Carlos Fávaro, ministro da Agricultura e Pecuária, faz um balanço dos dez meses à frente da pasta (Ruy Baron/BaronImagens/Divulgação)
Repórter de Agro
Publicado em 23 de novembro de 2023 às 06h00.
Última atualização em 23 de novembro de 2023 às 17h28.
Na sala de espera do Ministério da Agricultura e Pecuária, políticos circulam na expectativa de falar com o ministro Carlos Fávaro. Uma agenda disputada, que naquela tarde quente de terça-feira, em Brasília, tem espaço para a EXAME. Com pouco mais de 1 hora de atraso, Fávaro recebe a equipe e pede desculpas. Pergunto, de antemão, quanto tempo teremos para a entrevista. Bem-humorado, ele diz que teríamos todo o tempo necessário. Nada mais justo, então, do que explorar uma visão holística sobre o atual desempenho da agricultura brasileira. Seu destaque para os dez meses de gestão é a abertura de 57 novos mercados, incluindo a carne para o México, o frango para Israel e o algodão para o Egito.
Questionado sobre a situação do acordo Mercosul-União Europeia, ele diz que a fase é de regulamentação, mas nos termos do Brasil. Sobre isso, ele fala do Green Deal, pacto ecológico europeu que trata da transição para uma economia verde no continente. “Veja a ousadia do Parlamento Europeu de aprovar uma legislação que impõe restrições para o outro lado do Atlântico. Espera aí, alto lá! Respeite a nossa soberania”, diz o ministro.
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O primeiro ano do seu mandato foi marcado por muitas viagens. Qual é o balanço dessa agenda internacional?
É importante, primeiro, eu contextualizar o porquê desse movimento. Assumimos em janeiro, e o Brasil dividido não permitiu aquele “namoro” após o resultado das urnas. Não teve isso, a gente precisava dar resultados muito rápido, principalmente nesse setor [agricultura e pecuária]. Se tem um mérito que a gente tem de dar ao [ex-presidente Jair] Bolsonaro é que ele conseguiu apagar da memória dos produtores como foram os governos 1 e 2 do presidente Lula para o agronegócio. Naquele período, foi Lula quem regulamentou os transgênicos, porque o Brasil vivia uma insegurança, vinha soja transgênica contrabandeada da Argentina. Ele regulamentou o carro flex e deu uma nova alavancagem para o etanol, criou o Moderfrota, o Programa Nacional de Biodiesel, o programa Mais Alimento e linhas de crédito com juros de até 2,5% ao ano. Então, isso foi esquecido e entramos para mostrar que o governo teria boas interlocuções. Chegamos num momento de preços de commodities muito achatados, tirando a rentabilidade dos produtores e com uma imagem muito desgastada internacionalmente por causa do “passar a boiada”. Isso prejudicava muito a nossa imagem e, consequentemente, a nossa comercialização.
E quais são os resultados colhidos?
O presidente Lula volta a estabelecer as conexões de boa diplomacia e nos pede boas relações, de amizade e comerciais. Isso nos permitiu, em dez meses, abrir 57 novos mercados. Conseguimos abrir o mercado de carne bovina e suína para o México. Há 20 anos buscávamos isso, assim como levou 16 anos para abrirmos o mercado do algodão brasileiro para o Egito. Esse país produz o algodão considerado o melhor do mundo, e, à medida que podemos vender o nosso produto para eles, ganhamos a equivalência. Outro exemplo é Israel, um mercado consumidor de 9,5 milhões de pessoas, e ninguém no mundo vende frango para lá, a não ser o Brasil, que hoje tem o direito conquistado. Nós passamos a ter o direito de atender as exigências religiosas do sistema kosher — alimento produzido segundo especificações das leis que ditam os hábitos alimentares dos judeus — e estamos chegando a cobrir 40% do consumo de carne de frango do mundo. Abrimos o comércio de carne bovina, suína e de aves para a República Dominicana, um mercado espetacular, com 25 milhões de turistas que passam por ali com dinheiro para comprar e consumir produtos de qualidade. Tudo isso vem num balanço muito positivo da forma como agimos desde o início do governo do presidente Lula.
Essa diplomacia tem contribuído para as conversas sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia?
Primeiro que o acordo já foi formalizado, está agora na regulamentação. A União Europeia veio de uma forma discriminatória com imposições ambientais exacerbadas.
O senhor se refere ao Green Deal?
Exatamente. Veja a ousadia do Parlamento Europeu de aprovar uma legislação que impõe restrições para o outro lado do Atlântico. Espera aí, alto lá! Respeite a nossa soberania. Não ouvimos uma palavra na proposta de regulamentação da União Europeia sobre inclusão social. O que fazer com 27 milhões de brasileiros que moram na Floresta Amazônica e estão ávidos por uma oportunidade? Queremos um acordo que beneficie a União Europeia e o Mercosul, mas não venham fazer reserva de mercado sob o pretexto ambiental. Estamos fortalecendo uma nova geopolítica, uma geopolítica dos países do Sul-Sul, que tem o Brics muito bem estruturado, que tem compromissos ambientais, mas não usa desses compromissos para restrições comerciais. É assim com a China, é assim com a Índia, com todo o Oriente Médio, e é assim que queremos ser tratados também pela Europa. Palavras do presidente Lula: ou assina a regulamentação enquanto ele ainda preside o Mercosul, que é até dezembro, ou ele não se compromete mais com a assinatura e focará o fortalecimento ainda maior desta nova geopolítica.
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Nos outros governos do presidente Lula já se falava em cooperação Sul-Sul, com foco entre Brasil e África. Como está o relacionamento atualmente?
É um desafio de desenvolvimento gigantesco, mas um compromisso que o mundo tem de ter. As cooperações técnicas da Embrapa com a África no governo do Bolsonaro foram todas interrompidas. Agora nós estamos abertos a reformular os acordos de cooperação para que a Embrapa possa transferir tecnologias. Porque, acima de tudo, não se trata só de uma relação comercial. A obstinação do presidente Lula no combate à fome se transfere além das fronteiras brasileiras, principalmente nessa geopolítica tropical. As tecnologias estão na mesma linha climática, elas vão partir daqui.
Sobre as exportações, o senhor fala em 57 novos mercados, mas cita majoritariamente as commodities. O que a pasta tem feito para ampliar a cesta de produtos? O setor de frutas, por exemplo, reclama da falta de infraestrutura em portos para produtos refrigerados.
Somos um dos poucos países do mundo, e acho que o único da América do Sul, que têm certificado de exportação no papel ainda. Não ter a certificação eletrônica é uma burocracia, mas vamos entrar em 2024 com isso superado. O Brasil vai estar, como todo bom país do mundo nas exportações, com a certificação eletrônica. Não tem cabimento isso. Reconhecemos essas dificuldades logísticas que atrapalham ou tiram nossa competitividade, e por isso o presidente Lula lança novamente o PAC, um programa de investimento em infraestrutura logística para nos tirar esses gargalos. Não tem cabimento essas dificuldades de portos, aeroportos, ferrovias, rodovias. Isso é fundamental. Já conseguimos abrir mercados de frutas para a Coreia do Sul, com a uva, por exemplo. Estamos na iminência de assinar, entre fevereiro e março do ano que vem, a abertura de mercado da uva fresca para a China. Já está superada a burocracia e pronto para ser aberto o mercado de citros, lima, limão-taiti, limão-siciliano, tangerina. Isso também para Índia e Indonésia. Então, não estamos olhando apenas soja, milho, algodão, proteína animal, mas a diversidade da produção brasileira.
Ainda sobre a agenda internacional, o que o Brasil vai mostrar de concreto na COP28, momento em que vai se falar tanto de segurança climática e alimentar?
Digo sempre que o Brasil é este grande provedor de alimentos do mundo porque tem grandes ativos. Gente vocacionada, tecnologias de última geração, máquinas e equipamentos, terras que se tornaram propícias. Mas nenhum desses ativos é mais importante do que o clima. Então, esse ativo ambiental é o grande aliado da produção brasileira, é o grande segredo. Veja agora o que estamos vivendo com os efeitos das mudanças climáticas. Há seis meses, estávamos com caminhões-pipa levando água para as propriedades rurais do Rio Grande do Sul e que hoje estão inundadas. O Centro-Oeste e o Norte estão numa escassez gigante. É inquestionável a deterioração da estabilidade climática, e precisamos parar com isso. Não significa que o Brasil não vai continuar intensificando sua produção de alimentos. Temos 160 milhões de hectares de pastagem no Brasil, e em torno de 90 milhões de hectares são pastagens degradadas. Não queremos plantar soja dentro do Pantanal ou em biomas sensíveis ambientalmente, mas em lugares propícios temos 40 milhões de hectares que, com investimento e transferência de tecnologia, podemos converter e fazer produzir.
Essa será a agenda na COP?
É isso que o presidente Lula vai levar para a COP, um programa brasileiro de intensificação de produção de alimentos em pastagens degradadas, boas práticas, rastreabilidade, pensando no social e ambiental. A única atividade que pode ter ações sequestradoras de carbono é a agricultura, por uma razão muito simples. É onde tem fotossíntese, é onde tem a planta fazendo a troca de gás carbônico por oxigênio. É na agricultura, e podemos apresentar isso para o mundo. A partir do momento em que você muda o perfil do solo, garante qualquer tipo de atividade econômica. Podemos e devemos intensificar em fruticultura, no rebanho leiteiro, na pecuária de corte, floresta plantada, sistema de integração lavoura, pecuária e floresta. Essa é a nossa vocação.
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Para 2024, o que esperar da pasta?
Há uma linha de continuidade de desmistificação da imagem dos produtores brasileiros, de nos mostrarmos melhor. Essa é uma obstinação que vocês vão perceber muito forte em 2024, da modernização de linhas de crédito para financiar essa agropecuária. Foram 440 bilhões de reais de valor inicial do Plano Safra, e está aumentando, é gradativo até junho do ano que vem. Precisamos lembrar que a safra brasileira consome mais de 1 trilhão de reais em custeio. E temos de buscar ferramentas para que esse crédito seja ampliado. A captura de dinheiro internacional para financiar nossa safra será uma das grandes metas de 2024. A linha dolarizada que começou há seis meses já aplicou 2,8 bilhões de reais. Sem contar, é claro, com a obstinação de continuarmos com políticas públicas para a agricultura familiar. Temos sempre de ter a noção de que o orçamento público deve ser prioritário para os pequenos, para os menores produtores, enquanto buscamos modernizações legislativas para desburocratizar e atrair o capital internacional para a agricultura de grande escala.
Recentemente, o senhor esteve com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também para tratar de questões climáticas. Como está o relacionamento com ela?
Eu quero trazer nosso elogio à política ambiental da ministra Marina Silva. O governo não aguentava mais ter de ficar dando explicação para nossos compradores lá fora, sobre o desrespeito ao meio ambiente no passado. Hoje, eles pararam de cobrar porque reconhecem que o Brasil, apesar de os índices de desmatamento ainda estarem altos, voltou à política pública séria, de respeito ao meio ambiente, de combate, comando e controle.