Revista Exame

Emirates é amada e odiada

Ao investir em conforto e glamour, a Emirates passou a atrair passageiros e a ira de outras companhias aéreas — que a acusam de competição desleal

Um A380 da Emirates: na primeira classe, os passageiros podem tomar banho e confraternizar num bar (AFP/AFP)

Um A380 da Emirates: na primeira classe, os passageiros podem tomar banho e confraternizar num bar (AFP/AFP)

DR

Da Redação

Publicado em 6 de abril de 2011 às 09h15.

Nada de lanche restrito a uma barrinha de cereal, copos de plástico e cobrar, separadamente, pelo refrigerante. O serviço da Emirates, empresa aérea com sede em Dubai, é a antítese do das companhias low cost, que se tornaram uma referência no mercado mundial de aviação civil nas últimas duas décadas. Na primeira classe de seus 15 aviões A380, os maiores do mundo, os passageiros têm chuveiro, cabine individual e um bar aberto para confraternização. Quem viaja na classe executiva de suas aeronaves tem direito de ir e voltar do aeroporto numa limusine — inclusive no Brasil. Os passageiros da classe econômica não desfrutam de tantos mimos, mas comem com talher de metal e bebem em copos de vidro. Criada em 1985 como parte da estratégia de Dubai de se tornar um grande centro de negócios e turismo entre o Ocidente e o Oriente, a Emirates Airlines foi a única entre as dez maiores companhias aéreas do mundo a conseguir lucrar durante a crise de 2009, quando os resultados do setor entraram em queda livre.

Na Europa, a Emirates conseguiu ganhar mercado com uma estratégia de interiorização. Normalmente, os europeus só conseguiam voar para fora de seus países fazendo conexão na capital, em aeroportos muitas vezes lotados e onde as companhias locais possuíam vantagens. A Emirates passou a oferecer voos a partir dos chamados aeroportos secundários, como Manchester e Newcastle, na Inglaterra, e Hamburgo e Leverkussen, na Alemanha. Além disso, nos voos para a Ásia e a África, a empresa começou a fazer uma parada no luxuoso aeroporto de Dubai. Com hospedagem e alimentação gratuitas, ninguém reclamou. Foi assim que a Emirates conseguiu ser a empresa líder em voos internacionais na Holanda e na Itália e passou a ocupar a segunda posição na França, na Alemanha e na Inglaterra. Mais importante, é líder mundial em número de passageiros por milhas voa­das, uma das estatísticas mais relevantes na aviação civil. “A Emirates oferece, por preço semelhante ou menor, um serviço muito melhor que o da concorrência. Companhias de todo o mundo têm muito medo dela”, diz John Leahy, presidente da fabricante francesa de aviões Airbus.

Nos últimos dois anos, a Emirates tem sido o alvo predileto de suas concorrentes. Em 2010, a consultoria americana Arthur D. Little, contratada pela alemã Lufthansa, publicou um relatório no qual acusava a Emirates de ser beneficiada pelo governo de Dubai. Em setembro, o então presidente da holandesa KLM lançou dúvidas sobre a origem do dinheiro que financiou a encomenda de 90 aviões A380 da Airbus. Toda essa artilharia fez a Emirates quebrar o silêncio em novembro passado. Primeiro, seus executivos negaram as acusações de beneficiamento com argumentos sólidos. Em seguida, partiram para o ataque. Divulgaram o quanto diversas companhias aéreas receberam de ajuda de seus respectivos países nos últimos 25 anos — 880 milhões de euros para a Air France, 800 milhões de euros para a Lufthansa, 11 bilhões de dólares para a JAL —, seja em forma de injeção de dinheiro, seja em empréstimos subsidiados ou em perdão de dívida.


As acusações da concorrência fazem referência aos baixos custos da Emirates e à sua relação com o governo de Dubai. O presidente do conselho de administração, o xeque Ahmed bin Saeed al-Maktoum, é presidente da Dnata (empresa que administra o aeroporto de Dubai) e da Autoridade da Aviação Civil de Dubai, órgão que controla a indústria. Também é tio do xeque Mohammed bin Rashid al-Mak-toum, que acumula os cargos de premiê e vice-presidente dos Emirados Árabes e é emir de Dubai.

O motivo da guerra total contra a Emirates é um só: os analistas de mercado são unânimes em apontar a companhia como a mais promissora do setor de aviação civil. “A Emirates tem um hub bem no meio das rotas que mais crescem — as que ligam China e Índia às Américas. Além disso, conta com bons executivos e uma frota nova e eficiente”, diz Vikran Krishnan, analista do setor aeroespacial da consultoria americana Oliver Wyman. Sem falar que mais da metade da população mundial está num raio de 8 horas de voo de Dubai e que a Emirates não encontra dificuldade para ampliar seu hub. Enquanto os europeus buscam soluções para a falta de espaço e leis ambientais, o Terminal 3 do Aeroporto Internacional de Dubai, cujo único inquilino é a Emirates, vai aumentar sua capacidade de 30 milhões para 43 milhões de passageiros por ano.

Capitalismo de dubai

A inexistência de sindicatos e de impostos de renda e serviços permite que os custos da Emirates com salários sejam 48% mais baixos que a média europeia. As taxas aeroportuárias em Dubai são, em média, 25% menores que na Europa. “O governo de Dubai é inteligente. Investe constantemente para aumentar a eficiência de seu aeroporto e cobra uma taxa baixa para seu uso. Não lucra muito com o aeroporto, mas atrai milhões em negócios e turistas”, diz Giovanni Bisignani, presidente da Associação Internacional do Transporte Aéreo, mais conhecida pela sigla Iata em inglês.

De fato, os críticos da Emirates parecem errar o alvo. A companhia talvez seja o melhor exemplo de capitalismo moderno em Dubai. A concorrência enfrenta exatamente as mesmas condições de impostos e taxas no país, e não existe restrição — a não ser de espaço e tempo — para a criação de rotas pelas 110 empresas que operam no emirado. “Nada é mais próximo da concorrência perfeita em Dubai do que a indústria aeronáutica”, diz Jim Krane, autor do livro City of Gold — Dubai and the Dream of Capitalism (“Cidade de ouro — Dubai e o sonho do capitalismo”, não publicado no Brasil). Muito diferente das outras estatais da cidade-estado, com monopólios em setores como construção civil e portos.

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