Rua em Xangai: na China, toda semana meio milhão de pessoas saem da zona rural para as cidades (China Photos/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.
Segunda maior economia do mundo. Principal motor do crescimento. Maior polo de exportações industriais. Qual a chave de tamanho sucesso? Para mim, o maior ativo dos chineses é a capacidade de se ajustar aos sucessivos desafios que se colocam em sua rota de desenvolvimento. Muitos países tiveram momentos brilhantes, mas não souberam se adaptar diante de novos problemas — e perderam o ímpeto. Neste momento, a China vive sua quarta era de desenvolvimento capitalista.
A primeira era teve início com a famosa frase do líder Deng Xiaoping: “Não me importo se o gato é branco ou preto, o que me importa é que pegue ratos”. Foi quando abraçou o capitalismo, começou a abrir o regime e iniciou o impressionante experimento que hoje todos conhecemos. O epicentro dessa fase foi Shenzhen, próxima a Hong Kong. A segunda era veio no início dos anos 90 e teve como centro a cidade de Xangai, que se tornou modelo de modernização, replicado em todo o país. Essa era se centrou basicamente na gestão pública, que deu um salto de qualidade com a adoção de metas para altos funcionários do governo. A terceira era começou com uma agressiva reforma bancária, já nos anos 2000.
O governo limpou o sistema e avançou na privatização, dando início ao crescimento de vários bancos que hoje estão entre os maiores do mundo. Tais ajustes se mostraram vitais para sustentar o investimento no país. A visão chinesa era clara — a infraestrutura promove aumento de produtividade e, portanto, deve ser implantada mesmo antes de ser necessária. Hoje pode-se ir às partes mais remotas da China e haverá uma bela estrada de seis pistas. Um dado recente mostrou 97 aeroportos em construção — ao mesmo tempo!
A quarta era começou a ser concebida após a crise financeira de 2008. Ficou claro então que depender do consumidor americano seria problemático. Elevar o próprio consumo chinês passou a ser prioritário. Hoje o consumo doméstico equivale a 35% do PIB. O objetivo é elevá-lo a 40% nos próximos dez anos. Dado o tamanho da economia, é um desafio gigantesco. Por ora, o que se viu foram medidas experimentais de estímulo em cidades médias para a compra de aparelhos eletrônicos.
Mas ninguém deve ter dúvida — ter o mercado doméstico como um motor cada vez mais potente do crescimento será uma obsessão do governo de Pequim daqui em diante. Parte desse estímulo virá da própria migração do campo para as cidades, fenômeno que continua forte em razão do anseio dos pais de conseguir dar uma educação melhor aos filhos. São cerca de meio milhão de pessoas chegando às áreas urbanas — por semana. Nesse processo, o aumento de produtividade é gritante, e isso estimula o consumo.
Outra vertente da quarta era capitalista é a crescente preocupação com o meio ambiente. A China não quer mais ser a vilã da sustentabilidade e pretende no futuro ser vista como parte da solução. A pessoa que muito provavelmente vai suceder o presidente Hu Jintao, Xi Jinping, passou a ser vista como um líder promissor quando começou a falar em sustentabilidade, já há alguns anos. Recentemente, Jinping deu uma entrevista a um jornal chinês dizendo que, daqui a 100 anos, as pessoas olharão para as lideranças chinesas do período atual para saber o que fizeram em termos ambientais.
Ele defende que, se os chineses replicarem o modelo de consumo americano, basicamente o planeta vai derreter. Mas note que a busca por recursos naturais não vai parar. O objetivo é o “crescimento verde”. Uma boa imagem para descrever a China seria uma multidão de milhões de pessoas andando rapidamente num desfile. Não dá para parar — quem tentar provavelmente se dará mal. A pressão claramente é por crescimento, mas agora em novas bases. Isso abre uma nova janela de oportunidade para países como o Brasil, a Austrália ou o Canadá, ricos em recursos naturais. E também para a África, região que os chineses redescobriram antes do Ocidente.
Ainda não sabemos se a China vai ou não ter sucesso em conciliar tais objetivos. Mesmo assim, já começa a se delinear o que poderá ser a quinta era do capitalismo chinês. Ela será voltada para a inovação. O país não quer ser apenas uma enorme fábrica. As somas de investimentos em pesquisa e desenvolvimento são inacreditáveis. É uma nova frente, que passa pelo sucesso na educação chinesa. Não deixa de ser sintomático que Xangai tenha aparecido em primeiro lugar no mais recente teste internacional de educação, o Pisa. Nos anos que morei na China, tive oportunidade de conversar com gente das mais diferentes regiões. Na hierarquia de desejos do chinês médio, educação aparece em primeiro lugar — antes mesmo de comida.
Muitos pais me relataram o incrível esforço que faziam para prover os filhos com melhores condições de prosperar. E prosperidade é algo que não tem faltado. No fundo, estamos revivendo os tempos da preponderância asiática. Desde o início da era cristã até a Revolução Industrial, mais de 50% do PIB mundial veio das áreas onde estão Índia e China. Foram 15 séculos de domínio. Agora, os asiáticos estão de volta — e parecem dispostos a se reinventar para não perder a oportunidade.