Revista Exame

Fundador da Netshoes ignora sabático e cria duas startups em novos setores

Marcio Kumruian mal deixou a Netshoes e o Magalu e já trabalha em uma empresa de serviços automotivos e outra de fitness, com um sócio da Califórnia

Marcio Kumruian, ex-CEO da Netshoes: zero dia sabático e dedicação a duas novas startups (Germano Lüders/Exame)

Marcio Kumruian, ex-CEO da Netshoes: zero dia sabático e dedicação a duas novas startups (Germano Lüders/Exame)

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Marcelo Sakate

Publicado em 24 de setembro de 2020 às 05h41.

Última atualização em 11 de fevereiro de 2021 às 16h21.

A sexta-feira 28 de agosto marcou o encerramento de um ciclo de 20 anos para Marcio Kumruian. O fundador e então CEO da Netshoes, maior site de produtos esportivos do país e um dos maiores do mundo, se despedia da empresa à qual dedicara quase metade de seus 46 anos de vida, uma vez concluída a integração da compra pelo Magazine Luiza. Na segunda-feira seguinte, ele entrou em seu novo escritório no bairro do Paraíso, em São Paulo, para pôr de pé dois novos negócios, uma startup no setor automotivo e outra no segmento fitness. De forma virtual, Kumruian conversou com a EXAME sobre a vida fora da Nets, como carinhosamente chama a empresa.

Como foi a despedida da Netshoes e do Magazine Luiza?
Tanto eu quanto minha irmã [Graciela Kumruian] tínhamos um contrato de um ano depois do fechamento do negócio. E daí tomamos caminhos diferentes. A Gra agora é diretora executiva e cuida da relação com os clientes e de outras áreas. Eu deixo o dia a dia da Nets, mas vou participar como membro externo do Comitê de Inovação e Estratégia do Magalu, que faz parte do conselho. Eu e o Fred [Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza] nos conhecemos ao longo desse processo e acertamos a nova posição.

Quais são seus planos agora fora da Netshoes e do Magazine Luiza?
Estou no fechamento de um ciclo completo que me trouxe realização pessoal. A Nets participou de tudo a que uma startup tem direito com pioneirismo, como o aporte de um grande fundo estrangeiro (o Tiger Global), a abertura de filiais na Argentina e no México e o IPO na Bolsa de Nova York. A primeira coisa em que pensei neste início de novo ciclo foi ter um equilíbrio melhor com a família. Tenho quatro filhos que estão crescendo. Não vou dizer que vou ficar os cinco dias da semana em casa, mas separei os slots (horários) da família. Comecei a trabalhar com mentoria de forma organizada, para ajudar startups e o ecossistema. Participo agora da Endeavor e passei a me encontrar com empreendedores. E estou recomeçando com duas novas companhias.

Você não quis tirar um sabático?
Zero dia. Eu diria até que foi negativo. Quando ficou definido até que dia eu trabalharia no Magalu, entrei em uma contagem regressiva. Posso dizer que no dia 1 fora da Netshoes eu já estava aqui no escritório pensando no trabalho novamente.

O que essas novas empresas vão fazer?
Quero criar dois modelos de negócios que não existem no Brasil, sempre com viés de transformação da vida das pessoas. Uma delas será no ramo de serviços automotivos. Acompanho a Fórmula 1, gosto de carro e de ir para a pista. É um setor muito grande e pouco tecnológico. O outro negócio é voltado para fitness, saúde e bem-estar. Acredito que seja algo que vai ajudar muito as pessoas, especialmente no momento pós-pandemia, para manter uma qualidade de vida. São áreas com sinergia e ligadas às minhas características. Sou um profundo conhecedor da área de esportes, conheço bem as diretrizes das marcas e o que pretendem. E conheço bem o mercado.

Quando as startups vão a mercado?
A partir do primeiro trimestre do ano que vem. São empresas que começam do zero, mas é um ciclo mais curto porque eu tenho outro momento de largada. Não é como foi com a Nets, em que eu estava menos maduro e menos capitalizado. Estou juntando peças. Já tenho um sócio estrangeiro de tecnologia da Califórnia que traz o que há de mais avançado do Vale do Silício, pensando em algoritmos de recomendação e predição. Agora vou tentar acelerar. Espero atingir o auge dos novos negócios daqui a três a cinco anos.

Há uma onda de aportes de capital de fundos e investidores em startups, muito em parte por causa do ambiente global e interno de juro baixo. Qual a sua opinião?
Quando olho para o governo atual, o principal legado que vejo é a taxa de juros. Eu sou economista graduado pelo Mackenzie. A frase que eu mais escutei é: taxa de juros baixa, investimento alto. O Brasil finalmente tem condições de ter injeção de investimento. Mas, como isso aconteceu repentinamente e o mundo inteiro tem essa situação, com juros negativos nos Estados Unidos e na Europa, tem muito dinheiro. Cada um sabe o nível de risco que vai tomar. Mas temos as condições ideais. O Brasil não pode perder a chance. As startups não podem perder a chance de captar recursos, de se estruturarem, de arrumar a governança... E não estou falando de criar conselho, mas do pacote básico: recebeu dinheiro, presta conta, evolui, para que possa caminhar. É um momento excepcional.

Afinal, por que a Netshoes foi vendida para o Magazine Luiza em vez da Centauro?
É um ponto importante para eu explicar. Eu era chairman (presidente do conselho) e CEO da Nets. O conselho tinha que avaliar as ofertas na mesa, com o dever de pensar no acionista. E a melhor oferta nem sempre é a que tem o maior preço. A proposta do Magalu era uma proposta completa. A Nets era uma empresa listada em Nova York, com sede em Cayman, e filial no Brasil. É uma estrutura complexa que já havia afastado alguns interessados antes. E o Magalu se preocupou em organizar a saída da bolsa preservando os acionistas, sem deixar nenhuma brecha para questionamentos. E com a mentalidade do Fred e do conselho do Magalu de  ecossistema, digitalização, fazia muito sentido o negócio com a Netshoes. No fim, eles ainda subiram a proposta por causa da disputa e acabou sendo mais positivo ainda. A nossa recomendação, minha e do conselho, foi aprovada por 91% dos acionistas.

A Netshoes foi um exemplo de startup que investiu muito para crescer e ampliar a base de usuários, para só então monetizá-la e buscar o equilíbrio financeiro. Esse modelo tem sido muito questionado nos últimos anos. Qual a sua avaliação?
Hoje as pessoas não têm mais dúvida em fazer uma transferência bancária ou uma compra pelo app. O que mais se busca hoje é a parte transformacional. Você como cliente quer a tecnologia para mudar sua vida. Mas lá atrás, quando começamos, o transacional não estava resolvido. Então tínhamos uma dupla tarefa e isso exigia investimento elevado. Nós precisávamos explicar para as pessoas o que era o transacional para que elas ganhassem confiança na empresa e daí pudéssemos rentabilizar. Eram 3 milhões no começo da Nets. Hoje é um mercado de 80 milhões de pessoas. Posso dizer que o pensamento hoje continua a ser de buscar o lucro no médio e longo prazo, mas a velocidade disso e o consumo de caixa nos dois novos negócios serão diferentes da primeira experiência.

Se você tivesse a oportunidade, o que mais faria hoje de diferente na Netshoes?
Pessoalmente, vou dizer que não me arrependo de nada. Sempre pensamos e agimos com amor, pensando no melhor da empresa, na cultura e na execução. Mas, quando olhamos para trás, isso deve ser feito com olhar crítico. A expansão internacional, apesar de ter conseguido volumes adequados e de ter ajudado muito a Argentina e o México em sua transformação digital, talvez tenha acontecido no momento errado. Aquilo que comentei do Brasil no início da Nets nos anos 2000 valia para os dois países quando chegamos lá. Eram dois filhos que demandavam muito dinheiro e isso tirou um pouco o foco do Brasil. A operação no Brasil não tinha condições de bancar os dois mercados. Hoje teríamos sido mais conservadores. Abriríamos em um país, e não em dois. Foi um aprendizado.

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