiu que o eucalipto - que havia chegado ao Brasil no fim do século 19 para ser utilizado na construção de dormentes das estradas de ferro e como combustível das locomotivas - poderia cumprir tal função.

O primeiro papel com celulose de eucalipto foi fabricado em 1957 e tinha apenas 30% da fibra na fórmula. Quatro anos depois, foi obtida a celulose com 100% de eucalipto. Desde então, o aprimoramento não parou. "O que fazemos em laboratório hoje só se transformará em plantio comercial daqui a dez anos", diz o engenheiro florestal Eduardo Mello, da Suzano.

Além do papel, os cientistas trabalham para dar novas aplicações às matérias-primas que são desperdiçadas no processo de produção da celulose. A futura promessa para o setor é a lignina, substância que age como um concreto da planta, unindo as fibras de celulose. Ela teria características semelhantes ao petróleo e poderia ser usada na produção de bioplástico (pesquisas parecidas vêm sendo desenvolvidas também com plásticos de álcool de cana-de-açúcar).


Hoje, a lignina é queimada nas caldeiras das fábricas do setor para a geração de energia, uso considerado pouco nobre diante de seu potencial. O mesmo ocorre com a casca do eucalipto, que, no processo de colheita da árvore, é deixada no campo para a proteção do solo. Há estudos que mostram que o material pode ser usado na produção de etanol celulósico. É nesse quesito que o Brasil está mais atrasado. Os Estados Unidos estão despejando bilhões de dólares em pesquisas do combustível com restos vegetais, como palha de milho e cascas de árvores.

As conquistas brasileiras, no entanto, estão prestes a receber um novo impulso. Os trabalhos com eucalipto transgênico correm acelerados em empresas e universidades do mundo todo. Os Estados Unidos trabalham numa versão geneticamente modificada da árvore para regiões geladas. Cientistas de Taiwan testam uma variedade capaz de absorver mais dióxido de carbono e, conseqüentemente, reduzir o efeito estufa.

O Brasil também corre para sair na frente. "Já é possível desenvolver em laboratório um transgênico de eucalipto em oito meses", diz Carlos Labate, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Hoje, 13 variedades de eucalipto estão em testes de campo no Brasil. Nenhuma, porém, ainda teria alcançado o estágio de liberação comercial.

Quando estiver efetivamente em operação, a tecnologia permitirá encurtar em muitos anos a criação de novas variedades de eucalipto. E poderá agregar genes de outros organismos com o objetivo de constituir uma árvore ainda mais competitiva - com ou sem crise no mundo financeiro.

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