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A NR-1 e a saúde mental estarão no centro das atenções das empresas em 2026

Com alta de casos de burnout, estresse e uso de psicofármacos, a nova norma redefine obrigações nas empresas e coloca o Brasil na rota global da saúde mental

Os números no Brasil: só em 2024, o INSS concedeu cerca de 470.000 licenças médicas por transtornos mentais, o maior índice em dez anos (INSS/Divulgação)

Os números no Brasil: só em 2024, o INSS concedeu cerca de 470.000 licenças médicas por transtornos mentais, o maior índice em dez anos (INSS/Divulgação)

Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 06h00.

Última atualização em 18 de dezembro de 2025 às 09h41.

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A partir de maio de 2026, a atualização da Norma Regulamentadora no 1, a NR-1, passa a reconhecer oficialmente os chamados riscos psicossociais, colocando o tema da saúde emocional no trabalho como uma questão de negócio, sujeita a auditorias, fiscalização e multa.

“A NR-1 é, hoje, uma resposta de socorro para um cenário de adoecimento coletivo, principalmente ligado à saúde mental”, afirma a advogada trabalhista Yara Leal Girasole.

O avanço dos afastamentos por questões de saúde mental, principalmente após a pandemia, colocou o tema no centro da agenda das empresas.

No cenário global, a Organização Mundial da Saúde estima que 12 bilhões de dias úteis sejam perdidos anualmente por ansiedade e depressão, gerando uma perda de 1 trilhão de dólares para a economia mundial.

No Brasil, só em 2024, o INSS concedeu cerca de 470.000 licenças médicas por transtornos mentais, o maior número dos últimos dez anos. Um estudo da Robert Half também mostrou neste ano um avanço preocupante no uso de medicamentos para lidar com estresse, ansiedade e burnout no trabalho. Entre os líderes, o consumo de fármacos saltou de 18% em 2024 para 52% em 2025.

Custo que já pesa no bolso

Já entre os liderados, o índice cresceu de 21% para 59% no mesmo período. A nova NR-1 surge, portanto, em um contexto em que o custo do adoecimento deixou de ser invisível e já pesa no bolso.

“A Constituição de 1988 já dizia que o empregador tem obrigação de oferecer um ambiente de trabalho seguro. O que acontece agora é uma ampliação desse conceito, que sempre foi interpretado apenas pelo ponto de vista físico”, diz Girasole.

Na prática, a norma amplia um conceito que antes estava concentrado principalmente em acidentes físicos e na obrigação de EPIs. A partir de 2026, as empresas precisarão responder também por estresse crônico, sobrecarga emocional, falta de clareza de papéis, metas irreais, ambientes de medo e tudo aquilo que, silenciosamente, corrói relações e o bem-estar no trabalho.

Esse novo olhar se materializa principalmente no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que passará a exigir a inclusão dos riscos psicossociais.

“O PGR deixa de ser um documento técnico restrito à segurança física e passa a refletir a cultura da empresa. Não basta dizer que uma área tem alto nível de estresse. É preciso mostrar quais ações estão sendo adotadas para reduzir esse risco”, afirma a advogada.

As multas vão variar conforme o porte da empresa e a gravidade das falhas, mas o impacto vai além do financeiro e atinge reputação, clima e produtividade, e nesse processo a liderança tem papel central. Para isso, será necessário investir no letramento emocional dos líderes.

“Falar de risco psicossocial é falar de habilidade relacional, energia psíquica, qualidade das conversas, conflitos produtivos e silêncios organizacionais”, diz a psicóloga organizacional Patricia -Ansarah, fundadora do Instituto Internacional de Segurança Psicológica (IISP).

Trabalho de forma sustentável

A NR-1, segundo ela, também exigirá métodos mais sofisticados de escuta, muito além das tradicionais pesquisas de clima e engajamento, como canais seguros de denúncia e treinamento de liderança.

A chegada da NR-1 ocorre num momento em que a relação das pessoas com o trabalho já passa por uma transformação profunda. A 24a edição da pesquisa Carreira dos Sonhos, conduzida pela Cia de Talentos, mostra que o bem-estar passou a ocupar o lugar central que antes era do próprio trabalho.

“O foco não está mais em amar o trabalho, mas em trabalhar de forma sustentável para viver bem. O trabalho virou meio para alcançar o bem-estar, não mais fim”, afirma Danilca Galdini, sócia-diretora de Pessoas & Cultura e Insights da consultoria.

Segundo o estudo, hoje as prioridades são estabilidade financeira, flexibilidade, autonomia e tempo para a vida pessoal. “O sucesso passou a ser sinônimo de colocar a vida no centro. O bem-estar virou autocuidado, poder e status.”

O movimento em busca do bem-estar no trabalho não é algo exclusivo do Brasil; é uma tendência global. Países como Dinamarca e Finlândia já avançaram em normas de saúde mental, e o Japão reconheceu o burnout como doença ocupacional antes do Brasil. França, Espanha e Reino Unido também vêm testando novas jornadas, como a semana de 35 horas e a escala de trabalho 4x3.

Nesse cenário, a nova NR-1 no Brasil marca uma virada simbólica: o cuidado emocional entra oficialmente na conta do trabalho.

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